Ilha do Medo: explicação do filme


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Com o título original Shutter Island, o filme de suspense psicológico foi dirigido por Martin Scorsese e lançado em 2010. O longa-metragem foi baseado num romance com o mesmo nome, publicado por Dennis Lehane em 2003.

Edward Daniels é um agente federal que precisa investigar Ashecliffe, uma prisão psiquiátrica escondida numa ilha remota. Ele e seu novo parceiro, Chuck, são chamados ao local quando uma das pacientes, Rachel Solando, desaparece sem deixar rastro.

A partir daí, o protagonista vai descobrindo os segredos arrepiantes da ilha, ao mesmo tempo que é confrontado com suas próprias memórias traumáticas.

Atenção: a partir deste ponto, você vai encontrar spoilers!

Final explicado: teorias sobre a última cena

Lembrado pela cena enigmática que encerra o filme, Ilha do Medo subverte as nossas expectativas em vários momentos. O grande plot twist do enredo surge quando percebemos que o protagonista não é Edward Daniels, o agente federal que está ali para investigar.

Na verdade, é Andrew Laeddis, um paciente que está internado há mais de dois anos, depois de ter assassinado a esposa. Abalado pela culpa, ele inventou um alter-ego para justificar a sua presença naquele local. Assim, o filme de mistério se converte numa história dramática, que nos faz lamentar o destino daquele homem.

Quando conseguem confrontá-lo com a verdade, os médicos falam que estão sendo pressionados pelo diretor. Ele precisa "despertar" e assumir sua identidade, caso contrário será submetido a uma lobotomia no dia seguinte.

Cena final

A conversa parece surtir efeito, mas pela manhã Andrew está agindo como se fosse o policial. Quando Dr. Sheehaan, o médico que ele pensava ser Chuck, senta do seu lado, o protagonista começa a falar do caso que está desvendando.

É aí que o psiquiatra dá sinal aos seus colegas, avisando que o tratamento não funcionou. As palavras do protagonista antes de ser levado parecem suscitar dúvidas no médico, assim como nos espectadores.

O que é melhor: viver como um monstro ou morrer como um homem bom?

O final em aberto gerou teorias entre o público e os críticos: será que o tratamento falhou mesmo? Ou será que Andrew está curado, mas escolheu continuar encarnando Edward? A frase do protagonista demonstra uma grande consciência, mas pode se tratar de apenas mais uma alucinação.

Também podemos acreditar que ele lembrava de tudo, mas decidiu permanecer na fantasia. Sabendo que não poderia mais fugir dos seus atos e teria que "viver como um monstro", ele parece escolher o processo que irá comprometer suas capacidades mentais para sempre.

Laeta Kalogridis, a roteirista do filme, partilhou sua opinião em uma entrevista. Na interpretação dela, Andrew não terá planejado nada; foi apenas um segundo de sanidade que desapareceu logo depois.

Interpretação e significado do filme

As reviravoltas do enredo nos levam a questionar: o que trata, afinal, Ilha do Medo? Inicialmente, acreditamos que a narrativa irá denunciar as condições desumanas de abandono vividas em alguns hospitais psiquiátricos.

Mais tarde, envolvidos numa teoria da conspiração, começamos a pensar que os pacientes estão sendo submetidos a experiências financiadas pelo governo. No entanto, todo o mistério é resultado das alucinações de Andrew, que criou uma vida alternativa para se proteger da verdade trágica.

Vamos descobrindo os fatos ao mesmo tempo que o protagonista, ou seja, dependemos da percepção de um homem doente. Deste modo, a trama surpreende até ao final, se focando nas mentiras que criamos para nós mesmos e mostrando os labirintos de uma mente em negação.

O longa-metragem termina com o processo de lobotomia, um tipo de cirurgia cerebral que hoje é considerado um ato bárbaro, mas foi muito usado durante as décadas de 40 e 50, principalmente nos Estados Unidos. Este desenlace mostra como os pacientes que passavam pelo processo encontravam uma espécie de "morte em vida", deslizando para um esquecimento absoluto.

Edward Daniels e Andrew Laeddis

No início da narrativa, o protagonista da história é apresentado como Edward (ou Teddy), um agente federal que viaja de barco para Shutter Island, onde vai fazer uma investigação. No caminho ele conhece Chuck, o novo parceiro, a quem conta um pouco da sua história.

O policial revela que foi casado, mas a esposa morreu na sequência de um incêndio. Aos poucos, vamos percebendo suas verdadeiras intenções: ele foi até lá procurar Andrew Laeddis, o assassino da mulher. Todas as noites, ele sonha com Dolores e também com o incendiário que trabalhava no edifício.

Depois do crime, Laeddis ficou em liberdade, mas acabou sendo preso por queimar uma escola e foi transferido para aquele local. A partir daí, seus registros sumiram e Teddy pediu para ficar com aquele caso para poder investigar seu paradeiro.

Edward / Andrew

Ao longo da narrativa, Edward vai ficando cada vez mais obcecado com aquela figura. Quando encontra um bilhete de Rachel, que estava desaparecida, ele confirma que existem 67 pacientes no local, mas apenas encontra os documentos de 66. Assim, sua missão passa a ser achar Laeddis, o 67º, e descobrir o que está acontecendo naquele do hospital.

A aventura conduz o protagonista ao farol, lugar onde ele acreditava que os pacientes estavam sendo submetidos a experiências ilegais. Contudo, o que ele encontra é muito pior do que poderia imaginar: Dr. Cawley está esperando por ele, pronto para revelar toda a verdade.

O psiquiatra revela, então, o motivo de seus tremores e alucinações visuais: o protagonista é um paciente que está internado há 2 anos, mas parou de tomar medicação para receber um novo tratamento. Cawley mostra também uma ficha médica que prova que ele é o 67º paciente.

Dr. Cawley contando a verdade

Usando um quadro, ele demonstra que os nomes Edward Daniels e Andrew Laeddis são anagramas (usam as mesmas letras), assim como Rachel Solando e Dolores Chanal. O polícia federal não existe, é apenas uma fantasia usada para encobrir a realidade. O nome do protagonista é Andrew e ele foi internado por assassinar a esposa.

A partir daí, começou a criar narrativas fantásticas muito desenvolvidas para não ter que encarar o que aconteceu. Mais que isso: em vez de criminoso, ele virou o herói da história. No entanto, o seu caráter perigoso está gerando preocupações e Andrew está prestes a ser lobotomizado.

Cawley e Sheehaan decidiram, então, submetê-lo a um tratamento experimental: deixaram o paciente recriar sua fantasia, a fim de curá-lo. O médico mais novo assumiu o papel de Chuck, o parceiro ficcional, para poder vigiá-lo ao longo do processo. Contudo, se o tratamento falhar, o trabalho deles será descredibilizado.

Rachel Solando e Dolores Chanal

A narrativa também gira em torno destas duas figuras femininas; o desaparecimento de Rachel é o pretexto para a viagem à ilha e os sonhos com Dolores são aquilo que o motiva a persistir na sua missão. Solando teria assassinado os próprios filhos, mas não conseguia aceitar o seu crime, acreditando que ainda vivia com a família.

A mulher acaba sendo encontrada, dentro do próprio hospital, mas a sua história contem pistas sobre o passado de Andrew. No bilhete que ela esconde no quarto está a chave para interpretar os anagramas dos nomes e o aviso de que ele é o 67º paciente. Quando o caso parece desvendado, o homem está pronto para partir, mas é retido pelos seus sonhos.

Dolores

Dolores aparece durante as noites, no apartamento antigo, e o homem tenta abraçá-la, falar que a ama, mas ela se transforma em cinzas. Aos poucos, a figura da esposa também começa a assombrar o protagonista enquanto ele está acordado, lembrando que deve encontrar Laeddis.

Mais adiante, quando resolve incendiar um carro para tentar escapar, ele volta a ver Dolores entre as chamas, desta vez acompanhada por uma garotinha. A menina, que seria uma das crianças assassinadas por Solando, também surge nos seus sonhos e pergunta porquê ele não a salvou.

Quando os psiquiatras começam a revelar a verdadeira identidade do protagonista, podemos juntar as peças desse puzzle e perceber quem é a menina. Dolores era extremamente depressiva e tentou incendiar o próprio apartamento. Andrew não percebeu a gravidade dos seus problemas e resolveu que a família se mudaria para uma casa isolada no campo.

Dolores e Rachel Laeddis

Um dia, quando regressou do trabalho, encontrou a esposa em estado psicótico e os três filhos afogados no lago em frente. A menina com quem ele sonhava era Rachel, a sua filha; ele lembra de tudo quando vê um retrato dela.

Depois de transportar as crianças para fora da água, ele tentou reanimá-las , mas era tarde demais. Foi então que, dominado pelo sofrimento e pela raiva, matou a esposa com um tiro. Assim, percebemos que a culpa do homem não é só pelo assassinato da esposa: ele também se sente responsável pela morte dos filhos.

A figura de Rachel encerra, assim, metáforas sobre os crimes de Dolores e também sobre a necessidade do protagonista em criar uma ficção para si mesmo e viver submerso nela.

Entre traumas e teorias da conspiração

Além de esconder as memórias dolorosas no passado com personagens fictícias como Edward e Rachel, o sofrimento do protagonista também surge através de supostos traumas de guerra. Na fantasia, Teddy era um antigo soldado da Segunda Guerra Mundial que vivia perturbado pelas lembranças do conflito.

Em vários momentos de ansiedade, ele vê flashes das batalhas, principalmente do dia em que invadiram um campo de concentração nazista. Entre os corpos empilhados que ele via no local, estavam três crianças: eram os seus filhos que, na verdade, morreram afogados.

Na sua perspectiva, o hospital se assemelha ao campo de concentração, algo que é confirmado quando vemos que o diretor tem a mesma imagem que o general nazista que ele viu morrendo, anos antes. Esse suposto percurso influencia Edwards, que começa a desconfiar das atividades que ocorrem na ilha.

Cena durante a guerra

Surge então a figura de George, um antigo socialista que teria sido submetido a experiências naquele local e enlouquecido em seguida. Teddy começa, assim, a desconfiar que se trata de uma operação do governo para combater os inimigos e "terroristas". A história ganha força porque aquelas pessoas seriam vítimas fáceis, já que ninguém acredita no que elas falam.

Mais tarde, tudo isso é confirmado por uma mulher que ele encontra numa gruta. Afirmando ser a verdadeira Rachel, a nova fantasia revela que suas suspeitas estão corretas e o governo está tentando criar soldados desprovidos de emoções.

Quando te declaram louco, tudo que você faz é parte da sua insanidade.

As palavras aumentam a paranoia do protagonista, avisando que ele está sendo envenenado e que o objetivo dos médicos é interná-lo no hospital. Como Dr. Cawley explica depois, estas teorias da conspiração era um modo do paciente continuar alimentando a mentira e desconfiando de tudo que os outros diziam.

Sinais de uma saúde mental deteriorada

Rever Ilha do Medo pode ser um exercício interessante quando já conhecemos a reviravolta da trama. É possível percebermos que os comportamentos do protagonista já indiciavam que ele sofreria de alguma perturbação mental. A história começa com ele lavando o rosto durante a viagem de barco: assumimos que se trata de um enjoo, mas é a falta dos remédios que tomava.

Também fica evidente que ele sofre de alucinações visuais e auditivas durante toda a jornada. As conversas com os médicos são bastante claras: revelam que já o conheciam há algum tempo e chegam a mencionar que ele tem "mecanismos de defesa excelentes".

Procurando Laeddis

Durante um dos seus surtos, quando o psiquiatra mais velho tenta pará-lo com uma injeção, o seu discurso também é bastante revelador. Ele declara, tentando convencê-lo a se acalmar:

A palavra "trauma" vem do grego "ferida". As feridas podem criar monstros e você está machucado.

A cena que mais chama a atenção, contudo, é a do copo de água que desaparece. Durante o interrogatório de uma mulher que estava internada, vemos que ela está com sede. No entanto, quando ela vai beber água, sua mão está vazia. Logo no frame seguinte, o copo é pousado em cima da mesa.

Copo que desaparece

Embora muita gente não tenha reparado no detalhe, trata-se de um sinal evidente para o espectador: não pode confiar nos seus olhos, já que a história é contada do ponto de vista de alguém que está louco.

Finalmente, é interessante repararmos no modo como o protagonista ignora aquilo que ele não quer ver. Embora esteja obcecado por encontrar o 67º paciente, ele se recusa a olhar a ficha médica que revelaria a sua verdadeira identidade. É como se, de forma inconsciente, ele não aceitasse ser "despertado".

Curiosidades sobre Ilha do Medo

Embora tenha sido lançado há mais de uma década, o longa-metragem de suspense ainda é bastante popular, sendo apontado como um dos plot twists mais marcantes no cinema norte-americano. Ele também é conhecido pelo final em aberto que continua gerando dúvidas e teorias entre os espectadores. No livro que inspirou a obra, a afirmação final não existe e a recaída de Andrew é real.

Os policiais da trama foram inspirados nos detetives de filmes noir, principalmente Laura (1944). Muitos espectadores têm apontado outras referências, por exemplo, quadros famosos que são homenageados no longa.

Quadro O Beijo, de Klimt

No sonho em que o protagonista abraça Dolores, antes que ela se transforme em cinzas, podemos ver O Beijo de Gustav Klimt, na posição e nas cores. Já no sonho em que vê o corpo de uma menina flutuando nas águas do lago há a sugestão de Ofélia, um quadro de John Everett Millais.

Para combinar com o clima de suspense, a trilha sonora do filme é uma seleção de música clássica moderna com a curadoria de Robbie Robertson, músico e produtor que colabora frequente nas obras de Martin Scorsese. Confira na playlist abaixo:

Ficha técnica completa e cartaz

Título Shutter Island (no original)
Ilha do Medo (no Brasil)
Ano 2010
Diretor Martin Scorsese
Lançamento fevereiro de 2010
Duração 138 minutos
Classificação Maiores de 16 anos
Gênero Drama
Suspense
País de origem

Estados Unidos da América

Personagens e elenco

Edward Daniels (Leonardo DiCaprio)
Chuck Aule (Mark Ruffalo)
John Crawley (Ben Kingsley)
Dolores Chanal (Michelle Williams)
Rachel Solando (Emily Mortimer)
George Noyce (Jackie Earle Haley)
Andrew Laeddis (Elias Koteas)

Cartaz do filme Ilha do Medo.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.