Conheça 15 obras instigantes do surrealismo


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

O surrealismo é um dos movimentos artísticos que mais produziu obras instigantes e enigmáticas, cheias de significados a serem descobertos.

Ele fez parte das vanguardas europeias, que foram vertentes ocorridas na Europa no início do século XX e que buscavam reformular a maneira de produzir e apreciar a arte.

Nesse contexto, surge o surrealismo, com um manifesto em 1924. A vertente valorizava o pensamento livre e espontâneo a fim de criar cenas inusitadas, irreais e fantasiosas. Confira a seguir, algumas dessas obras e entenda o que elas significam.

1. Persistência da memória - Salvador Dalí

persitência da memória

Persistência da memória é uma tela feita em 1931 pelo pintor catalão Salvador Dalí. Conta-se que foi criada depois de o artista se satisfazer comendo queijo camembert e ficar indisposto trabalhando em casa.

Nesse trabalho, o artista expõe uma paisagem típica da Catalunha e uma oliveira seca, árvore muito presente na região. Há também a presença de relógios disformes e derretidos, assim como o corpo prostrado que se encontra no chão.

Os relógios derretido seriam para Dalí uma simbologia da flacidez e impotência sexual, bem como de uma noção imprecisa da passagem do tempo. Um deles tem uma mosca pousada em cima como referência de que "o tempo voa".

O único relógio rígido que aparece na obra está virado para baixo e tem diversas formigas que se amontoam sobre ele numa alusão a um estado de putrefação, onde o objeto, que simboliza o tempo, é devorado como carniça.

Leita também: A persistência da memória: análise da obra de Salvador Dalí

2. Os amantes - René Magritte

os amantes

René Magritte é o autor da obra Os amantes, produzida em 1928.

Na tela, vemos um homem e uma mulher se beijando, entretanto, eles têm suas cabeças envoltas por véus. Essa obra é intrigante pois escancara a contradição entre um ato de intimidade e a impossibilidade de contato.

Podemos interpretar a cena de diversas maneiras, em que o véu pode simbolizar a superficialidade nas relações, a incapacidade de se mostrar por completo ao parceiro(a) e a ausência de conexão sentimental ou sexual entre os casais.

É uma alegoria sobre desejos frustrados e a sensação de isolamento que pode surgir mesmo dentro de uma relação amorosa.

Interessante observar que essas reflexões se estendem à atualidade e até mesmo se aprofundam, em tempos de uma "modernidade líquida", como define o pensador polonês Zygmunt Bauman (1925 - 2017).

Magritte utilizou esse recurso de esconder os rostos dos personagens em várias de suas telas. O pintor valorizava muito uma atmosfera de mistério e propunha questionamentos profundos em seus trabalhos.

Para saber sobre outras obras do pintor, leia: Obras para compreender René Magritte.

3. Um cão andaluz - Salvador Dalí e Luis Buñuel

Quando fala-se em obras surrealistas, normalmente se pensa nas artes plásticas, principalmente na pintura. Entretanto, essa corrente influenciou também a produção de outras linguagens, como o cinema.

Um cão andaluz é uma dessas manifestações cinematográficas e se tornou ícone do surrealismo. Concebida em 1929 por Salvador Dalí e Luis Buñuel, o filme traz uma narrativa totalmente inovadora para a época.

Na história não há continuidade cronológica ou lógica dos acontecimentos e há referência clara a conceitos da psicanálise de Freud e ao universo onírico.

O filme é mudo e mostra um personagem realizando ações inimagináveis, como na célebre passagem em que corta o globo ocular de uma mulher com uma navalha.

Toda a narrativa é recheada de absurdos, que podem ser interpretados como um passeio no interior da mente humana, revelando os impulsos violentos, perturbadores e irracionais contidos no inconsciente.

4. Café-da-manhã em pele - Meret Oppenheim

obra surrealista

Café da manhã em pele, da artista suíça Meret Oppenheim, foi feito em 1936, quando a artista tinha somente 23 anos.

O trabalho consiste em um jogo de chá com pires, colher e xícara revestidos por pele de gazela.

Essa obra é curiosa e causa estranhamento, pois desafia o pensamento e os sentidos, na medida em que sugere uma associação entre um objeto do cotidiano, usado em contato com a boca, e a impossibilidade de uso do mesmo.

Ao observar esse conjunto inusitado de chá, ocorre no espectador um misto de curiosidade e repulsa, nojo e atração, quase como se pudéssemos sentir a textura da pele de animal na língua.

A artista ficou conhecida pela criação de diversos objetos que instigam e provocam surpresa, assombro e contradições, bem ao estilo surrealista.

5. O veado ferido - Frida Kahlo

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A produção da mexicana Frida Kahlo é marcada por cenas misteriosas e cheias de pormenores que carregam significados intensos e autobiográficos.

O veado ferido, de 1946 é um desses trabalhos. Nele, a artista expõe toda a sua vulnerabilidade e tenta expurgar sentimentos de sofrimento frente à condição precária de saúde e aos conflitos no casamento com o também pintor, Diego Rivera.

Aqui, Frida aparece na forma de um veado em meio à floresta. O animal tem nove flechas que perfuram seu corpo, enquanto sua feição permanece plácida e altiva, em claro sinal de resiliência.

Pode-se fazer também um paralelo entre o corpo flechado do animal com a passagem bíblica em que São Sebastião é amarrado em uma árvore e gravemente ferido por flechas.

Apesar da obra de Frida Kahlo ser frequentemente associada ao movimento surrealista e de ter sido exposta uma vez em uma mostra junto com pintores da vertente, ela negava que fosse de fato surrealista.

A verdade é que suas intrigantes telas expressam seu universo mais íntimo.

Leita também esse artigo que preparamos sobre a artista mexicana: As obras mais deslumbrantes de Frida Kahlo.

6. O carnaval de Arlequim - Joan Miró

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Em 1924, Joan Miró produziu a tela O carnaval de Arlequim. A obra é composta por muitos elementos fantásticos que se interligam em uma profusão de cores.

O pintor dispôs seres de variados formados e tamanhos em um cômodo dividido ao meio por uma linha que delimita o chão da parede. Do lado direito, vemos também uma janela, onde é possível observar o sol e uma construção, que seria a Torre Eiffel.

O arlequim se apresenta com um enorme bigode e corpo de viola. Outra figura de destaque é uma espécie de robô que aparece tocando instrumento.

A cena representa o mundo pessoal e imaginativo do pintor, que a produziu baseada em seus delírios provocados pela fome em seus momentos de maior dificuldade financeira.

7. A caçadora de estrelas - Remedios Varo

remedios varo

Remedios Varo foi uma mulher importante na cena surrealista. A pintora nasceu na Catalunha, na Espanha, mas mudou-se para França e lá teve contato com artistas do surrealismo, sendo influenciada por eles. Mais tarde fixou residência no México e por lá ficou.

Sua obra é carregada de símbolos e elementos oníricos que transitam em um universo fantasioso e mágico.

Em A caçadora de estrelas, de 1956, Remedios exibe em sua obra uma figura feminina que carrega em uma das mãos uma gaiola com uma lua dentro. Na outra mão tem uma rede de caçadora.

A roupa que essa personagem ostenta é como um grande manto luminoso feito de cosmos e estrelas. Há ainda uma abertura na altura do peito, sugerindo um buraco negro ou mesmo uma vulva.

8. A traição das imagens - René Magritte

a traição das imagens

O quadro A traição das imagens foi pintado em 1929 pelo artista belga René Magritte. Nessa tela, o artista surrealista expõe a figura de um cachimbo e insere uma espécie de legenda onde se lê “Isto não é um cachimbo”.

A ideia do pintor foi tornar evidente a diferenciação entre a representação e a realidade. Ao dizer que a figura do cachimbo não é um cachimbo, Magritte brinca com a palavra e a imagem, fazendo um jogo visual cheio de ironia.

9. O Filho do Homem - Rene Magritte

o filho do homem magritte

O filho do homem foi pintado também pelo artista René Magritte. A tela, que data de 1964, foi concebida inicialmente como um autorretrato. Entretanto, posteriormente, o pintor incluiu outros elementos.

A maçã verde que paira em frente ao rosto do homem nos traz uma atmosfera irreal e fantasiosa. Aliás, o cenário, por mais comum que parece, também carrega algo de sombrio.

Um detalhe pouco perceptível em um primeiro momento é o braço esquerdo do indivíduo, que está representado como se estivesse de costas, como pode-se perceber através da dobra no cotovelo.

Essa é umas obras icônicas de Magritte, que certa vez comentou:

Pelo menos ela esconde o rosto parcialmente. Bem, então você tem a face aparente, a maçã, escondendo o visível, mas oculto, o real rosto da pessoa. É algo que acontece constantemente. Tudo o que vemos esconde outra coisa, e nós sempre queremos ver o que está escondido, pelo que vemos.

10. Abaporu - Tarsila do Amaral

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No Brasil, o movimento surrealista também se manifesta, inspirando e instigando artistas brasileiros e público. Uma das obras com inspiração do movimento é a famosa tela modernista Abaporu, pintada por Tarsila do Amaral em 1928.

Aqui, vemos uma figura humana de proporções distorcidas em meio a um cenário árido e quente. A representação de mãos e pés enormes se dá, pois, a artista buscava a valorização do trabalho braçal e a ligação do povo brasileiro com a terra.

O quadro tornou-se referência na história da arte brasileira, sendo um ícone de brasilidade.

11. As duas Fridas - Frida Kahlo

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Frida Kahlo foi uma pintora mexicana que usou muitos elementos autobiográficos em seus trabalhos, trazendo um universo fantástico e simbólico em suas telas.

Na tela As duas Fridas, de 1939, podemos notar a presença desse cenário surrealista. Aqui, vemos dois autorretratos da pintora. São duas mulheres sentadas uma ao lado da outra e de mãos dadas.

Uma das “Fridas” veste um traje típico mexicano, remetendo às suas raízes; a outra, usa um vestido rendado, fazendo referência à Europa e a influência que o continente exerceu sobre ela.

Elas estão conectadas pelos seus corações, sendo que a “Frida mexicana” segura um pequeno retrato de Diego Rivera, seu marido, de quem havia se separado na ocasião.

As nuvens ao fundo revelam uma atmosfera sombria e catastrófica, enquanto as pernas abertas de uma das mulheres faz uma alusão à sua sexualidade. Atualmente, esse trabalho encontra-se no Museu de Arte Moderna da Cidade do México.

12. O impossível - Maria Martins

o impossível obra surrealista

Uma artista brasileira que flertou com o surrealismo foi a escultora Maria Martins (1894-1973).

Em sua obra O impossível, finalizada em 1949, ela explora a noção de desejo e incompletude através duas figuras que quase se tocam, mas, por conta de suas garras, se repelem.

A artista, apesar de não ser tão conhecida atualmente, foi uma mulher muito importante para a arte no Brasil, colaborando intensamente para a elaboração da Fundação Bienal e suas primeiras edições.

Além disso, era dona de um trabalho forte e instigante, onde questiona e revela aspectos da sexualidade feminina, entre outras questões pertinentes à mulher.

13. In Voluptas Mors, Philippe Halsman

fotografia surrealista

A fotografia surrealista em questão foi um trabalho conjunto entre Philippe Halsman e Salvador Dalí, exibido em 1949.

No fim da década de 40, os dois artistas iniciaram uma série de trabalhos fotográficos, nos quais os elementos eram organizados de forma a criar imagens insólitas e curiosas.

In Voluptas Mors, que em tradução para o português fica “no prazer há morte” é uma dessas imagens, na qual a figura de uma caveira macabra é formada a partir dos corpos de mulheres nuas.

Dalí aparece também na cena, exibindo uma expressão de espanto com o olhar fixo. A fotografia teve muito reconhecimento e inspirou outros artistas.

Um exemplo é o cartaz do filme O silêncio dos inocentes (1991), que mostra a fotografia de uma mulher com a uma borboleta em frente a sua boca, dentro da borboleta se vê uma imagem de caveira feita de mulheres nuas.

14. A face da guerra - Salvador Dalí

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A obra A face da Guerra foi pintada no final de 1940 pelo artista catalão Salvador Dalí. Nessa época a Europa vivia os horrores da Segunda Guerra Mundial e a Espanha (país de origem do pintor) colhia os frutos amargos da Guerra Civil Espanhola.

Salvador Dalí estava passando uma temporada nos EUA quando concebeu o quadro. Nele, vemos a figura de um rosto apavorado, de dentro dos seus olhos e boca existem caveiras e de dentro dos orifícios dessas caveiras podemos ver mais crânios.

Foi dessa forma que o artista conseguiu exprimir a “lógica” da guerra, que produz destruição e morte continuamente. Há ainda serpentes rodeando a face, em sinal de terror e medo.

A obra pode ser vista atualmente no Museu Boijmans Van Beuningen, na Holanda.

15. Eu e a aldeia - Marc Chagall

eu a aldeia marc chagall

O artista russo Marc Chagall ficou conhecido pelas suas telas que exibem imagens fantasiosas, com pessoas flutuando e outros elementos incomuns em uma atmosfera extraordinária.

O ano ainda era 1911 e o manifesto surrealista só viria a ser elaborado em 1924, entretanto, Chagall já tinha produções que seguiam os preceitos do movimento, como é o caso de Eu e a aldeia, que também mescla influência cubista.

Na tela, a vida do pintor é representada de maneira a misturar elementos de seu passado no interior da Rússia, como a cabra, que aparece em primeiro plano e a pequena cidade ao fundo.

O homem verde representa o próprio artista e a moça de ponta cabeça nos mostra o mundo onírico de Chagall.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.