8 poemas para celebrar a força das mulheres (explicados)


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

A poesia tem o poder de transmitir emoções e proporcionar reflexões sobre diversos assuntos, por diversas abordagens.

Por muito tempo, as mulheres foram retratadas na literatura e nas artes como objeto de observação do olhar masculino, muitas vezes com destaque a seus atributos físicos e a uma personalidade dita "feminina".

Mas há também poemas inspiradores (feitos especialmente por mulheres) que exibem toda a força, potência criadora e resistência das mulheres. Assim, selecionamos alguns que podem ser lidos tanto no dia da mulher quanto em qualquer outro dia do ano.

1. Conselhos para a mulher forte - Gioconda Belli

Se és uma mulher forte
te protejas das hordas que desejarão almoçar teu coração.
Elas usam todos os disfarces dos carnavais da terra:
se vestem como culpas, como oportunidades, como preços que se precisa pagar.

Te cutucam a alma; metem o aço de seus olhares ou de seus prantos
até o mais profundo do magma de tua essência não para alumbrar-se com teu fogo senão para apagar a paixão a erudição de tuas fantasias.

Se és uma mulher forte
tens que saber que o ar que te nutre carrega também parasitas, varejeiras, miúdos insetos que buscarão se alojar em teu sangue
e se nutrir do quanto é sólido e grande em ti.
Não percas a compaixão, mas teme tudo que te conduz
a negar-te a palavra, a esconder quem és, tudo que te obrigue a abrandar-se e te prometa um reino terrestre em troca de um sorriso complacente.

Se és uma mulher forte
prepara-te para a batalha:
aprende a estar sozinha
a dormir na mais absoluta escuridão sem medo
que ninguém te lance cordas quando rugir a tormenta
a nadar contra a corrente.
Treine-se nos ofícios da reflexão e do intelecto.
Lê, faz o amor a ti mesma, constrói teu castelo o rodeia de fossos profundos mas lhe faça amplas portas e janelas.
É fundamental que cultives enormes amizades que os que te rodeiam e queiram saibam o que és
que te faças um círculo de fogueiras e acendas no centro de tua habitação uma estufa sempre ardente de onde se mantenha o fervor de teus sonhos.

Se és uma mulher forte
se proteja com palavras e árvores
e invoca a memória de mulheres antigas.
Saberás que és um campo magnético até onde viajarão uivando os pregos enferrujados
e o óxido mortal de todos os naufrágios.

Ampara, mas te ampara primeiro.
Guarda as distâncias.
Te constrói. Te cuida.
Entesoura teu poder.
O defenda.
O faça por você.
Te peço em nome de todas nós.

A reconhecida poetisa e romancista Giconda Belli nasceu na Nicarágua em 1948. Com uma escrita potente e feminista, revolucionou a linguagem poética ao trazer a figura feminina de maneira aguerrida e contundente.

Em Conselhos para a mulher forte, um dos mais famosos textos da escritora, ela apresenta conselhos e caminhos para que outras mulheres se fortaleçam, sempre lembrando da sabedoria das que vieram antes e buscando no âmago a resistência necessária para seguir, mesmo diante dos obstáculos.

2. Eu-Mulher - Conceição Evaristo

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.

A mineira Conceição Evaristo nasceu em 1946 e se tornou uma das maiores poetas negras da atualidade no Brasil. Com textos cheios de lirismo, a autora evoca a memória coletiva através de suas vivências e faz um convite à celebração das mulheres.

Eu-mulher apresenta o vigor feminino e seu caráter sagrado através de belas imagens que falam sobre ciclos, fluidos, gestações e nascimentos.

3. Com licença poética - Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

O poema em questão faz parte de Bagagem, primeiro livro da escritora, publicado em 1976. Nascida em Minas Gerais em 1935, Adélia desenvolveu uma escrita com tom coloquial, que mostra muito do cotidiano e da simplicidade da vida.

Com licença poética faz uma referência a outro poema famoso, Poema de sete faces, de Carlos Drummond de Andrade. Entretanto, aqui ela se apresenta como uma mulher resistente, que luta para ultrapassar as barreiras impostas pelo patriarcado. Dessa forma, inspira as leitoras e leitores a seguir também suas jornadas com autonomia e liberdade.

4. quero pedir desculpa a todas as mulheres - Rupi Kaur

quero pedir desculpas a todas as mulheres
que descrevi como bonitas
antes de dizer inteligentes ou corajosas
fico triste por ter falado como se
algo tão simples como aquilo que nasceu com você
fosse seu maior orgulho quando seu
espírito já despedaçou montanhas
de agora em diante vou dizer coisas como
você é forte ou você é incrível
não porque eu não te ache bonita
mas porque você é muito mais do que isso

A jovem indiana Rupi Kaur, nascida em 1992, se tornou conhecida nas redes sociais após compartilhar seus textos poéticos. Trazendo o empoderamento das mulheres, Rupi tem uma escrita intimista e simples, cheia de insights que buscam despertar outras jovens para seu potencial e valor.

No poema acima, o que está posto é a necessidade de trazer a tona outras qualidades das mulheres além da aparência, lembrando-as de suas capacidades e vivacidade, de suas lutas e autonomia.

5. Aviso da lua que menstrua - Elisa Lucinda

Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua…
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na “vera”
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos..
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a “cidade secreta”
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!…
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha…
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!

Em tom de advertência, Elisa Lucinda convida os homens a refletirem sobre seus comportamentos e sobre como tratam as mulheres, deixando evidente o vigor e a coragem feminina.

A escritora, nascida em 1958 no Espírito Santo, é também atriz e cantora. Em sua vida pública, Elisa sempre deixou claro seu posicionamento crítico frente às injustiças, o que transparece em seus textos, como exemplo Aviso da lua que menstrua.

6. Mulher Fenomenal - Maya Angelou

Lindas mulheres indagam onde está o meu segredo
Não sou bela nem meu corpo é de modelo
Mas quando começo a lhes contar
Tomam por falso o que revelo

Eu digo,
Está no alcance dos braços,
Na largura dos quadris
No ritmo dos passos
Na curva dos lábios
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Quando um recinto adentro,
Tranquila e segura
E um homem encontro,
Eles podem se levantar
Ou perder a compostura
E pairam ao meu redor,
Como abelhas de candura

Eu digo,
É o fogo nos meus olhos
Os dentes brilhantes,
O gingado da cintura
Os passos vibrantes
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Mesmo os homens se perguntam
O que veem em mim,
Levam tão a sério,
Mas não sabem desvendar
Qual é o meu mistério
Quando lhes conto,
Ainda assim não enxergam

É o arco das costas,
O sol no sorriso,
O balanço dos seios
E a graça no estilo
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal
Assim sou eu

Agora você percebe
Porque não me curvo
Não grito, não me exalto
Nem sou de falar alto
Quando você me vir passar,
Orgulhe-se o seu olhar

Eu digo,
É a batida do meu salto
O balanço do meu cabelo
A palma da minha mão,
A necessidade do meu desvelo,
Porque eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu.

A norte-americana Maya Angelou, nascida em 1928, foi uma ativista e revolucionária importante na luta pelos direitos civis do povo negro nos EUA, nos anos 60 e 70.

Seus textos revelam sua força e determinação frente à opressão de raça e de gênero. Em Mulher fenomenal, Maya traz sua experiência e autoestima de maneira a encorajar outras mulheres negras a se reconhecerem em toda a sua potência.

7. Mulher da Vida - Cora Coralina

Mulher da Vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.

O termo "mulher da vida", normalmente usado para se referir às profissionais do sexo pejorativamente, é aqui ressignificado por Cora Coralina de maneira a trazer dignidade a essa mulheres, tantas vezes humilhadas pela sociedade.

Com empatia e sororidade, a escritora goiana, nascida em 1889, exibe a dura carga que as prostitutas carregam, criando um elo com elas e as acolhendo como irmãs.

8. Mãe travesti - Caroline Iara

tenho amigas que querem ser
ou já são mães.
quero lembrar que
mães-travestis já fizeram
parir movimentos
e ainda fazem
nascer intentos
de se abraçar, de se ver
de se ouvir, de lutar
de bem-viver
de acalentar seres humanos
abandonades como muitas
de nós, que amargam
em frios corredores
a transfobia nossa de cada dia;
como muitas de nós que amargam
em esquinas, mas mesmo
nelas conseguem transbordar
conhecimento e
afeto.
Afetar-se por outrem
sem esperar um vintém
conheço-as assim
sonhando em maternar
mas já maternando
e reverberando
amor.

é possível, mãe travesti

Carolina Iara é escritora e co-deputada estadual de SP pela Bancada Feminista (PSOL). Mulher intersexo, travesti, negra e soropositiva, Carolina traz na poesia sua vivência e dá visibilidade a questões urgentes.

Em Mãe-travesti, ela aponta para as possibilidades de maternidade para além do corpo da mulher cisgênero, lembrando da importância de considerar e respeitar as mulheres trans.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.