Filme Central do Brasil (resumo e análise)


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

Central do Brasil é uma obra cinematográfica de Walter Salles. Lançada em 1998, a produção segue o estilo road movie, ou "filme de estrada".

O filme, que traz como protagonistas Fernanda Montenegro e Vinícius de Oliveira, alcançou enorme sucesso de público e reconhecimento da crítica.

Tornou-se um marco na história do cinema nacional, contribuindo para a retomada de produções relevantes no país.

Além disso, recebeu diversas premiações em Festivais no mundo todo, sendo indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro no ano seguinte de sua estreia.

Resumo e análise de Central do Brasil

O povo brasileiro como personagem

Uma das características desse filme responsável por trazer a noção de coletividade e contribuir para aflorar a emoção no público é a presença marcante do povo brasileiro em toda a trama.

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Dora e Josué cercados de pessoas simples

Desde o início da história o povo apresenta-se também como personagem. Isso porque o enredo começa em uma estação de trem, com intensa circulação de gente. São pessoas simples, que correm em busca de seus anseios e muitas vezes vêm de lugares longínquos para tentar a vida na capital do Rio de Janeiro.

Através da personagem Dora, uma professora que escreve cartas para pessoas que não aprenderam a ler e escrever, conhecemos fragmentos de histórias de um povo sofrido, mas cheio de sonhos e esperança.

É ainda nesse contexto que se apresenta o problema do analfabetismo, falta de oportunidades e desigualdade no país.

A questão do abandono

Em Central do Brasil o abandono é tratado de forma evidente e, ao mesmo tempo, sutil. A trama mostra Josué e Ana, sua mãe, que dita para Dora uma carta que deveria ser endereçada a Jesus, pai do garoto.

O homem mora no interior do nordeste e nunca conheceu o filho, que naquele momento tem 9 anos - aqui já notamos um primeiro abandono.

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A atriz Soia Lira no papel de Ana e Vinícius de Oliveira como Josué

Logo que deixa a estação, Ana é atropelada por um ônibus e morre no local. O filho, agora órfão e completamente sozinho, passa a ficar na estação.

Dora se comove com a situação do garoto e o leva para casa. Lá, ela e sua amiga Irene cuidam de Josué. Entretanto, a professora, que tinha um caráter duvidoso, vende Josué para uma traficante de crianças. Mais uma vez o garoto é então abandonado.

Arrependida, Dora volta ao local e consegue resgatar Josué. Os dois fogem e iniciam a viagem em busca do pai do menino.

Importante destacar também o abandono identificado na própria Dora, que ao longo do filme nos conta sobre sua infância e a relação ausente com o pai. Além disso, percebemos que, apesar de ser uma mulher forte, ela sente-se solitária sem uma família e sem o afeto de um homem.

A fé e a religiosidade

Outro ponto que merece destaque é a presença de elementos religiosos no enredo, mostrando um Brasil fortemente ligado às crenças de ordem espiritual.

No meio da jornada ocorrem algumas situações que demonstram a fé do povo, seja de forma branda ou mais visível.

Quando os protagonistas pegam carona, por exemplo, com o caminhoneiro César (vivido por Othon Bastos), vemos em seu veículo a frase "Tudo é força, só Deus é poder". Posteriormente, ele declara ser evangélico.

Em seguida, Dora e Josué continuam a procurar por Jesus e conseguem chegar ao endereço que estava escrito na carta de Ana. Lá chegando, recebem a notícia de que o homem que procuram havia se mudado de casa, estava morando em um conjunto habitacional.

Podemos identificar na escolha dos nomes dos personagens outro ponto que relaciona-se à religião. Não à-toa que a busca dos protagonistas era por um homem chamado Jesus.

Mas o "momento chave" nesse sentido é quando, depois de uma briga, o garoto foge de Dora e embrenha-se em uma multidão na procissão da Nossa Senhora das Candeias. A professora vai em busca de Josué gritando seu nome em meio ao povo que carrega velas nas mãos, faz orações e cumpre promessas.

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Fernanda Montenegro em cena dentro de capela da Nossa Senhora dos Milagres

Ao adentrar uma capela da Nossa Senhora dos Milagres, Dora sente vertigem e desmaia. Josué a encontra e na próxima cena ela acorda com a cabeça recostada no colo do menino.

Alguns críticos insinuam que essa cena possa ser interpretada como um tipo de "Pietá" às avessas, onde ao invés de ser a mãe de Cristo que carrega o filho nos braços, é o menino que acolhe a "mãe".

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Cena icônica de Central do Brasil

A partir desse instante ocorre uma espécie de "redenção" da mulher. Dora consegue finalmente deixar o amor entrar em seu coração, identificando-se ainda mais com a história do menino e fortalecendo vínculos.

A consolidação do afeto

É então que o menino avista um homem tirando fotos das pessoas ao lado de uma estátua de Padre Cícero e entregando a elas pequenos monóculos com as imagens.

Josué tem a ideia de anunciar para o público que a Dora pode escrever cartas dos transeuntes para o santo e para parentes. Assim é feito e, enfim, os dois conseguem algum dinheiro. Eles compram roupas novas e tiram um retrato ao lado de Padre Cícero, recebendo cada um seu monóculo.

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Momento em que os protagonistas são retratados com a imagem de Padre Cícero

Posteriormente eles seguem rumo ao novo endereço de Jesus. Mas o pai do garoto também não morava mais no local. Ambos ficam frustrados e sem expectativas. É quando Dora convida Josué para morar com ela e o menino aceita.

O encontro dos irmãos

Entretanto, na sequência aparece um jovem que se apresenta como Isaías. Ele diz que soube que havia pessoas procurando por seu pai. Josué mente seu nome, identificando-se como Geraldo.

Isaías mostra-se muito gentil e os convida para um café. Na casa, é apresentado o outro irmão, Moisés. Eles contam que o pai perdeu a outra casa e mostram a marcenaria que trabalham.

Contam também que Jesus foi para o Rio de Janeiro à procura de Ana e, não a encontrando, enviou uma carta para ela (caso ela tivesse voltado). A carta agora estava na posse de Isaías e Moisés.

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Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira e Matheus Nachtergaele em cena

Eles pedem que Dora leia a carta. É então revelado que Jesus ainda amava Ana e pedia para que ela o esperasse, pois ele pretendia voltar para que a família ficasse completa.

Nesse momento, Dora inclui o nome de Josué na carta e diz que o pai gostaria muito de conhecê-lo. O menino fica emocionado. Dessa forma, Isaías e Moisés se dão conta de que, na realidade, "Geraldo" é o irmão mais novo.

O retorno de Dora - a finalização do filme

Antes de amanhecer, Dora arruma suas coisas e parte para o Rio de Janeiro. Mas antes, observa os irmãos dormindo e deixa as cartas de Ana e Jesus embaixo do retrato deles.

Josué acorda e procura por Dora. Percebendo que ela foi embora, sai correndo para tentar alcançá-la, mas nesse momento ela já está dentro do ônibus.

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Cena final de Central do Brasil

Durante a viagem de volta, a professora escreve uma carta muito emocionada para o garoto. Ela pede que ele não a esqueça e que olhe a pequena foto do monóculo para se lembrar de seu rosto.

Ela tira a monóculo da bolsa e observa a imagem dos dois. Enquanto isso, no mesmo instante Josué também olha para a foto.

Sinopse e trailer de Central do Brasil

A trama conta sobre a história de Dora e Josué.

Dora, uma professora aposentada, ganha a vida escrevendo cartas para pessoas analfabetas na estação de trem Central do Brasil, no Rio de Janeiro.

A mulher, um tanto amargurada, de repente tem sua vida entrelaçada com a do menino Josué, que acabara de perder a mãe.

Juntos embarcam em busca do pai do garoto no interior do sertão nordestino, desenvolvendo uma relação que vai do conflito ao afeto, transformando-os para sempre.

Elenco e ficha técnica de Central do Brasil

Central do Brasil é uma história que se apoia em dois pilares, sendo que um deles é o menino Josué, interpretado de maneira competente por Vinícius de Oliveira.

O garoto, na época com 12 anos, foi descoberto pelo diretor Walter Salles enquanto engraxava sapatos em um aeroporto. Walter percebeu em Vinícius um olhar diferente e teve a intuição de que seria a pessoa certa para o papel.

Assim, o garoto, que nunca havia atuado, fez parte do filme contracenando com a renomada Fernanda Montenegro. Atualmente ele continua na carreira de ator, participando de séries, principalmente.

Fernanda Montenegro, por sua vez, que já era uma atriz de enorme sucesso, teve ainda mais reconhecimento com o filme. Ela foi a única atriz brasileira a ser indicada ao Oscar. Sobre o filme, ela declarou:

Eu acho que o que o filme tem de mais bonito é esse demorado adeus de uma humanidade que se encontra, que se ampara e que sai de lá renascida.

Outra personagem importante na trama é Irene, interpretada por Marília Pêra. A vizinha e amiga de Dora faz um contraponto com a protagonista, exibindo doçura e honestidade.

Marília Pêra participou de diversos trabalhos no cinema e televisão. Em dezembro de 2015 a atriz falece em decorrência de um câncer de pulmão.

Outro ator que também faleceu é Caio Junqueira, que vivia o papel de Moisés, irmão de Josué. Caio sofreu um acidente de carro em janeiro de 2019, indo a óbito depois de algumas semanas.

Título Central do Brasil
Ano de lançamento 1998
Direção Walter Salles
Elenco Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira, Marília Pêra, Othon Bastos, Matheus Nachtergaele, Caio Junqueira, Otávio Augusto
Duração 113 minutos
Trilha sonora Antônio Pinto, Jaques Morelenbaum
Prêmios de destaque

Indicação para o Oscar de melhor filme estrangeiro e melhor atriz para Fernanda Montenegro.

Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.

Urso de Ouro de melhor filme.

Urso de Prata de melhor atriz.

O que foi dito sobre Central do Brasil

Podemos perceber a poética do filme através das palavras da professora e pesquisadora acadêmica Ivana Bentes:

Central do Brasil é o filme do sertão romântico, da volta idealizada à “origem”, ao realismo estetizado, e a elementos e cenários do Cinema Novo, e que sustenta uma aposta utópica sem reservas, daí o tom de fábula encantatória do filme. O sertão surge aí como projeção de uma “dignidade” perdida e como a terra prometida de um inusitado êxodo, do litoral ao interior, uma espécie de “volta” dos fracassados e deserdados que não conseguiram sobreviver nas grandes cidades. Não uma volta desejada ou politizada, mas uma volta afetiva, levada pelas circunstâncias. O sertão torna-se território de conciliação e apaziguamento social, para onde o menino retorna – à cidadezinha urbanizada com suas casas populares – para se integrar a uma família de carpinteiros.

Outra fala que reitera a ideia de "retorno às origens" é de Giovanni Ottone, crítico italiano de cinema:

Uma obra magistral, densa de referências ao cinema brasileiro antecedente que já tratou o tema da migração, iluminada pela presença de uma grande atriz, Fernanda Montenegro, e que lembra o grande cinema neo-realista italiano. O sertão aqui é a meta de uma volta emotiva (em oposição à cidade), é a projeção romântica de uma dignidade perdida e torna-se a terra da pacificação e da reconciliação social (Josué, a geração jovem, reencontra as suas raízes e Dora, a geração velha, reencontra a ética e a humanidade).

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.