Principais ideias e obras de Simone de Beauvoir (explicadas)


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Simone de Beauvoir (1908 — 1986) foi uma escritora, filósofa, ativista e teórica francesa que marcou amplamente o pensamento feminista e a luta pelos direitos das mulheres.

Parte da escola existencialista, o nome de Beauvoir se destacou sobretudo devido à sua produção literária que alcançou uma enorme popularidade.

O seu livro O Segundo Sexo, de 1949, se tornou uma obra basilar para a compreensão dos mecanismos de opressão empreendidos pela sociedade patriarcal.

Estudando o patriarcado, com o intuito de derrubar as suas estruturas mentais e sociais, a autora também desmontava estereótipos acerca do que significava, afinal, ser mulher.

Por tudo isto, Simone de Beauvoir se tornou uma referência fundamental nos estudos de gênero, tendo deixando um enorme legado para a libertação, o reconhecimento e o empoderamento das mulheres.

O Segundo Sexo (1949)

Dividido em dois volumes, O Segundo Sexo foi um importante tratado feminista, publicado por Simone de Beauvoir em 1949. No livro, a autora define "patriarcado", expondo de que modos o sistema machista reproduz a opressão das mulheres.

Entre estes mecanismos, a autora destaca o casamento e a maternidade, encarados como verdadeiras prisões impostas ao sexo feminino.

Capa do livro O Segundo Sexo.

Segundo Beauvoir, a visão masculina tentava definir o que era ser uma mulher, condicionando e prescrevendo os comportamentos que eram "próprios do gênero".

A autora destrói a falácia biológica, demonstrando que ninguém nasce, por exemplo, com predisposição para cumprir tarefas domésticas. Pelo contrário, essas noções associadas ao gênero partem de ficções e construções sociais de um sistema de dominação masculina.

Outro aspecto crucial do texto foi o fato de defender que os temas da esfera privada (relacionamentos íntimos e familiares, por exemplo) também eram questões políticas importantes que precisavam ser debatidas. Ou seja: "o privado é público".

Os Mandarins (1954)

Uma das obras mais célebres da autora, Os Mandarins é um romance passado na década de 50, na ressaca da Segunda Guerra Mundial.

A narrativa se foca em um grupo de intelectuais franceses que tentam perceber qual poderá ser o seu contributo face a um cenário político e social instável.

Capa do livro Os Mandarins, de Simone de Beauvoir.

Os personagens parecem ser baseados em figuras reais, que pertenciam ao círculo da autora, como Sartre, Albert Camus e Nelson Algren.

Além de discutir questões teóricas e morais, a história também conta episódios da vida destes intelectuais.

7 ideias de Simone de Beauvoir (explicados)

1. "Ninguém nasce mulher: torna-se mulher."

Esta é, sem dúvida, uma das frases mais icônicas da autora. Beauvoir se refere às normas e expectativas sociais que vão condicionando os comportamentos e as vidas das mulheres.

Estes papéis de gênero limitados são ideias que vamos aprendendo com o tempo, através da socialização num sistema patriarcal. Isso significa que as mulheres não nascem "formatadas" de uma certa maneira, nem predispostas para cumprir determinadas tarefas.

2. "Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Nossos vínculos com o mundo somos nós que os criamos. Que a liberdade seja a nossa própria substância."

A famosa passagem exprime o desejo de superação do sexo feminino, perante um sistema repressor.

Beauvoir defende que as relações sociais são definidas pelas interações dos indivíduos e que, por isso, os paradigmas podem / devem ser alterados, para que possamos viver com o máximo de liberdade.

3. "Querer ser livre é também querer livres os outros."

Aqui, a autora afirma a liberdade como valor máximo. Essencial para a experiência humana, precisamos lutar pela liberdade não só para nós mesmos, mas também para as outras pessoas, para a sociedade como um todo.

4. "É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta."

Para entender o excerto, precisamos relembrar a importância da entrada da mulher no mercado de trabalho. Se antes o sexo feminino estava limitado ao trabalho doméstico, não remunerado, começou a ganhar o seu próprio dinheiro quando pôde (ou precisou) trabalhar fora de casa.

Isto trouxe alguma autonomia financeira para as mulheres, algo fundamental para a sua liberdade e independência.

5. "As oportunidades do indivíduo não as definiremos em termos de felicidade, mas em termos de liberdade."

A teórica explica que as oportunidades que temos não estão relacionadas com o nosso nível de felicidade, mas com o fato de sermos, ou não, livres para tomar as nossas decisões e fazer as nossas próprias escolhas.

6. "Não são as pessoas que são responsáveis pelo falhanço do casamento, é a própria instituição que é pervertida desde a origem."

Beauvoir foi uma das autoras que pensou como, historicamente, a instituição do casamento teve um papel fulcral na opressão da mulher. Como uma espécie de propriedade que era "transferida" do pai para o marido, a mulher não tinha autonomia sobre si mesma.

7. "O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos."

Nesta passagem, Simone de Beauvoir fala de um tema bastante complexo: a forma como podemos contribuir para a própria opressão. Por serem condicionadas e manipuladas pelas normas patriarcais, algumas mulheres acabam reproduzindo estereótipos e discursos machistas.

Isso reforça a opressão do sexo feminino; daí ser tão importante o conceito de sororidade, a união e colaboração entre as mulheres.

Quem foi Simone de Beauvoir

Juventude e contexto social

Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir nasceu em Paris, no dia 9 de janeiro de 1908, sendo a primeira de duas filhas. Dois anos e meio depois nasceu a irmã mais nova, Hélène, que foi a sua grande companheira na infância.

Sua mãe, Françoise Brasseur, pertencia à alta burguesia e o pai, Georges Bertrand de Beauvoir, era um advogado que descendia da aristocracia. Mesmo assim, a família estava descapitalizada e o pai, que não escondia o desejo de ter tido descendentes homens, se preocupava com o futuro das filhas.

O patriarca acreditava que as garotas não poderiam casar, por não existir dinheiro para o dote, e por isso defendia que elas deveriam investir nos estudos. Na época, os dois destinos mais comuns para as mulheres eram o casamento ou a vida religiosa, mas Simone tinha outros planos.

Desde criança, a autora demonstrou paixão pelas letras e pela filosofia, não escondendo o seu cárater contestatário e repleto de opiniões. Durante muitos anos, Beauvoir frequentou escolas e colégios católicos onde aprendeu matemática, línguas e literatura, entre outras matérias.

Simone de Beauvoir e o existencialismo

Quando passou a frequentar a renomada Universidade de Sorbonne, cursando filosofia, Beauvoir começou a conviver com grandes intelectuais da época, podendo trocar ideias com mentes tão geniais quanto a sua.

Entre eles, se destaca Jean-Paul Sartre, nome maior do existencialismo, com quem Simone viveria um amor bastante singular para aquele tempo.

Em 1940, a teórica começa a pertencer a um círculo de filósofos e escritores que se serviam da literatura como veículo de uma ética existencialista.

O movimento se focava no indivíduo e nos mais diversos aspectos da sua experiência, ponderando a sua liberdade (e seus limites), assim como a responsabilidade sob si mesmo e as ações que pratica.

Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre

Foi no meio acadêmico, em 1929, que os caminhos de Beauvoir e Sartre se cruzaram. Mais que uma paixão ou um devaneio romântico, a ligação entre ambos também foi um encontro de mentes que pensavam e viam o mundo de formas semelhantes.

Dois estudantes e teóricos brilhantes, foram desenvolvendo os seus trabalhos filosóficos, debatendo ideias e servindo de "braço direito" um do outro. Quando se candidataram a um importante concurso para recrutar professores, o Agrégation, Sartre ficou em primeiro lugar.

Retrato de Simone de Beauvoir e Sartre.

Beauvoir quebrou barreiras e ficou colocada na segunda posição, sendo uma das primeiras mulheres, e a pessoa mais jovem de sempre, a vencer aquele concurso. Assim, a partir de 1931, a filósofa também começou a ser professora, tendo ensinado em vários estabelecimentos.

Sartre e Beauvoir partilharam grande parte da sua vida, seguindo um modelo relacional pouco comum na época. Recusando o casamento e os padrões de comportamento impostos pela sociedade, eles viviam uma relação não-monogâmica e tinham amantes, algo que todos sabiam.

O casal de intelectuais (extremamente famosos e respeitados), acabou fazendo história, passando a ser encarado como sinônimo de um amor libertário, sem amarras nem proibições.

Beauvoir e Sartre em 1955.

No entanto, esta estava longe de ser a única controvérsia que envolvia os filósofos. Juntamente com Foucault, eles assinaram o questionável manifesto A Idade da Razão, defendendo a ausência de uma idade mínima de consentimento para relações íntimas.

Essa informação se torna ainda mais sinistra ao descobrirmos que, anos mais tarde, várias alunas de Beauvoir vieram contar publicamente que se envolveram com a teórica e com o seu companheiro, quando ainda eram adolescentes.

Simone de Beauvoir e o feminismo

Atualmente, são inúmeros os movimentos, as perspectivas e as vozes distintas que existem dentro da luta feminista. No entanto, para que as agitações sociais pelos direitos das mulheres pudessem avançar, incontáveis teóricas e ativistas trabalharam arduamente.

Entre estas figuras históricas que refletiram, teorizaram e escreveram para denunciar o sistema machista, Beauvoir foi uma das principais, tendo influenciado e impactado o mundo como o conhecemos.

Com a publicação de O Segundo Sexo (1949), a teórica foi uma das grandes impulsionadoras da segunda onda do feminismo, gerada nos Estados Unidos da América, na década de 60.

Entre várias reflexões sobre a sociedade e o gênero (que exploraremos mais adiante), Beauvoir chamou a atenção para o modo como o mundo era observado e explicado através do olhar masculino. A mulher sempre é colocada numa posição de alteridade (vista como "o outro"):

A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo.

O final da sua vida

Beauvoir seguiu escrevendo sobre diversos temas, incluindo textos autobiográficos e obras sobre a velhice e a morte. Em 1980, Sartre faleceu em Paris, deixando para trás a sua companheira de mais de 50 anos.

Em A Cerimônia do Adeus, livro publicado no ano seguinte, a escritora relembra os últimos momentos que os dois passaram juntos.

Túmulo de Beauvoir e Sartre.

Poucos anos depois, no dia 14 de abril de 1986, Simone de Beauvoir morreu na sequência de uma pneumonia. O casal ficou eternamente junto, sepultado no mesmo túmulo, no Cemitério de Montparnasse.

Retrato de Simone de Beauvoir

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.