A filha perdida: análise e interpretação do filme


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

A filha perdida (The Lost Daughter, originalmente) é o primeiro filme dirigido pela atriz norte-americana Maggie Gyllenhaal. Lançado no final de 2021, é uma adaptação da obra homônima de Elena Ferrante, pseudônimo de uma escritora italiana desconhecida.

É protagonizado pela renomada atriz britânica Olivia Colman, elogiada por sua incrível atuação no longa-metragem.

Sinopse e trailer

A trama se passa no litoral da Grécia e acompanha Leda, uma professora universitária de 48 anos que resolve viajar sozinha para descansar em suas férias.

Tudo vai como o esperado, até que Leda vê seu espaço invadido por uma numerosa família, que surge tirando sua paz.

Ela passa então a observar as pessoas ao seu redor e cria uma obsessão por Nina, uma jovem mãe, e sua filha Elena.

A dinâmica entre mãe e filha é conflituosa. Leda percebe a angústia e ansiedade de Nina ao exercer o papel materno, por isso se identifica com ela e desenvolve uma relação curiosa com a moça.

Abalada emocionalmente, Leda acaba revivendo momentos de sua própria história, trazendo à tona lembranças do período dramático em que suas filhas eram pequenas.

(Atenção! A partir daqui o artigo contém spoilers!)

Análise e interpretações

São diversas as camadas de significados, reflexões e simbologias que podemos extrair de A filha perdida, seja no livro ou no filme.

Em uma narrativa intimista e cheia de suspense, o longa é um drama-psicológico que lança luz a questionamentos e inquietações inerentes ao universo feminino. Assim, contribui para uma visão realista e crua da experiência de tornar-se mãe em nossa sociedade.

Dakota Johnson em A filha perdida
Dakota Johnson no papel de Nina em A filha perdida

Talvez para parte dos espectadores, a protagonista pareça uma mulher “cruel” ou “egoísta” e os assuntos que permeiam a história sejam vistos como “banais”, afinal, tratam, entre outras coisas, da maternidade e seus desafios.

Entretanto, quem consegue se conectar e se identificar com tais angústias, sobretudo o público feminino, enxerga em Leda uma mulher real, cheia de contradições e dramas genuínos e compreensíveis.

Abordando questões delicadas, a história “coloca o dedo na ferida” ao expor uma personagem em conflito com sua relação familiar - com as filhas e com o marido.

Isso porque exibe de forma clara como a ideia de “família sempre feliz” ou o rótulo de “família de comercial de margarina” muitas vezes não se aplica na vida prática, sendo apenas uma idealização.

Cena de A filha perdida. Leda jovem
A atriz Jessie Buckley interpreta Leda em sua juventude

Na trama, sentimentos como culpa, saudosismo, inveja, ressentimentos e desejo de “consertar” o passado saltam aos olhos. Eles nos fazem mergulhar na psiquê de Leda, trazendo questões duras de nossa própria biografia, seja como filhas e filhos ou como mães e pais.

Aliás, um tema que surge fortemente é diferença entre o que é esperado dos homens e das mulheres quando assumem a criação dos filhos. Do homem não se cobra que esteja sempre presente na formação das crianças, sendo compreensível seu eventual afastamento, seja por motivos profissionais ou pessoais. Já para a mulher, a cobrança e julgamento são implacáveis nesses casos.

Interpretações

Alguns elementos presentes no enredo são essenciais para dar um tom sombrio e trazer metáforas e símbolos importantes. A boneca é um desses objetos e surge como uma representação do passado para Leda.

Após o desaparecimento temporário de Elena, a filha de Nina, Leda rouba a boneca da garota e a leva consigo, deixando a menina aos prantos e causando um enorme estresse para a mãe. A pergunta que fica é: por que Leda pegou a boneca?

Cena de A filha perdida, Leda com a boneca
Olivia Colman em cena de A filha perdida

Não se sabe exatamente os motivos, e quando ela é questionada por Nina, responde de forma evasiva que era "para se divertir". Mas analisando seu perfil psicológico, podemos supor que a boneca serviu para ela como um recurso simbólico para reviver sua relação com as próprias filhas, trazendo uma oportunidade de maternar de uma forma diferente.

Entretanto, a dinâmica com a boneca repete ações do passado, como abandono e retorno, percebidas quando ela a esconde no armário, tira do armário, joga no lixo, tira do lixo, entre outras atitudes contraditórias.

O rapto da boneca pode também ter como uma das explicações o desejo de causar incômodo àquela família, que trouxe lembranças dolorosas. Leda se vê com um poder nas mãos e isso a excita.

É interessante ainda perceber a obsessão de Leda em esvaziar e limpar a boneca, drenando a água em seu interior, em uma ação desgastante e inútil. Outro destaque é o momento em que de dentro do brinquedo sai uma larva, sugerindo haver vida nesse objeto inanimado.

O filme se encerra com a protagonista na praia, após ser ferida por Nina quando lhe entrega a boneca e confessa o roubo. Ao acordar, fala com as filhas ao telefone e responde que não morreu, ela diz "Na verdade, estou viva".

Maggie Gyllenhaal, a diretora do filme, subverte o final do livro, que apresenta um diálogo mais melancólico, onde Leda diz "Estou morta, mas estou bem".

Dessa forma, é possível interpretar que Leda sobrevive ao ataque de Nina e consegue se reconciliar de algum modo com seu passado, após vivenciar experiências traumáticas e reviver parte de sua história.

Ficha Técnica

Título: A filha perdida
The Lost Daugther
(original)
Diretora Maggie Gyllenhaal.
Baseado em La Figlia Oscura, de Elena Ferrante
Elenco
  • Olivia Colman como Leda
  • Jessie Buckley como Jovem Leda
  • Dakota Johnson como Nina
  • Peter Sarsgaard como Professor Hardy
  • Paul Mescal como Will
  • Oliver Jackson-Cohen como Toni
  • Ed Harris
  • Dagmara Domińczyk
  • Jack Farthing como Joe
  • Alba Rohrwacher
Ano de lançamento: 2021
Classificação: 16 anos
Duração: 121 minutos
País de origem: EUA

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.