Quadro A Ronda Noturna, de Rembrandt


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Pintado em 1642, o quadro A Ronda Noturna, criado pelo holandês Rembrandt van Rijn (1606-1669), é um dos trabalhos mais celebrados da pintura Ocidental.

Na tela vemos um grupo de militares com destaque para o líder, o capitão Frans Banning Cocq . O quadro sombrio é um ícone do século XVII e pertence ao Barroco holandês.

A Ronda Noturna

Análise do quadro A Ronda Noturna

Sobre a criação do quadro

A tela produzida por Rembrandt foi uma encomenda da Corporação de Arcabuzeiros de Amsterdã para decorar a sede da companhia. Pintada ao longo de poucos anos (Rembrandt recebeu a encomenda em 1639), o trabalho foi encerrado em 1642.

A Ronda Noturna é um retrato de grupo de milícia com todos os integrantes vestidos de gala. Os grupos de milícia naquela época serviam para defender a cidade (no caso, Amsterdã). Além das funções militares, os homens participavam de paradas, procissões e simbolizavam o orgulho cívico da região.

Todos os membros pintados eram considerados cidadãos de elite de Amsterdã. Era um prestígio social e político fazer parte da milícia local e quem queria pertencer ao grupo precisava receber 600 florins ao ano e aceitar não frequentar tavernas e bordéis. Os privilegiados tinham que inclusive pagar uma taxa anual para permanecerem na "associação".

No quadro, o protagonista (o Capitão Frans Banninck Cocq) está dando uma ordem para o seu tenente orientando a milícia a seguir em frente. O grupo desordenado de milicianos está pintado como se estivesse indo para uma batalha (apesar de, na verdade, registros históricos sugerirem que eles estavam apenas indo para um desfile pelas ruas da cidade ao meio-dia).

Ninguém antes de Rembrandt havia feito um retrato de grupo em movimento, em pleno "serviço" (repare como o pintor holandês registra até a fumaça de uma das espingardas).

Detalhe do quadro
Detalhe da arma no quadro

Características do Barroco

Vale destacar aqui a teatralidade e o drama presentes nas figuras pintadas, especialmente devido ao jogo de luz e sombra.

As linhas diagonais também são características do Barroco, na tela de Rembrandt elas são conseguidas pelo efeito das lanças e armas levantadas.

O quadro também apresenta uma consistente noção de profundidade: os personagens aparecem em camadas diferentes de acordo com a distância em que estão.

Outra característica importante é o fato da pintura ser um registro da sua época. Um dos elementos que denuncia o período histórico é a presença de um arcabuz (uma arma precursora do rifle), que é carregada por um senhor trajado de vermelho do lado esquerdo da imagem.

A Ronda Noturna, um quadro inovador

Apesar de se tratar de um retrato de grupo, Rembrandt foi inovador ao não pintar os personagens em posições estáticas e sim em ação, com uma postura dinâmica.

Os retratos de grupo da época seguiam duas diretrizes básicas: precisavam ser fiéis aos retratados e deixar claras as hierarquias sociais. O pintor holandês em A Ronda Noturna cumpre esses dois requisitos e reinventa tantos outros.

Na tela múltiplas ações ocorrem ao mesmo tempo: um sujeito ao fundo do quadro ergue a bandeira da milícia, no canto direito um homem toca tambor, vários membros do grupo preparam as suas armas enquanto um cão aparece latindo na lateral direita inferior do quadro.

A luz aparece dispersa, não uniforme (ao contrário dos outros retratos de grupo habituais da época). A luz sublinha a hierarquia dos oficiais presentes no quadro: os personagens da frente, mais iluminados, seriam os mais importantes.

Ao longo dos anos foi levantada a dúvida se os protagonistas teriam pago a mais para receber maior destaque. Ainda não parece ter se chegado a nenhuma conclusão sobre a questão, de toda forma, sabe-se que cada um dos dezoito participantes pagou ao pintor para ser retratado.

Destaques do quadro A Ronda Noturna

A Ronda Noturna

1. Capitão Frans Banninck Cocq

O capitão olha o espectador de frente. Frans Banninck Cocq era prefeito de Amsterdã e representante da liderança protestante holandesa. A luz presente no quadro de Rembrandt enfatiza a sua importância e o seu protagonismo. Uma curiosidade: a mão do capitão tem a sombra projetada na roupa do tenente.

2. Tenente Willem van Ruytenburgh

O tenente aparece de perfil atento às ordens dadas pelo capitão. Ele representa os católicos holandeses e é o intermediário entre o capitão e o resto dos milicianos.

3. As meninas

Observa-se na tela duas meninas bastante iluminadas correndo. A de trás quase não é percebida, vemos apenas o seu vulto. A da frente, por sua vez, era uma espécie de mascote do grupo. Ela carrega uma galinha morta pendurada na cintura através de um cinto e uma arma (ambos símbolos da companhia).

Apesar de se ter as dimensões de uma criança, a menina carrega um rosto de mulher adulta. A esposa do pintor, Saskia, faleceu no ano em que A Ronda da Noite foi finalizada e alguns historiadores da arte apontam que se trata da sua face presente no rosto da menina.

4. Escudo

O escudo foi acrescentado à pintura tempos depois para deixar registrado quem eram os homens representados.

5. Alferes

O alferes ao fundo da tela carrega a bandeira do grupo de milicianos.

6. Rembrandt

Muitos historiadores da arte suspeitam que o homem de boina que aparece rapidamente ao fundo da imagem seria o próprio pintor Rembrandt que se representou na tela ao lado dos milicianos.

Corte do quadro

Em 1715, a pintura original foi cortada (aparada) dos quatro lados para caber em um espaço destinado a ela no edifício da Câmara Municipal de Amsterdã.

Esse corte fez com que fossem eliminados da tela dois personagens. Observe abaixo a tela original, antes do corte:

Quadro A Ronda Noturna antes de ser cortado.
Quadro A Ronda Noturna antes de ser cortado em 1715.

Só temos atualmente conhecimento da imagem real, na íntegra, porque o capitão Frans Banninck Cocq encomendou outras duas cópias do quadro que permaneceram intactas.

Mudança do nome do quadro

O nome original da tela que hoje conhecemos como A Ronda Noturna era A Companhia de Frans Banning Cocq e de Willem van Ruytenburch.

Só muito mais tarde, entre o século XVIII e o XIX, a peça virou A Ronda Noturna graças ao fundo da tela que se encontrava muito escurecido dando ideia de que se tratava de uma paisagem noturna (apesar da imagem ser diurna e retratar uma parada acontecida ao meio-dia).

Depois de uma restauração o verniz escurecido foi retirado e pode-se observar melhor o quadro.

Atentados ao quadro

Em 1911 um sapateiro desempregado golpeou o quadro como forma de protesto.

Em setembro de 1975 um homem atacou a tela com uma faca de pão provocando sérios danos à pintura. Durante o atentado ele dizia que "o fez pelo Senhor". Os seguranças do museu tentaram conte-lo, mas a tela foi danificada. Esse foi o segundo atentado sofrido pelo quadro.

Um terceiro atentado aconteceu em 1990, quando um homem atirou ácido sobre o quadro.

Após cada um desses trágicos eventos A Ronda Noturna foi restaurada.

A premiação do visitante 10.000.000

Em 2017 o Museu Rijksmuseum resolveu lançar uma campanha para celebrar a sua reabertura. A ideia era premiar o visitante número 10.000.000 e o sortudo ganharia uma noite com o quadro A Ronda Noturna.

O vencedor foi Stefan Kasper, um professor e artista que passou a noite em uma cama em frente ao quadro.

Confira mais sobre essa campanha inovadora:

Informações práticas

Nome original do quadro A Companhia de Frans Banning Cocq e de Willem van Ruytenburch
Ano de criação 1642
Técnica Óleo sobre tela
Dimensões 3,63 metros por 4,37 metros (peso 337 quilos)
Onde está localizado o quadro? Museu Rijksmuseum, em Amsterdã (na Holanda)

Conheça também

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).