Conheça 13 obras instigantes do surrealismo


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

O surrealismo é um dos movimentos artísticos que mais produziu obras instigantes e enigmáticas, cheias de significados a serem descobertos.

Ele fez parte das vanguardas europeias, que foram vertentes ocorridas na Europa no início do século XX e que buscavam reformular a maneira de produzir e apreciar a arte.

Nesse contexto, surge o surrealismo, com um manifesto em 1924. A vertente valorizava o pensamento livre e espontâneo a fim de criar cenas inusitadas, irreais e fantasiosas. Confira a seguir, algumas dessas obras e entenda o que elas significam.

1. Persistência da memória - Salvador Dalí

Quadro Persistência da Memória, de Salvador Dalí, 1931.
Quadro A Persistência da Memória, de Salvador Dalí, 1931. Kumachenkova/Shutterstock.com

Persistência da memória é uma tela feita em 1931 pelo pintor catalão Salvador Dalí. Conta-se que foi criada depois de o artista se satisfazer comendo queijo camembert e ficar indisposto trabalhando em casa.

Nesse trabalho, o artista expõe uma paisagem típica da Catalunha e uma oliveira seca, árvore muito presente na região. Há também a presença de relógios disformes e derretidos, assim como o corpo prostrado que se encontra no chão.

Os relógios derretido seriam para Dalí uma simbologia da flacidez e impotência sexual, bem como de uma noção imprecisa da passagem do tempo. Um deles tem uma mosca pousada em cima como referência de que "o tempo voa".

O único relógio rígido que aparece na obra está virado para baixo e tem diversas formigas que se amontoam sobre ele numa alusão a um estado de putrefação, onde o objeto, que simboliza o tempo, é devorado como carniça.

Leita também: A persistência da memória: análise da obra de Salvador Dalí

2. Os amantes - René Magritte

Representação artistica da Obra Os amantes de Magrite. Um homem e uma mulher com panos cobrindo a cabeça se beijando.
Representação artística da ObraOs amantes (1928) de Magritte. Drop of Light/Shutterstock.com

René Magritte é o autor da obra Os amantes, produzida em 1928.

Na tela, vemos um homem e uma mulher se beijando, entretanto, eles têm suas cabeças envoltas por véus. Essa obra é intrigante pois escancara a contradição entre um ato de intimidade e a impossibilidade de contato.

Podemos interpretar a cena de diversas maneiras, em que o véu pode simbolizar a superficialidade nas relações, a incapacidade de se mostrar por completo ao parceiro(a) e a ausência de conexão sentimental ou sexual entre os casais.

É uma alegoria sobre desejos frustrados e a sensação de isolamento que pode surgir mesmo dentro de uma relação amorosa.

Interessante observar que essas reflexões se estendem à atualidade e até mesmo se aprofundam, em tempos de uma "modernidade líquida", como define o pensador polonês Zygmunt Bauman (1925 - 2017).

Magritte utilizou esse recurso de esconder os rostos dos personagens em várias de suas telas. O pintor valorizava muito uma atmosfera de mistério e propunha questionamentos profundos em seus trabalhos.

Para saber sobre outras obras do pintor, leia: Obras para compreender René Magritte.

3. Um cão andaluz - Salvador Dalí e Luis Buñuel

Quando fala-se em obras surrealistas, normalmente se pensa nas artes plásticas, principalmente na pintura. Entretanto, essa corrente influenciou também a produção de outras linguagens, como o cinema.

Um cão andaluz é uma dessas manifestações cinematográficas e se tornou ícone do surrealismo. Concebida em 1929 por Salvador Dalí e Luis Buñuel, o filme traz uma narrativa totalmente inovadora para a época.

Na história não há continuidade cronológica ou lógica dos acontecimentos e há referência clara a conceitos da psicanálise de Freud e ao universo onírico.

O filme é mudo e mostra um personagem realizando ações inimagináveis, como na célebre passagem em que corta o globo ocular de uma mulher com uma navalha.

Toda a narrativa é recheada de absurdos, que podem ser interpretados como um passeio no interior da mente humana, revelando os impulsos violentos, perturbadores e irracionais contidos no inconsciente.

4. Café-da-manhã em pele - Meret Oppenheim

obra surrealista
Café da manhã em pele, da artista suíça Meret Oppenheim, foi feito em 1936, quando a artista tinha somente 23 anos.

O trabalho consiste em um jogo de chá com pires, colher e xícara revestidos por pele de gazela.

Essa obra é curiosa e causa estranhamento, pois desafia o pensamento e os sentidos, na medida em que sugere uma associação entre um objeto do cotidiano, usado em contato com a boca, e a impossibilidade de uso do mesmo.

Ao observar esse conjunto inusitado de chá, ocorre no espectador um misto de curiosidade e repulsa, nojo e atração, quase como se pudéssemos sentir a textura da pele de animal na língua.

A artista ficou conhecida pela criação de diversos objetos que instigam e provocam surpresa, assombro e contradições, bem ao estilo surrealista.

5. O veado ferido - Frida Kahlo

o veado ferido frida kahlo

A produção da mexicana Frida Kahlo é marcada por cenas misteriosas e cheias de pormenores que carregam significados intensos e autobiográficos.

O veado ferido, de 1946 é um desses trabalhos. Nele, a artista expõe toda a sua vulnerabilidade e tenta expurgar sentimentos de sofrimento frente à condição precária de saúde e aos conflitos no casamento com o também pintor, Diego Rivera.

Aqui, Frida aparece na forma de um veado em meio à floresta. O animal tem nove flechas que perfuram seu corpo, enquanto sua feição permanece plácida e altiva, em claro sinal de resiliência.

Pode-se fazer também um paralelo entre o corpo flechado do animal com a passagem bíblica em que São Sebastião é amarrado em uma árvore e gravemente ferido por flechas.

Apesar da obra de Frida Kahlo ser frequentemente associada ao movimento surrealista e de ter sido exposta uma vez em uma mostra junto com pintores da vertente, ela negava que fosse de fato surrealista.

A verdade é que suas intrigantes telas expressam seu universo mais íntimo.

Leita também esse artigo que preparamos sobre a artista mexicana: As obras mais deslumbrantes de Frida Kahlo.

6. A traição das imagens - René Magritte

a traição das imagens
Milão, Itália - 27 de janeiro de 2018: Famosa pintura surrealista de Magritte em selo postal. Spatuletail/Shutterstock.com

O quadro A traição das imagens foi pintado em 1929 pelo artista belga René Magritte. Nessa tela, o artista surrealista expõe a figura de um cachimbo e insere uma espécie de legenda onde se lê “Isto não é um cachimbo”.

A ideia do pintor foi tornar evidente a diferenciação entre a representação e a realidade. Ao dizer que a figura do cachimbo não é um cachimbo, Magritte brinca com a palavra e a imagem, fazendo um jogo visual cheio de ironia.

7. O Filho do Homem - Rene Magritte

o filho do homem magritte
Milão, Itália - 17 de dezembro de 2020: O filho de um homem de René Magritte em selo postal. Spatuletail/Shutterstock.com

O filho do homem foi pintado também pelo artista René Magritte. A tela, que data de 1964, foi concebida inicialmente como um autorretrato. Entretanto, posteriormente, o pintor incluiu outros elementos.

A maçã verde que paira em frente ao rosto do homem nos traz uma atmosfera irreal e fantasiosa. Aliás, o cenário, por mais comum que parece, também carrega algo de sombrio.

Um detalhe pouco perceptível em um primeiro momento é o braço esquerdo do indivíduo, que está representado como se estivesse de costas, como pode-se perceber através da dobra no cotovelo.

Essa é umas obras icônicas de Magritte, que certa vez comentou:

Pelo menos ela esconde o rosto parcialmente. Bem, então você tem a face aparente, a maçã, escondendo o visível, mas oculto, o real rosto da pessoa. É algo que acontece constantemente. Tudo o que vemos esconde outra coisa, e nós sempre queremos ver o que está escondido, pelo que vemos.

8. Abaporu - Tarsila do Amaral

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No Brasil, o movimento surrealista também se manifesta, inspirando e instigando artistas brasileiros e público. Uma das obras com inspiração do movimento é a famosa tela modernista Abaporu, pintada por Tarsila do Amaral em 1928.

Aqui, vemos uma figura humana de proporções distorcidas em meio a um cenário árido e quente. A representação de mãos e pés enormes se dá, pois, a artista buscava a valorização do trabalho braçal e a ligação do povo brasileiro com a terra.

O quadro tornou-se referência na história da arte brasileira, sendo um ícone de brasilidade.

9. As duas Fridas - Frida Kahlo

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Frida Kahlo foi uma pintora mexicana que usou muitos elementos autobiográficos em seus trabalhos, trazendo um universo fantástico e simbólico em suas telas.

Na tela As duas Fridas, de 1939, podemos notar a presença desse cenário surrealista. Aqui, vemos dois autorretratos da pintora. São duas mulheres sentadas uma ao lado da outra e de mãos dadas.

Uma das “Fridas” veste um traje típico mexicano, remetendo às suas raízes; a outra, usa um vestido rendado, fazendo referência à Europa e a influência que o continente exerceu sobre ela.

Elas estão conectadas pelos seus corações, sendo que a “Frida mexicana” segura um pequeno retrato de Diego Rivera, seu marido, de quem havia se separado na ocasião.

As nuvens ao fundo revelam uma atmosfera sombria e catastrófica, enquanto as pernas abertas de uma das mulheres faz uma alusão à sua sexualidade. Atualmente, esse trabalho encontra-se no Museu de Arte Moderna da Cidade do México.

10. O impossível - Maria Martins

o impossível obra surrealista

Uma artista brasileira que flertou com o surrealismo foi a escultora Maria Martins (1894-1973).

Em sua obra O impossível, finalizada em 1949, ela explora a noção de desejo e incompletude através duas figuras que quase se tocam, mas, por conta de suas garras, se repelem.

A artista, apesar de não ser tão conhecida atualmente, foi uma mulher muito importante para a arte no Brasil, colaborando intensamente para a elaboração da Fundação Bienal e suas primeiras edições.

Além disso, era dona de um trabalho forte e instigante, onde questiona e revela aspectos da sexualidade feminina, entre outras questões pertinentes à mulher.

11. In Voluptas Mors, Philippe Halsman

fotografia surrealista

A fotografia surrealista em questão foi um trabalho conjunto entre Philippe Halsman e Salvador Dalí, exibido em 1949.

No fim da década de 40, os dois artistas iniciaram uma série de trabalhos fotográficos, nos quais os elementos eram organizados de forma a criar imagens insólitas e curiosas.

In Voluptas Mors, que em tradução para o português fica “no prazer há morte” é uma dessas imagens, na qual a figura de uma caveira macabra é formada a partir dos corpos de mulheres nuas.

Dalí aparece também na cena, exibindo uma expressão de espanto com o olhar fixo. A fotografia teve muito reconhecimento e inspirou outros artistas.

Um exemplo é o cartaz do filme O silêncio dos inocentes (1991), que mostra a fotografia de uma mulher com a uma borboleta em frente a sua boca, dentro da borboleta se vê uma imagem de caveira feita de mulheres nuas.

12. A face da guerra - Salvador Dalí

A face da guerra salvador dalí
Reprodução Interpretação da pintura Face of War de Salvador Dalí. Alinka2022/Shutterstock.com

A obra A face da Guerra foi pintada no final de 1940 pelo artista catalão Salvador Dalí. Nessa época a Europa vivia os horrores da Segunda Guerra Mundial e a Espanha (país de origem do pintor) colhia os frutos amargos da Guerra Civil Espanhola.

Salvador Dalí estava passando uma temporada nos EUA quando concebeu o quadro. Nele, vemos a figura de um rosto apavorado, de dentro dos seus olhos e boca existem caveiras e de dentro dos orifícios dessas caveiras podemos ver mais crânios.

Foi dessa forma que o artista conseguiu exprimir a “lógica” da guerra, que produz destruição e morte continuamente. Há ainda serpentes rodeando a face, em sinal de terror e medo.

A obra pode ser vista atualmente no Museu Boijmans Van Beuningen, na Holanda.

13. Eu e a aldeia - Marc Chagall

eu a aldeia marc chagall

O artista russo Marc Chagall ficou conhecido pelas suas telas que exibem imagens fantasiosas, com pessoas flutuando e outros elementos incomuns em uma atmosfera extraordinária.

O ano ainda era 1911 e o manifesto surrealista só viria a ser elaborado em 1924, entretanto, Chagall já tinha produções que seguiam os preceitos do movimento, como é o caso de Eu e a aldeia, que também mescla influência cubista.

Na tela, a vida do pintor é representada de maneira a misturar elementos de seu passado no interior da Rússia, como a cabra, que aparece em primeiro plano e a pequena cidade ao fundo.

O homem verde representa o próprio artista e a moça de ponta cabeça nos mostra o mundo onírico de Chagall.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.