Filme Clube da Luta (explicação e análise)


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Clube da Luta é um filme de 1999, dirigido por David Fincher. Quando saiu, não teve muito sucesso nas bilheterias, mas acabou atingindo o patamar de filme cult, sendo aclamado pelos críticos e pelo público.

Continua sendo um filme bastante popular, talvez porque provoca os espectadores, e conduz a reflexões profundas acerca da nossa sociedade e a da forma como vivemos.

Trata-se de uma adaptação para o cinema de um romance de Chuck Palahniuk com o mesmo título, publicado em 1996.

Análise e explicação do filme

Clube de Luta começa in medias res (do latim "no meio das coisas", é uma técnica literária utilizada quando a narrativa não começa no início dos eventos, mas sim no meio): Tyler com uma arma na boca do narrador, minutos antes de uma explosão. A narração inicia quase no final, que podemos adivinhar que não será feliz. O filme vai nos mostrar quem são aqueles homens e os eventos que os conduziram até aquele ponto.

Percebemos que estamos perante um narrador que não é onisciente; pelo contrário, está confuso, enlouquecido pela insônia e o cansaço. Aquilo que ele nos conta, o que vemos através dos seus olhos não é, necessariamente, a realidade. Não podemos confiar nele, como vamos percebendo ao longo do filme.

Essa desconfiança é confirmada quando descobrimos, já perto da conclusão da narrativa, que se tratam de personalidades dissociativas. E que, afinal, aquele homem esteve sempre sozinho, lutando contra si mesmo.

Quando obtemos essa informação, percebemos que existiam já indícios: quando se conhecem têm a mesma mala, no ônibus só pagam uma passagem, o narrador nunca está ao mesmo tempo com Tyler e Marla.

Duas faces da mesma moeda

O narrador, como o conhecemos no início do filme, é um homem derrotado, robótico, sem propósito na vida. Cumpre suas obrigações com a sociedade, tem um emprego estável, tem casa própria cheia de adereços, no entanto é extremamente infeliz, o que resulta numa insônia que se prolonga mais de seis meses.

Um pouco antes de conhecer Tyler Durden durante o voo, ouvimos no seu monólogo interior que deseja que o avião caia. Trata-se alguém desesperado, que não encontra nenhuma outra saída para a rotina que o consome. O encontro muda o seu destino, já que este o incentiva a deixar para trás tudo que o faz sentir encurralado.

Brad Pitt e Edward Norton no filme Clube da Luta (1999)

Desde o início que o seu discurso, de alguma forma, deixa adivinhar as suas intenções: percebemos a sua raiva e o seu desprezo pela sociedade, e também que entende de químicos e bombas caseiras. O perigo é notório e isso é o que chama atenção do narrador, que não consegue esconder a sua admiração.

Eles são, em tudo, opostos. O que fica claro, por exemplo, nas suas casas: o narrador vivia num apartamento de classe média, minunciosamente decorado, que foi destruído pela explosão e teve que se mudar para a casa ocupada por Tyler (velha, suja, vazia). Inicialmente chocado com a mudança, começa a se adaptar e vai cortando com o mundo exterior, deixa de ver TV, não é mais afetado pela propaganda.

Casa de Tyler Durden no filme Clube da Luta

A convivência com Tyler muda visivelmente o narrador. Ele começa a ir para o trabalho sujo de sangue, perde dentes, seu estado físico e mental vai se deteriorando. Enfraquece cada vez mais, enquanto sua outra personalidade se torna cada vez mais forte.

A queimadura química que Durden faz na sua mão é um símbolo do seu poder. Uma marca permanente da sua filosofia: não podemos ocupar nossa mente com distrações, é necessário sentirmos a dor e agirmos sobre ela.

Como fica claro no diálogo entre as duas personalidades, Tyler é tudo o que o narrador queria ser: impulsivo, corajoso, disruptivo, disposto a destruir o sistema que o criou. Trata-se de uma materialização da sua revolta e do seu desespero perante a rotina e o estilo de vida que levava. Foi criado para mudar tudo o que o narrador não conseguia sozinho.

Capitalismo e consumismo

Clube da Luta é uma reflexão crítica acerca da sociedade de consumo na qual vivemos e os efeitos que ela provoca nos indivíduos. O filme começa nos mostrando várias marcas famosas e o modo como o protagonista e os demais consomem esses produtos com o objetivo de preencher um vazio interior.

O narrador passa quase todo o seu tempo trabalhando para poder se sustentar. Quando está livre, não tendo ninguém com quem estar, ou outra atividade que o estimule, acaba gastando o seu dinheiro em bens materiais. Sem nome, esse homem é uma representação do cidadão comum: vive para trabalhar e juntar dinheiro, para depois gastar no que não precisa, mas que a sociedade o pressiona a ter.

Por causa desse ciclo vicioso, os indivíduos são transformados em meros consumidores, espectadores, escravos de um sistema que define o valor de cada um segundo o que ele possui, e esgota toda a sua existência. Isso é algo que podemos notar no monólogo que o protagonista faz no aeroporto, quando lembra a si mesmo que "Essa é a sua vida e ela está terminando um minuto de cada vez".

Quando todas as suas coisas ficam destruídas durante a explosão na sua casa, a sensação que o invade é a de liberdade. Nas palavras de Durden, "só depois de perdermos tudo é que somos livres para fazermos o que quisermos". Depois de se desprender dos bens materiais que o controlavam, começa a elaborar o seu plano para destruir o sistema capitalista e libertar o povo das suas dívidas, acreditando que está salvando todas aquelas pessoas.

Luta como catarse

A violência surge como uma forma momentânea de fazer com que aqueles homens se sintam vivos. Como é explicado pelo protagonista, o mais importante nas lutas não era ganhar ou perder, eram as sensações que elas provocavam: dor, adrenalina, poder. Era como se passassem o tempo todo dormindo e apenas acordassem no Clube da Luta, descarregando toda a raiva acumulada e experimentando uma espécie de libertação.

Solidão e relações humanas precárias

Uma característica transversal a todas as personagens é a solidão extrema. Condenados por estar dentro do sistema (como o narrador) ou por estar fora (como Marla), todos levam uma existência isolada. Quando se encontram nos grupos de apoio, Marla e o protagonista procuravam o mesmo: contato humano, honestidade, a possibilidade de chorar no ombro de um desconhecido.

O narrador está tão destruído pela sua solidão, a sua saúde mental está tão abalada, que acaba criando uma outra personalidade, um amigo com que partilhar tudo, um parceiro de luta. Marla é tão desamparada que, quando tenta se suicidar e precisa de ajuda, liga para alguém que acabou de conhecer.

É possível que essa insociabilidade, esse exílio existencial, seja aquilo que atrai os homens do Clube da Luta. E, ainda mais, os soldados do Projeto Caos, que passam a viver na mesma casa, a comer e dormir juntos, lutando pela mesma causa.

É esse sentimento de pertença que parece atraí-los para Tyler, alguém que partilha a mesma revolta e promove o ódio pela sociedade capitalista que os excluiu.

Final em aberto

O final do filme não fornece uma resposta concreta ao espectador acerca do que aconteceu. As duas personalidades lutam e o narrador fica ferido mas parece ganhar, baleando Tyler, que desaparece. Marla, que tinha fugido da cidade para se proteger do Projeto Caos, é raptada pelos soldados e levada para o local.

Dão as mãos e o narrador diz a Marla: "Você me conheceu numa altura muito estranha da minha vida”. Ficam assistindo a explosão dos edifícios pela janela enquanto, ao fundo toca Where is my mind? dos Pixies.

Embora vejamos que o plano do Projeto Caos funcionou, não chegamos a conhecer as suas verdadeiras implicações nem sabemos, ao certo, se Tyler Durden realmente "morreu" ou não.

Teorias dos fãs

Clube da Luta virou um filme cult que continua, até hoje, despertando a atenção dos fãs, que criaram suas próprias teorias sobre ele. Uma bastante curiosa é a de que Tyler Durden era real e tinha se aproveitado de um homem solitário e com uma saúde mental frágil para manipulá-lo a liderar um grupo terrorista.

Outra teoria muito popular é a de que Marla Singer era imaginária. Vários fãs e estudiosos de cinema acreditam que Marla também era fruto da imaginação do protagonista, materializando a sua culpa e o seu sofrimento. Caso esta teoria estivesse correta, o protagonista teria vivido um triângulo amoroso consigo mesmo e seria provável que tudo o que vemos no filme acontecesse apenas na sua mente.

Enredo do filme

Introdução

O protagonista é um homem de classe média que vive em função do seu trabalho, numa empresa de seguros. Sofre de insônias e sua saúde mental começa a ficar debilitada pela falta de descanso. Solitário, passa seu tempo livre comprando roupas caras e peças de decoração para sua casa, numa tentativa de preencher o vazio que há em si.

Depois de seis meses de insônias, procura o seu médico. O profissional se recusa a prescrever remédios para dormir, dizendo-lhe que, para conhecer o verdadeiro sofrimento, deveria aparecer numa reunião de apoio a vítimas de cancro testicular.

Desesperado, vai à reunião do grupo de apoio, se fazendo passar por doente. Perante a dor real daqueles homens, consegue chorar e desabafar e consegue dormir essa noite. Fica viciado em frequentar grupos de apoio para pacientes de várias doenças.

Desenvolvimento

A presença de outra impostora começa a perturbá-lo, impedindo-o de chorar: Marla Singer, uma mulher misteriosa que aparece em todas as reuniões, fumando no fundo da sala. O narrador vai confrontá-la, ambos admitem a sua farsa, acabam dividindo os grupos e trocam números de telefone.

No avião, voltando de uma viagem de negócios, conhece Tyler Durden, um fabricante de sabonetes com uma filosofia de vida singular, que o impressiona e intriga. Quando chega, descobre que houve uma explosão no seu apartamento e que perdeu todos seus bens materiais. Sem ninguém a quem pedir ajuda, acaba ligando para Tyler.

Se encontram, conversam sobre o estilo de vida atual, o capitalismo e o consumismo e, no final da conversa, Tyler o desafia: “Quero que você me bata com o máximo de força que conseguir”. Confuso, o narrador aceita e ambos acabam lutando.

Depois da luta ficam eufóricos e Tyler acaba convidando o desconhecido para viver na sua casa. As suas lutas são cada vez mais frequentes e começam a atrair outros homens: assim nasce o Clube da Luta.

Marla, depois de tomar muitos comprimidos, liga para o narrador pedindo ajuda para a sua tentativa de suicídio. Ele deixa o telefone fora do gancho, não dando atenção ao pedido de socorro. Na manhã seguinte, quando acorda, descobre que Marla passou a noite na sua casa: Tyler pegou o telefone e foi se encontrar com ela. Ambos se envolveram sexualmente.

O Clube da Luta vai ganhando cada vez mais participantes e se estendendo por várias cidades, liderado por Tyler. Na sua porta, começam a aparecer recrutas dispostos a seguir cegamente as ordens do líder e assim surge o Projeto Caos, um exército anarquista que espalha atos de vandalismo e violência pela cidade.

Conclusão

Tyler desaparece e, tentando parar o ciclo de destruição dos seus soldados, o narrador começa a persegui-lo pelo país, com a estranha sensação de que conhece todos aqueles lugares. Um dos membros da organização revela a verdade: o narrador é Tyler Durden.

O líder do Projeto Caos surge no seu quarto de hotel e confirma que são o mesmo, duas personalidades num homem: enquanto o narrador dorme, ele usa o seu corpo para pôr o seu plano em ação.

O narrador desvenda os seus objetivos e tenta denunciá-los à polícia. Mas o rival tem cúmplices em todos os lugares e acaba conseguindo o que queria: explodir as empresas de crédito onde estão todos os registros bancários, libertando o povo de suas dívidas. As duas personalidades lutam, Tyler é baleado e some de repente. Marla e o narrador assistem a demolição pela janela, de mãos dadas.

Personagens principais

Narrador (interpretado por Edward Norton) no filme Clube de Luta.

O verdadeiro nome do protagonista nunca é revelado durante o filme, sendo referido apenas como narrador (interpretado por Edward Norton). É um homem comum, consumido pelo trabalho, o cansaço e a solidão, que sofre de insônias e começa a perder a sanidade. Sua vida muda quando seu caminho se cruza com os de Tyler Durden e Marla Singer.

Tyler Durden (interpretado por Brad Pitt) no filme Clube de luta

Tyler Durden (interpretado por Brad Pitt) é um homem que o narrador conhece no avião. Fabricante de sabonetes, projetista no cinema e garçom em hotéis de luxo, Tyler vai sobrevivendo com vários trabalhos, mas não esconde o seu desprezo pelo sistema social e financeiro.

Fundador do Clube da Luta e líder do Projeto Caos, descobrimos que se trata de uma outra personalidade do narrador que, enquanto ele dormia, planejava meticulosamente a revolução.

Marla Singer (Helen Bonham Carter) no filme Clube de Luta

Marla Singer (interpretada por Helen Bonham Carter) é uma mulher solitária e perturbada que conhece o narrador quando ambos se faziam passar por doentes em grupos de apoio, em busca de algum consolo para o vazio em suas vidas.

Depois de uma tentativa falhada de suicídio, se envolve com Tyler, outra personalidade do narrador, e forma assim o terceiro vértice de um bizarro triângulo.

David Fincher: diretor de Clube da Luta

Em 1999, quando dirigiu Clube da Luta, David Fincher foi bastante criticado pelo teor violento e anárquico do filme, que fracassou nas bilheterias. No entanto, quando saiu em DVD, Clube de Luta foi um sucesso absoluto, batendo recordes de vendas. Apesar ou graças a essa controvérsia, Fincher conquistou o titulo de diretor cult.

Conheça também

Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.