7 poemas sensacionais de Ariano Suassuna


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Ariano Suassuna (1927- 2014) é um gênio da literatura que deixou a sua contribuição em formato de poesia, romance, ensaio e peça de teatro.

Denso, complexo e hermético, escolher enfrentar os versos do escritor nordestino é um desafio para leitores corajosos.

Conheça agora sete dos seus poemas imperdíveis e confira uma análise da sua poética.

1. A infância

Sem lei nem Rei, me vi arremessado
bem menino a um Planalto pedregoso.
Cambaleando, cego, ao Sol do Acaso,
vi o mundo rugir. Tigre maldoso.

O cantar do Sertão, Rifle apontado,
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.

E veio o Sonho: e foi despedaçado!
E veio o Sangue: o marco iluminado,
a luta extraviada e a minha grei!

Tudo apontava o Sol! Fiquei embaixo,
na Cadeia que estive e em que me acho,
a Sonhar e a cantar, sem lei nem Rei!

2. Nascimento - O exílio

Aqui, o Corvo azul da Suspeição
Apodrece nas Frutas violetas,
E a Febre escusa, a Rosa da infecção,
Canta aos Tigres de verde e malhas pretas.

Lá, no pelo de cobre do Alazão,
O Bilro de ouro fia a Lã vermelha.
Um Pio de metal é o Gavião
E suave é o focinho das Ovelhas.

Aqui, o Lodo mancha o Gato Pardo:
A Lua esverdeada sai do Mangue
E apodrece, no medo, o Desbarato.

Lá, é fogo e limalha a Estrela esparsa:
O Sol da morte luz no sol do Sangue,
Mas cresce a Solidão e sonha a Garça.

3. A morte - O sol do terrível

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.

Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao som do Sino.
Verei o Jaguapardo e a luz da Tarde,
Pedra do Sonho e cetro do Divino.

Ela virá - Mulher - aflando as asas,
com o mosto da Romã, o sono, a Casa,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.

Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.

3. A mulher e o reino

Com tema do Barroco brasileiro

Ó! Romã do pomar, relva esmeralda
olhos de ouro e azul, minha Alazã!
Ária em forma de Sol, fruto de prata
meu chão, meu anel, Céu da manhã!

Ó meu sono, meu sangue, dom, coragem,
Água das pedras, rosa e belvedere!
Meu candeeiro aceso da Miragem,
Meu mito e meu poder - minha Mulher!

Diz-se que tudo passa e o Tempo duro
tudo esfarela: o Sangue há de morrer!
Mas quando a luz me diz que esse Ouro puro

se acaba por finar e corromper,
Meu sangue ferve contra a vão Razão
E pulsa seu amor na escuridão!

4. Aqui morava um rei

Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.

5. O mundo do sertão

Diante de mim, as malhas amarelas
do mundo, Onça castanha e destemida.
No campo rubro, a Asma azul da vida
à cruz do Azul, o Mal se desmantela.

Mas a Prata sem sol destas moedas
perturba a Cruz e as Rosas mal perdidas;
e a Marca negra esquerda inesquecida
corta a Prata das folhas e fivelas.

E enquanto o Fogo clama a Pedra rija,
que até o fim, serei desnorteado,
que até no Pardo o cego desespera,

o Cavalo castanho, na cornija,
tenha alçar-se, nas asas, ao Sagrado,
ladrando entre as Esfinges e a Pantera.

6. A estrada

No relógio do Céu, o Sol ponteiro
Sangra a Cabra no estranho céu chumboso.
A Pedra lasca o Mundo impiedoso,
A chama da Espingarda fere o Aceiro.

No carrascal do sol, azul braseiro,
Refulge o Girassol rubro e fogoso.
Como morrer na sombra do meu Pouso?
Como enfrentar as flechas desse Arqueiro?

Lá fora, o incêndio: o roxo lampadário
das Macambiras rubras e auri-pardos
Anjos-diabos e Tronos-vai queimando.

Sopra o vento – o Sertão incendiário!
Andam monstros sombrios pela Estrada
e, pela Estrada, entre esses Monstros, ando!

7. Lápide

Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.

Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.

Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido

que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!

Análise da poesia de Ariano Suassuna

Conteúdo

A poética do escritor é repleta de simbologias e bebe muito na tradição popular brasileira, sobretudo nordestina (convém lembrar que a infância de Ariano Suassuna foi integralmente passada no interior da Paraíba).

Toda baseada na tradição oral, a lírica se debruça sobre as cenas impregnadas na memória e mistura intencionalmente o real e o imaginário.

Os temas fundamentais da lírica de Suassuna são o exílio, o pai, a origem e o reino.

Assistimos também um interessante cruzamento entre referências populares e eruditas. Ariano encontra-se, sem sombra de dúvidas, no universo erudito (lembre-se que durante décadas o autor foi professor de estética de uma universidade renomada) ao mesmo tempo em que procura se alimentar de elementos populares.

Há nos seus versos muito presente traços do repente nordestino e afeto pelo sertão, lugar de origem do poeta. Não por acaso grande parte da poesia de Ariano é biográfica, marcada pelo percurso de vida do poeta.

O eu-lírico procura ver o lado luminoso do interior árido; ele dá menos enfase à seca, à esterilidade, à dureza, e sublinha mais o afeto, a comunhão, as particularidades solares dessa região do Brasil.

Forma

Marcada por carregar elementos do barroco, a lírica de Ariano é composta por uma escrita complexa, hermética. O vocabulário simples é combinado de uma maneira inesperada, nada usual.

Trata-se de uma poesia que não parece encerrada, antes pelo contrário, está sempre em movimento, em processo. Um dado interessante que comprova esse fato são os registros de Ariano Suassuna, papéis com inúmeras versões que atestam a permanente reescrita de algumas composições.

Em termos de formato, a sua poética apresenta preferência pela forma fixa (o soneto ou a ode).

Saiba quem foi Ariano Suassuna (1927- 2014)

Ariano Vilar Suassuna, conhecido pelo grande pública apenas pelo primeiro e último nome, nasceu em Nossa Senhora das Neves, na Paraíba, no dia 16 de junho de 1927.

Filho do governador do seu Estado, cresceu no sertão da Paraíba ao lado dos seus oito irmãos. A vivência no interior do nordeste influenciou profundamente a sua produção literária.

Retrato de Ariano Suassuna
Retrato de Ariano Suassuna

Formado em Direito, Suassuna começou a escrever em 1945 quando publicou o poema Noturno no Jornal do Comércio - na ocasião tinha dezoito anos. A sua primeira peça de teatro, Uma Mulher Vestida de Sol, foi escrita dois anos mais tarde.

Ariano tornou-se também professor de Estética da Universidade Federal de Pernambuco. O escritor seguiu produzindo de modo voraz ao longo das décadas.

Seus trabalhos mais conhecidos são provavelmente Auto da Compadecida (peça de teatro) e Romance d’A Pedra do Reino.

Em 1990 o escritor ingressou na Academia Brasileira de Letras (ABL) tendo assumido a cadeira número 32.

Ariano Suassuna foi casado com Zélia de Andrade Lima e teve cinco filhos.

O escritor faleceu no dia 23 de julho de 2014 no Recife.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).