10 maiores poemas de amizade da literatura brasileira e portuguesa


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Amigos de infância, de trabalho, de vizinhança... para muitos de nós, é inconcebível passar pela vida sem estar acompanhado de alguém que nos compreenda. Separamos algumas pérolas da literatura brasileira e portuguesa para homenagear os amigos, que tal partilhar uma delas com quem está sempre ao seu lado?

1. Soneto do amigo, de Vinicius de Moraes

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

O Soneto do amigo é relativamente pouco conhecido se comparado a outros sonetos célebres do poetinha como o Soneto de fidelidade e o Soneto do amor total. Mas a verdade é que os catorze versos escritos em Los Angeles, em 1946, são também um achado na obra do escritor.

Os versos falam de uma amizade duradoura que tem atravessado os anos, servindo como uma espécie de âncora para o eu-lírico que encontra no amigo não nomeado uma espécie de abrigo.

Vinicius de Moraes (1913-1980) destaca como a relação de amizade, antiga, é sempre recriada e, apesar das idas e vindas, os dois acabam ao final se aproximando.

O soneto sublinha também o sentimento de partilha, a ideia de identificação que o sujeito poético sente ao trocar ideias com o amigo. Os versos singelos são um elogio profundo à amizade.

2. Da discrição, de Mario Quintana

Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...

O sucinto poema do escritor gaúcho Mario Quintana (1906-1994) resume em apenas quatro linhas o sentimento de desconfiança do sujeito poético que, antes de partilhar uma confidência com o amigo, pensa nas consequências da sua ação.

O eu-lírico, receoso, nos aconselha a não dividir com um amigo as confissões mais íntimas porque, ao partilhar, essa informação pode ser transmitida para o amigo do seu amigo e assim sucessivamente, tornando um assunto tão privado em um bem público.

3. Recado aos amigos distantes, de Cecília Meireles

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.

O poema de Cecília Meireles (1901-1964), foi composto quando a poetisa já tinha cinquenta anos (em 1951) e narra uma relação de amizade com amigos distantes, com os quais tem pouco contato embora nutra imenso carinho.

O sujeito poético fala do afeto que guarda pelos amigos apesar das idas e vindas e de, grande parte das vezes, não estar presente. Ele pede compreensão pela sua maneira nômade de andar pelo mundo, sem dar a devida atenção aqueles que tanto ama.

4. Autobiografia, de Fernando Pessoa

Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais. [...]
Não mais, não mais, e desde que saíste
Desta prisão fechada que é o mundo,
Meu coração é inerte e infecundo
E o que sou é um sonho que está triste.
Porque há em nós, por mais que consigamos
Ser nós mesmos a sós sem nostalgia,
Um desejo de termos companhia -
O amigo como esse que a falar amamos.

Ao longo do extenso poema Autobiografia, do mestre português Fernando Pessoa (1888-1935), vemos passar uma série de temas que ocupam parte importante da vida do sujeito poético - e um deles é a amizade.

No trechinho selecionado vemos um eu-lírico saudoso de um amigo que partiu da vida deixando no seu lugar um enorme vazio.

Apesar de não sabermos a causa da morte, lemos a dor e o desespero de quem perdeu um companheiro e passa agora os dias sem ter alguém para partilhar as experiências vividas.

5. Convite triste, de Carlos Drummond de Andrade

Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.

Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.

Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.

Vamos xingar a mulher,
que está envenenando a vida
com seus olhos e suas mãos
e o corpo que tem dois seios
e tem um embigo também.
Meu amigo, vamos xingar
o corpo e tudo que é dele
e que nunca será alma.

Meu amigo, vamos cantar,
vamos chorar de mansinho
e ouvir muita vitrola,
depois embriagados vamos
beber mais outros sequestros
(o olhar obsceno e a mão idiota)
depois vomitar e cair
e dormir.

Drummond (1902-1987) celebra ao longo dos versos um amigo com quem partilha as horas boas (ao ver estrelas, por exemplo) e os momentos maus (dividindo o sofrimento).

Ele fala de uma série de situações cotidianas como a mesa de bar, as conversas ligeiras, a troca de ideias sobre os problemas conjugais tão frequentes no dia a dia e onde geralmente se vai buscar o colo de um amigo.

O eu-lírico elenca uma série de circunstâncias banais, com as quais todos nós conseguimos nos identificar, onde a presença do amigo se revela essencial.

6. Amiga, de Florbela Espanca

Deixa-me ser a tua amiga, Amor;
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.

Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for
Bendito sejas to por m’o dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem! ... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados nestas mãos,
Os beijos que sonhei p’ra minha boca! ...

A poetisa portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) escreveu um soneto sobre uma relação amorosa que teve fim, mas a mulher do casal resolveu propor que os dois fossem capazes de ressignificar a relação transformando-a numa amizade.

Pelos versos percebemos que foi ele a desistir do relacionamento a dois. Ela, no entanto, prefere tê-lo por perto, mesmo que seja apenas como amiga, do que perder o contato de vez.

Apesar da proposta ingênua feita pela amada, percebemos rapidamente que, na verdade, a sua intenção é ter de volta a relação amorosa, mas, como ainda não é viável, a amizade parece ser o único caminho possível.

7. Amigo, de Alexandre O'Neill

Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo

Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!

O poeta surrealista português Alexandre O'Neill (1924-1986) tentou, ao longo dos versos de Amigo, definir o que é uma relação de amizade.

Para alcançar tal façanha, começou descrevendo os gestos ligados à amizade (o sorriso), depois partiu para uma metáfora com a arquitetura (afinal amigo é casa) e tentou até definir o que é amizade pensando naquilo que ela não é.

O belo exercício poético - que acaba por ser uma grande homenagem aos amigos - ficou registrado na obra No reino da Dinamarca (1958).

8. Amigo, de Cora Coralina

Vamos conversar
Como dois velhos que se encontraram
no fim da caminhada.
Foi o mesmo nosso marco de partida.
Palmilhamos juntos a mesma estrada.

Eu era moça.
Sentia sem saber
seu cheiro de terra,
seu cheiro de mato,
seu cheiro de pastagens.

É que havia dentro de mim,
no fundo obscuro de meu ser
vivências e atavismo ancestrais:
fazendas, latifúndios,
engenhos e currais.

Mas… ai de mim!
Era moça da cidade.
Escrevia versos e era sofisticada.
Você teve medo. O medo que todo homem sente
da mulher letrada.

Não pressentiu, não adivinhou
aquela que o esperava
mesmo antes de nascer.

Indiferente
tomaste teu caminho
por estrada diferente.
Longo tempo o esperei
na encruzilhada,
depois… depois…
carreguei sozinha
a pedra do meu destino.

Hoje, no tarde da vida,
apenas,
uma suave e perdida relembrança.

Com um tom intimista, típico da poeta goiana Cora Coralina (1889-1985), Amigo é um poema que parece uma conversa descontraída. A doceira que começou a publicar apenas aos 76 anos demonstra profunda experiência nos versos ao falar do princípio de um relacionamento.

Ao longo dos versos, não percebemos bem se o sujeito poético se refere a uma pura relação entre amigos ou se o amigo do poema é um eufemismo, uma forma mais discreta de chamar o parceiro amoroso.

De toda forma, o eu-lírico procura remontar os primeiros tempos, longínquos, de quando os dois se conheceram, e como o que poderia ter sido um bonito encontro acabou por não acontecer por receio do lado dele. Amigo é uma triste e delicada constatação do que poderia ter sido, mas afinal não foi.

9. Amizade, de Paulo Leminski

Meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam
outra coisa
presença
olhar
lembrança, calor
meus amigos
quando me dão deixam na minha
a sua mão

O curitibano Leminski (1944-1989) usa versos curtos e rápidos para celebrar a amizade, a troca, o intercâmbio entre pessoas que estabeleceram um laço estreito de companheirismo e partilha.

O poema que começa e termina falando de um gesto físico (o dar a mão), aborda justamente esse entrelaçar: o que recebemos dos amigos e guardamos dentro de nós e a nossa parte que deixamos nos amigos.

10. Os amigos, de Sophia de Mello Breyner Andresen

Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga -
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão

O mar é uma constante nos poemas da escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e em Os amigos a escolha de pano de fundo não foi diferente.

Para abordar o tema da amizade, a poeta permeia os versos com a paisagem da praia. O poema aborda a relação do eu-lírico consigo próprio, com o espaço que o rodeia e também com aqueles que já não estão e de quem sente falta: os amigos.

Aproveite para ver também:

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).