Patativa do Assaré: 8 poemas analisados


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

O poeta Patativa do Assaré (1909-2002) é um dos maiores nomes da poesia nordestina no Brasil.

Reconhecido internacionalmente, sua obra conta sobre a vida do povo sertanejo, suas dores e lutas através de uma linguagem informal, com as palavras do homem simples da roça.

Patativa desenvolveu sua arte, sobretudo, por meio do repente e da literatura de cordel, ganhando projeção a partir dos anos 60, quando tem o poema Triste Partida musicado pelo mestre Luiz Gonzaga.

1. A terra é nossa

A terra é um bem comum
Que pertence a cada um.
Com o seu poder além,
Deus fez a grande Natura
Mas não passou escritura
Da terra para ninguém.

Se a terra foi Deus quem fez,
Se é obra da criação,
Deve cada camponês
Ter uma faixa de chão.

Quando um agregado solta
O seu grito de revolta,
Tem razão de reclamar.
Não há maior padecer
Do que um camponês viver
Sem terra pra trabalhar.

O grande latifundiário,
Egoísta e usurário,
Da terra toda se apossa
Causando crises fatais
Porém nas leis naturais
Sabemos que a terra é nossa.

Nesse poema, Patativa do Assaré expõe seu ponto de vista a favor do uso social da terra. É um texto que carrega forte carga política, defendendo que todos os camponeses devem ter seu pedaço de chão para plantar e colher.

O poeta critica os donos de enormes áreas, utilizadas para fins pouco sustentáveis (damos como exemplo a monocultura e o pasto) com o objetivo de enriquecer ainda mais, enquanto os trabalhadores do campo ficam sem terrar para tirar seu sustento.

Podemos perceber também a ideia de que, para ele, no campo da espiritualidade Deus não aprova esse sistema baseado na propriedade privada e desigualdades.

2. O que mais dói

O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.

Patativa nos apresenta aqui uma reflexão na qual exibe um lamento por conta de escolhas infelizes de representantes políticos, eleitos pelo povo.

De maneira brilhante, o poeta relaciona questões individuais, pautadas no apelo emocional, amoroso e nostálgico, com assuntos de ordem coletiva, que envolvem cidadania, democracia, política e, de forma subjetiva, manipulação social.

Com isso, consegue-se criar um elo entre a vida pessoal e a vida pública, pois, de fato, é necessário o entendimento de que as coisas estão interligadas e a sociedade é um organismo integral.

Interessante observar como os poemas de Patativa, escritos há tantos anos, ainda permanecem atuais.

3. O agregado e o operário

Sou matuto do Nordeste
criado dentro da mata
caboclo cabra da peste
poeta cabeça chata
por ser poeta roceiro
eu sempre fui companheiro
da dor, da mágoa e do pranto
por isto, por minha vez
vou falar para vocês
o que é que eu sou e o que canto.

Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.

Procurando resolver
um espinhoso problema
eu procure defender
no meu modesto poema
que a santa verdade encerra
os camponeses sem terra
que o céu deste Brasil cobre
e as famílias da cidade
que sofrem necessidade
morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário
sofrendo a mesma opressão
nas cidades, o operário
e o camponês no sertão
embora um do outro ausente
o que um sente o outro sente
se queimam na mesma brasa
e vivem na mesma Guerra
os agregados sem terra
e os operários sem casa.

Operário da cidade
se você sofre bastante
a mesma necessidade
sofre o seu irmão distante
levando vida grosseira
sem direito de carteira
seu fracasso continua
é grande martírio aquele
a sua sorte é a dele
e a sorte dele é a sua.

Disto eu já vivo ciente
se na cidade o operário
trabalha constantemente
por um pequeno salário
lá nos campos o agregado
se encontra subordinado
sob o jugo do patrão
padecendo vida amarga
tal qual burro de carga
debaixo da sujeição.

Camponeses meus irmãos
e operários da cidade
é preciso dar as mãos
cheios de fraternidade
em favor de cada um
formar um corpo comum
praciano e camponês
pois só com esta aliança
a estrela da bonança
brilhará para vocês.

Uns com os outros se entendendo
esclarecendo as razões
e todos juntos fazendo
suas reivindicações
por uma democracia
de direito e garantia
lutando de mais a mais
são estes os belos planos
pois nos direitos humanos
nós todos somos iguais.

É muito frequente nos poemas de Patativa do Assaré a exaltação às suas origens. Nascido no sul do Ceará e filho de agricultores, o escritor exibe uma fala autobiográfica em O agregado e o operário, contando de onde veio e quais são os seus valores pessoais.

Associa a vida no sertão com a dor e o pranto e declara seu apoio aos sem terra e aos trabalhadores das classes baixas, assim como aos demais excluídos da sociedade, como o povo em situação de rua.

Ele traça um panorama da situação do povo humilde do Brasil, unindo camponeses e operários, que mesmo em realidades diferentes, vivem situações de igual opressão e violência.

Ao final do texto propõe ainda que os trabalhadores do campo e da cidade se aliem em busca de direitos, pois não deve haver desigualdades, posto que todos somos humanos e merecemos as mesmas oportunidades.

4. Vaca Estrela e Boi Fubá

Seu doutor, me dê licença
pra minha história contar
Hoje eu tô na terra estranha,
é bem triste o meu penar
Eu já fui muito feliz
vivendo no meu lugar
Eu tinha cavalo bom
e gostava de campear
Todo dia eu aboiava
na porteira do curral
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá
Eu sou filho do Nordeste,
não nego meu naturá
Mas uma seca medonha
me tangeu de lá prá cá
Lá eu tinha o meu gadinho, não é bom nem imaginar
Minha linda Vaca Estrela
e o meu belo Boi Fubá
Aquela seca medonha
fez tudo se atrapalhar
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá
Não nasceu capim no campo para o gado sustentar
O sertão se estorricou,
fez o açude secar
Morreu minha Vaca Estrela,
se acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto eu tinha, nunca mais pude aboiar
Eeeeiaaaa, êeee Vaca Estrela, ôoooo Boi Fubá

O poema em questão exibe uma narrativa em primeira pessoa onde ficamos sabendo sobre os acontecimentos na vida de um sujeito que vivia no campo e tinha sua terra e seus animais, que lhe provinham sustento.

Por conta da seca, tal sujeito tem sua terra arrasada e perde seus animais. Assim, o poema é um lamento e uma denúncia sobre os males da seca no nordeste.

Esse poema integra o álbum fonográfico A terra é Naturá, gravado em 1981. O disco tem vários textos recitados pelo poeta e contou com a participação de nomes da música como Nonato Luiz e Manassés no violão, Cego Oliveira na rabeca e Fagner na voz.

Confira o poema musicado abaixo.

5. O Peixe

Tendo por berço o lago cristalino,
Folga o peixe, a nadar todo inocente,
Medo ou receio do porvir não sente,
Pois vive incauto do fatal destino.

Se na ponta de um fio longo e fino
A isca avista, ferra-a inconsciente,
Ficando o pobre peixe de repente,
Preso ao anzol do pescador ladino.

O camponês, também, do nosso Estado,
Ante a campanha eleitoral, coitado!
Daquele peixe tem a mesma sorte.

Antes do pleito, festa, riso e gosto,
Depois do pleito, imposto e mais imposto.
Pobre matuto do sertão do Norte!

Aqui, Patativa faz uma crítica ao sistema eleitoral da forma como ele ocorre, no qual as pessoas são ludibriadas pelos candidatos no momento da campanha, mas depois deixadas ao léu, sem assistência e tendo que arcar com grande carga tributária.

É interessante também o paralelo que ele traça entre a atividade da pescaria e a atividade política-partidária.

O peixe no seu habitat vive tranquilamente, sem saber que a morte o espera na ponta do anzol do pescador, assim como a população, que, inocente, não percebe as reais intenções dos candidatos a cargos públicos.

6. O Poeta da Roça

Sou fio das mata, cantô da mão grosa
Trabaio na roça, de inverno e de estio
A minha chupana é tapada de barro
Só fumo cigarro de paia de mio

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestrê, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola
Cantando, pachola, à percura de amô

Não tenho sabença, pois nunca estudei
Apenas eu seio o meu nome assiná
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre
E o fio do pobre não pode estudá

Meu verso rastero, singelo e sem graça
Não entra na praça, no rico salão
Meu verso só entra no campo da roça e dos eito
E às vezes, recordando feliz mocidade
Canto uma sodade que mora em meu peito

Mais uma vez, Patativa exalta o lugar de onde veio e sua história, deixando claro que a poesia que produz é sobre as coisas que conhece, as coisas simples da vida comum.

O "porta-voz do sertão", como também é conhecido o poeta, utiliza aqui a linguagem do homem caipira, que precisou trabalhar e não teve oportunidade de estudo formal. Ele evidencia no texto o problema do analfabetismo aliado à pobreza.

Assim, finaliza dizendo que seus versos são feitos para as pessoas humildes como ele.

7. Autobiografia

Mas porém como a leitura
É a maió diciprina
E veve na treva iscura
Quem seu nome não assina,
Mesmo na lida pesada,
Para uma escola atrasada
Tinha uma parte do dia,
Onde estudei argum mês
Com um veio camponês
Que quase nada sabia.

Meu professô era fogo
Na base do português,
Catálogo, era catalôgo,
Mas grande favô me fez.
O mesmo nunca esqueci,
Foi com ele que aprendi
Minhas premêra lição,
Muito a ele tô devendo,
Saí escrevendo e lendo
Mesmo sem pontuação.

Depois só fiz meus estudo,
Mas não nos livro escola
Eu gostava de lê tudo,
Revista, livro e jorná.
Com mais uns tempo pra frente,
Mesmo vagarosamente,
Não errava nenhum nome.
Lia no claro da luz
As pregação de Jesus
E as injustiça dos home.

Em Autobiografia, Patativa do Assaré nos conta um pouco como foi sua vida e formação. Quando menino chegou a frequentar a escola, mas apenas por alguns meses, nunca deixando a lida na roça de lado.

Estudou apenas o suficiente para aprender a ler e escrever. Posteriormente, continuou leituras por conta própria, como autodidata. Assim, o interesse e curiosidade do menino formou o grande escritor do sertão.

8. Eu e o Sertão

Sertão, argúem te cantô,
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô,
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistéro
Ninguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá.

No belo poema acima, Patativa nos brinda com uma homenagem à sua terra natal e suas raízes. O sertão é retratado de maneira misteriosa e idílica, como uma inspiração para o poeta.

Aqui ele também utiliza a linguagem simples, com a gramática "incorreta", para garantir a identificação do povo sertanejo com sua arte.

Quem foi Patativa do Assaré?

Antônio Gonçalves da Silva é o nome de batismo de Patativa do Assaré.

Nascido em 5 de março de 1909 em Assaré, interior do Ceará, o poeta escolheu como pseudônimo Patativa. Esse é o nome de um pássaro de belo canto, presente na região nordeste; a segunda parte de seu apelido vem como homenagem ao local de seu nascimento.

patativa do assaré
Capa de O sertão dentro de mim (2010), de Tiago Santana e Gilmar de Carvalho. O livro presta homenagem ao centenário de nascimento do poeta

O escritor teve uma infância difícil, com muito trabalho e pouco estudo. Aos 16 anos começa a fazer repentes, mais tarde passa a publicar poemas no jornal Correio do Ceará.

Depois, o poeta e cantador viaja pelo nordeste apresentando sua poesia ao som da viola.

Em 1956 publica seu primeiro livro Inspiração Nordestina, no qual estão presentes muitos textos escritos anos antes. Oito anos depois, em 1964, tem seu poema Triste Partida gravado pelo cantor Luiz Gonzaga, o que lhe confere maior projeção.

Patativa sempre deixou evidente seus posicionamentos políticos em sua obra, tecendo críticas inclusive ao período da ditadura militar (1964-1985) e sendo perseguido na época.

Alguns livros de destaque do escritor são: Cantos da Patativa (1966), Canta lá Que Eu Canto Cá (1978), Aqui Tem Coisa (1994). Gravou ainda dois discos: Poemas e Canções (1979) e A Terra é Naturá (1981), que contou com a produção do cantor Fagner.

Sua obra foi bastante reconhecida, tornando-se tema de estudo na universidade francesa Sorbone.

Patativa do Assaré perdeu a visão e a audição nos últimos anos de vida e faleceu em 8 de julho de 2002, por falência múltipla de órgãos.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.