A Persistência da Memória de Salvador Dalí: análise do quadro


Laura Aidar
Revisão por Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

A Persistência da Memória é um quadro do pintor surrealista Salvador Dalí. A tela foi produzida em 1931 em menos de cinco horas e tem dimensões pequenas (24cm x 33cm).

Dalí estava indisposto para ir ao cinema com a sua mulher e os amigos e, nesse tempo que ficou em casa, pintou um dos quadros mais famosos da história da arte.

A obra, feita com a técnica de óleo sobre tela, está exposta no Museu de Arte Moderna (MoMa), em Nova York, desde 1934.

Quadro Persistência da Memória de Salvador Dali
Salvador Dalí: A persistência da memória, 1931. Kumachenkova/Shutterstock.com

Interpretação e significado de A Persistência da Memória

As obras de cunho surrealista dão margem a várias interpretações já que são carregadas de simbolismos e possuem poucas representações diretas da realidade. A Persistência da Memória traz uma mensagem relacionada à temporalidade e a memória.

Por meio do método “paranoico-crítico”, desenvolvido pelo artista com base em teorias da psicanálise, Dalí cria situações que exploram o inconsciente e a fantasia, colocando objetos em cenários insólitos, incomuns. Assim, o artista ressignifica os elementos, trazendo conceitos diversos.

Os relógios "derretidos"

Relógios derretidos (detalhe).

Os relógios que se derretem representam um tempo que passa de forma diferente. Ao contrário dos relógios normais, que marcam com precisão a passagem dos segundos, estes relógios de Dalí possuem marcações distintas, pois os seus ponteiros estão derretidos e trazem uma noção distorcida dos segundos.

Quando olhamos para os relógios, reconhecemos este objeto, porém, ele nos causa estranheza, pois está destituído do seu formato e uso convencionais. Essa estranheza gera uma reflexão sobre o próprio objeto e a sua função.

Há ainda a interpretação dos relógios derretidos estarem relacionados à impotência sexual, assunto abordado em outros trabalhos do artista. Por meio da consistência do objeto, nesse caso flácido, Dalí cria um elo entre a sexualidade e o tempo.

Conheça também: Obras instigantes do surrealismo.

As formigas no relógio

Formigas no relógio (detalhe).

O único relógio que não está deformado é o que está virado para baixo e tem formigas sobre ele. Salvador Dalí não gostava muito de formigas e esses insetos estão relacionados à putrefação nas suas obras.

Isso mostra como o objeto cotidiano é desprezado por Dalí e pela vanguarda surrealista. Muitos acreditavam que a arte representativa estava decadente e que a fotografia havia tomado o lugar de uma pintura realista.

A saída encontrada foi deslocar o objeto, deformá-lo, buscar modos novos de representá-lo. Esse recurso, além de ser outra forma de representar o objeto, promove a meditação e a reflexão sobre coisas que passam despercebidas no nosso cotidiano.

O relógio é um objeto banal que todos já vimos e provavelmente usamos. Geralmente não prestamos muita atenção nele, mesmo que seja responsável por marcar, dar o passo do nosso dia e dos nossos compromissos.

Quando Dalí transfigura o relógio, ele nos faz perceber como esse pequeno objeto tem uma importância tão grande em nossa vida.

A mosca sobre o relógio

Mosca sobre o relógio (detalhe).

A mosca que aparece pousada sobre um dos relógios é mais uma confirmação de que o artista trata a questão do tempo nessa obra.

O inseto simboliza a passagem dos ciclos e nos lembra que “o tempo voa”, ainda que de forma variável para cada indivíduo.

A árvore seca

Árvore seca (detalhe).

A árvore exibida na tela surge como uma estrutura de sustentação de um dos relógios escorridos. Esse elemento simboliza uma oliveira, árvore muito comum na Catalunha, terra natal de Salvador Dalí.

O artista escolheu retratá-la como uma maneira de afirmar novamente (além da paisagem ao fundo) suas origens.

O fato do tronco estar ressecado, sem uma folha verde sequer, nos faz pensar mais uma vez nos ciclos da natureza, e por consequência no tempo e na vida.

Caricatura do pintor

Caricatura do pintor (detalhe).

A noção subjetiva do tempo é explorada por Dalí neste quadro. A própria figura do pintor aparece dormindo em baixo de um relógio derretido. O lugar do sonho, da vigília, é também um lugar onde a temporalidade assume outras realidades.

O tempo do quadro A Persistência da Memória não é o tempo real, e sim o tempo do inconsciente. Sabe-se que Dalí foi influenciado por algumas das teorias da psicanálise de Freud, segundo o qual "o sonho é a estrada real que conduz ao inconsciente".

A busca de Dalí pelo inconsciente está refletida no quadro pela sua caricatura que dorme. A temporalidade está em outro plano.

Nessa figura podemos ver também que o artista é retratado de maneira disforme, como um corpo amorfo com grandes cílios.

Nota-se ainda um elemento orgânico próximo ao nariz, o que pode ser interpretado como uma língua, trazendo a sensação de que o próprio corpo está reconfigurado, como é próprio do universo dos sonhos.

A paisagem e o resto do real

Paisagem e resto do real (detalhe).

Em meio a todas as figurações e representações surreais, o quadro de Salvador Dalí nos apresenta ao fundo uma paisagem. Este horizonte era a vista de sua casa em Barcelona.

É a estrada do real, o que resta da realidade neste quadro que retrata o ambiente onírico, ou seja, aquele que experimentamos enquanto sonhamos.

A paleta de cores utilizada foi escolhida de forma a nos levar a uma paisagem árida. Com tons de ocre e marrons na maior parte da tela, somos transportados a uma natureza seca e infértil.

A obra também leva ao questionamento metalinguístico. Como a arte pode fazer parte da memória e não ser esquecida? E como isso leva o sujeito que produz a obra a procurar um pouco da imortalidade em seus quadros?

Outras reflexões sobre A persistência da Memória

A Persistência da Memória é uma visão subjetiva da temporalidade e das suas implicações, seja na obra de arte ou nas lembranças. É também uma homenagem ao tempo interior e inconsciente, que tem sua própria forma de ser contado e que foge à racionalidade.

O inconsciente é matéria essencial para Salvador Dalí e sua atemporalidade está expressa na obra com o uso de relógios que derretem ao serem expostos à persistência da memória.

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O que foi o surrealismo?

O surrealismo é uma escola artística que nasce na literatura e que prega uma grande liberdade na criação. Os artistas procuravam se afastar do formalismo e buscar no inconsciente, no que foge à realidade, a sua matéria-prima.

O termo surrealismo foi cunhado por André Breton e se encontra no contexto dos movimentos modernistas europeus. Com forte influência das teorias psicanalíticas de Freud, o surrealismo tenta se afastar da lógica e da razão nas produções artísticas.

O resultado é uma arte simbólica, cheia de elementos que saem da racionalidade, despindo objetos cotidianos da sua lógica convencional.

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Laura Aidar
Revisão por Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.