Os 20 melhores poemas de amor de Vinicius de Moraes


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

1. Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Escrito no Estoril (em Portugal), em outubro de 1939, e publicado em 1946 (no livro Poemas, Sonetos e Baladas), Soneto de fidelidade é um dos poemas amorosos mais famosos do escritor brasileiro.

Vinicius de Moraes, que usa a forma clássica do soneto para falar sobre a lealdade ao amado, destaca como temos vontade de cuidar do outro quando estamos apaixonados e como o amor vence todas as barreiras que vão se apresentando.

O poema também nos recorda que é preciso aproveitar esse sentimento especial a cada segundo, até porque, como os últimos versos sublinham, o amor não é imortal ao contrário do que os românticos costumam acreditar.

A lição dada por Vinicius de Moraes ao longo dos 14 versos é que devemos aproveitar enquanto a chama está acesa.

Conheça mais sobre o poema lendo o artigo Soneto de Fidelidade, de Vinicius de Moraes.

2. Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma…
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Escrito no Rio de Janeiro, em 1938, Ternura fala sob a perspectiva do amor romântico, idealizado, e começa como um pedido de desculpas a amada, por submetê-la a esse sentimento tão arrebatador e repentino.

Dominado pelo amor intenso que sente, o poeta se declara para a amada falando de todo o carinho que nutre por ela e prometendo uma dedicação absoluta. Em troca, a amada só deve se deixar contagiar por esse amor profundo.

3. Soneto do amor total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em ter corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Em 1951, Vinicius de Moraes escreveu no Rio de Janeiro o Soneto do amor total. Usando o formato clássico do soneto, o poetinha tentou condensar nos 14 versos o sentimento de afeto intenso que nutria pela mulher amada.

Lemos no poema a angústia do sujeito que quer traduzir em palavras todo o amor que sente, para ser capaz de transmitir à amada a dimensão do seu afeto.

O amor retratado no poema é complexo e apresenta várias facetas: é desde um amor calmo, sereno, ancorado na amizade, até um sentimento animalesco, carregado pelo desejo e pela urgência de possuí-la.

No final do poema concluímos que o sujeito ama tanto que, de certa forma, teme morrer afogado em tanto amor.

Leia a análise completa do Soneto do Amor Total, de Vinicius de Moraes.

4. Eu sei que vou te amar

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente
Eu sei que vou te amar

E cada verso meu será pra te dizer
Que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida

Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar,
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer
A eterna desventura de viver a espera
De viver ao lado teu
Por toda a minha vida.

Os versos de Vinicius de Moraes foram musicados por Tom Jobim e se tornaram ainda mais famosos em formato de canção. Ao longo de Eu sei que vou te amar o poeta declara a certeza do seu sentimento, a consciência de que esse afeto tão forte irá persistir para o resto dos seus dias.

Ao declarar o seu amor ele assume que irá chorar cada vez que a amada se ausentar, e que também irá ficar radiante de alegria assim que ela estiver de volta.

Completamente apaixonado, ele se mostra dependente da amada e fiel a relação, que parece ser um pilar central na sua história pessoal.

5. A você, com amor

O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia...
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar...

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda...

E a música inaudível...

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que freme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar...

O amor é Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.

Ao longo de A você, com amor vemos o poeta se esforçar para conseguir definir o que é o amor através de um olhar poético.

Ao tentar tecer comparações ele acaba recorrendo a definições subjetivas (o amor é o murmúrio da terra, os ventos da aurora, a memória que o tempo não mata, Deus em plenitude). É a partir de metáforas que o sujeito vai tentando definir o que é esse sentimento tão difícil de se nomear e de traduzir.

O título escolhido por Vinicius de Moraes mostra que se trata de uma espécie de poema-presente, deixando claro que a composição inteiramente é dedicada a mulher amada.

6. Ausência

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.
Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Escrito no Rio de Janeiro, em 1935, Ausência é um poema marcado pela melancolia e pela decisão do sujeito de não levar a frente o sentimento amoroso.

Esse poema é dos poucos casos na obra do poetinha onde o amor não aparece como uma declaração feita dentro de uma relação de sucesso. Antes, pelo contrário, o amor é celebrado mesmo que o casal não tenha ficado junto.

Apesar de desejar com todas as suas forças ter a mulher amada, ele acaba desistindo da relação porque não quer causar sofrimento naquela que ama. O poeta prefere guardar o seu amor e sofrer em silêncio do que submeter a amada a dor.

7. Soneto do maior amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer - e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

Escrito em Oxford em 1938, o Soneto do amor maior fala de um amor diferente, peculiar, que inicialmente é apresentado a partir de ideias opostas (quando alegre fica triste, quando descontente, dá risada).

Descobrimos ao longo dos versos que o sujeito procura uma vida inquieta, cheia de aventuras, preferindo experimentar o amor louco a viver no sossego e na calmaria.

A busca do poeta aqui não é por uma pessoa específica, mas é sobretudo pela paixão, pela sensação de estar arrebatado e envolvido numa relação amorosa. O sujeito precisa que essa sensação de euforia preencha a sua vida sentimental.

8. Amor

Vamos brincar, amor? vamos jogar peteca
Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo
Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação?
Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos
Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo
Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto
Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos
Fingir que hoje é domingo, vamos ver
O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão?
Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de Sevignée
Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar
Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto?
Vamos, amor? vamos nos persuadir imensamente dos acontecimentos
Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol
Vamos, amor?
Porque excessivamente grave é a Vida.

Usando versos livres, sem rima, Vinicius de Moraes no seu poema Amor faz uma série de convites a pessoa amada. As perguntas inicialmente são esperadas, daquelas habituais que alguém que está apaixonado faz ao parceiro (“vamos brincar, amor?”). O sujeito começa por listar uma série de situações comuns que casais em um início de relacionamento experimentam como atrapalhar os outros e sair correndo.

Mas logo depois o poeta investe em perguntas nada usuais, surpreendendo o leitor e lembrando que uma relação também implica dor (“vamos sofrer, amor?”).

O poema, depois de apresentar sucessivas situações distintas (algumas felizes e outras nem tanto), conclui que devemos aproveitar porque a vida já é demasiado severa.

9. Ela entrou como um pássaro no museu de memórias

Ela entrou como um pássaro no museu de memórias
E no mosaico em preto e branco pôs-se a brincar de dança.
Não soube se era um anjo, seus braços magros
Eram muito brancos para serem asas, mas voava.
Tinha cabelos inesquecíveis, assim como um nicho barroco
Onde repousasse uma face de santa de talha inacabada.
Seus olhos pesavam-lhe, mas não era modéstia
Era medo de ser amada; vinha de preto
A boca como uma marca do beijo na face pálida.
Reclinado; nem tive tempo de a achar bela, já a amava.

Cheio de belas imagens, Ela entrou como um pássaro no museu de memórias é dos mais bonitos poemas de amor criados por Vinicius de Moraes. Escrito em verso livre, sem rima, o poema é, no fundo, um grande elogio à mulher amada.

O poeta usa a metáfora do pássaro para falar de uma série de características ligadas aquela que roubou o seu coração: o modo como ela surge de forma inesperada (como a ave), a sua pele branca como asas.

Há, no entanto, uma diferença crucial em relação aos dois: enquanto a amada sente medo do sentimento e teme se entregar, ele não tem outra hipótese e já parece completamente arrebatado.

10. A uma mulher

Quando a madrugada entrou eu estendi o meu peito nu sobre o teu peito
Estavas trêmula e teu rosto pálido e tuas mãos frias
E a angústia do regresso morava já nos teus olhos.
Tive piedade do teu destino que era morrer no meu destino
Quis afastar por um segundo de ti o fardo da carne
Quis beijar-te num vago carinho agradecido.
Mas quando meus lábios tocaram teus lábios
Eu compreendi que a morte já estava no teu corpo
E que era preciso fugir para não perder o único instante
Em que foste realmente a ausência de sofrimento
Em que realmente foste a serenidade.

Escrito no Rio de Janeiro, em 1933, A uma mulher fala, ao mesmo tempo, de um intenso sentimento amoroso e da separação do casal.

Cheio de sensibilidade, os versos narram os momentos finais dessa relação, a separação definitiva e o impacto que essa decisão deixou nos dois parceiros.

Ele ainda tenta se aproximar dela, oferecer um carinho, agradecer de alguma forma os momentos vividos a dois. Mas ela se recusa, parecendo já ter deixado a relação no passado. O poema, embora triste, é também um belo registro do triste destino de uma relação amorosa.

11. A brusca poesia da mulher amada

Longe dos pescadores os rios infindáveis vão morrendo de sede lentamente…
Eles foram vistos caminhando de noite para o amor - oh, a mulher amada é como a fonte!
A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo
A mulher amada é como o lago dormindo no cerro perdido
Mas quem é essa misteriosa que é como um círio crepitando no peito?
Essa que tem olhos, lábios e dedos dentro da forma inexistente?

Pelo trigo a nascer nas campinas de sol a terra amorosa elevou a face pálida dos lírios
E os lavradores foram se mudando em príncipes de mãos finas e rostos transfigurados…

Oh, a mulher amada é como a onda sozinha correndo distante das praias
Pousada no fundo estará a estrela, e mais além.

Escrito no Rio de Janeiro em 1938, em A brusca poesia da mulher amada o poeta tenta, a todo momento, descrever aquela que é objeto de amor do poeta.

Para tentar colocar a amada em palavras o poeta usa o recurso da comparação: a amada é como a fonte, é como o pensamento do filósofo sofrendo, é como o lago dormindo no cerro perdido.

A sua tentativa não é propriamente descrever a mulher que ama fisicamente, mas sim falar de um ponto de vista mais subjetivo, do sentimento que ela provoca.

12. A mulher que passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! Como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Lemos aqui apenas um trecho do conhecido poema A mulher que passa, onde Vinicius de Moraes tece uma série de elogios a mulher que rouba o seu olhar e o seu coração.

Não sabemos propriamente quem é essa mulher - qual é o seu nome, o que faz da vida - ficamos conhecendo apenas o impacto que ela gera no poeta. O tema do poema, e até o seu próprio título, se referem a algo transitório, provisório, a mulher que passa e deixa atrás dela um rastro de admiração.

Profundamente romântico, o poema é uma espécie de prece, onde o poeta, fissurado, louva a fisionomia e o jeito de ser da mulher amada.

13. Carne

Que importa se a distância estende entre nós léguas e léguas
Que importa se existe entre nós muitas montanhas?
O mesmo céu nos cobre
E a mesma terra liga nossos pés.
No céu e na terra é tua carne que palpita
Em tudo eu sinto o teu olhar se desdobrando
Na carícia violenta do teu beijo.
Que importa a distância e que importa a montanha
Se tu és a extensão da carne
Sempre presente?

Carne é um poema de amor que toca no assunto da saudade. Apesar dos amados estarem distantes fisicamente, há uma comunhão, algo que os une.

Com um olhar poético o sujeito observa que estão ambos sob o mesmo céu que os cobre e ligados a mesma terra que têm por baixo dos pés. Ele conclui, portanto, que embora estejam afastados em termos físicos, estão permanentemente juntos porque ela é a extensão da sua carne logo está sempre presente.

14. Soneto de contrição

Eu te amo, Maria, te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

O Soneto de contrição é uma forma de declarar o amor que o sujeito sente por Maria. Para tentar dimensionar esse amor e transmitir a amada o tamanho do afeto que carrega, o poeta usa o recurso da comparação (meu peito dói como em doença).

O soneto, um formato clássico empregado aqui pelo contemporâneo Vinicius de Moraes, é a forma escolhida para que o amado traduza a sensação de entrega a Maria.

Mais do que tudo, ele é um escravo do sentimento, ainda que consciente de que o amor traz dor. Ao admirar em versos Maria, fica clara também a sua relação de dependência afetiva.

15. Cântico

Não, tu não és um sonho, és a existência
Tens carne, tens fadiga e tens pudor
No calmo peito teu. Tu és a estrela
Sem nome, és a morada, és a cantiga
Do amor, és luz, és lírio, namorada!
Tu és todo o esplendor, o último claustro
Da elegia sem fim, anjo! mendiga
Do triste verso meu. Ah, fosses nunca
Minha, fosses a ideia, o sentimento
Em mim, fosses a aurora, o céu da aurora
Ausente, amiga, eu não te perderia! (...)

Nesse trecho do longo poema Cântico, Vinicius de Moraes elogia a mulher amada, de tal forma que parece que ela é uma espécie de sonho, de tão perfeita que é pintada.

Para esclarecer qualquer tipo de dúvida, no entanto, o poeta já no primeiro verso esclarece que não se trata de um devaneio da sua imaginação, e sim de uma mulher real, plena.

A mulher é vista aqui como fonte de toda a alegria e toda beleza graças aos sentimentos bons que ela desperta.

16. Amor nos três pavimentos

Eu não sei tocar, mas se você pedir
Eu toco violino fagote trombone saxofone.
Eu não sei cantar, mas se você pedir
Dou um beijo na lua, bebo mel himeto
Pra cantar melhor.
Se você pedir eu mato o papa, eu tomo cicuta
Eu faço tudo que você quiser.

Você querendo, você me pede, um brinco, um namorado
Que eu te arranjo logo.
Você quer fazer verso? É tão simples!... você assina
Ninguém vai saber.
Se você me pedir, eu trabalho dobrado
Só pra te agradar.

Se você quisesse!... até na morte eu ia
Descobrir poesia.
Te recitava as Pombas, tirava modinhas
Pra te adormecer.
Até um gurizinho, se você deixar
Eu dou pra você...

Motivado a fazer o possível e o impossível pela mulher amada, o poeta declara nos versos todas as coisas que seria capaz de realizar para provar o seu amor.

Se fosse preciso ele tocaria instrumentos mesmo sem saber tocar, mataria o papa, mataria a si próprio. Apaixonado, ele não hesita em mostrar que realizaria todos os desejos da mulher amada.

Além de oferecer tudo o que há no mundo, o poeta termina os versos prometendo até oferecer uma pequena criança, se a amada deixar.

17. Soneto de Carnaval

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a reuní-lo.

Vinicius de Moraes trata no seu Soneto de Carnaval de um amor que conta com muitos encontros e despedidas. O poeta começa falando que é impossível não pensar na amada, mesmo que pensar nela signifique sofrimento.

Quase como um balé, os apaixonados ficam juntos e se separam (“vivemos partindo”), mas ao longo dos anos sempre acabam se reencontrando, como se estivesse escrito no destino de ambos que um dia voltariam a se reunir novamente.

18. A perdida esperança

Paris
De posse deste amor que é, no entanto, impossível
Este amor esperado e antigo como as pedras
Eu encouraçarei o meu corpo impassível
E à minha volta erguerei um alto muro de pedras.

E enquanto perdurar tua ausência, que é eterna
Por isso que és mulher, mesmo sendo só minha
Eu viverei trancado em mim como no inferno
Queimando minha carne até sua própria cinza.

O trecho do triste poema A perdida esperança nos dá a ver um sujeito melancólico, angustiado, frustrado pela ausência da amada.

O poeta solitário, que é um privilegiado por amar, mas ao mesmo tempo um sofredor por não poder concretizar a paixão, não consegue vislumbrar um futuro melhor.

Ele promete que, enquanto a amada estiver ausente, continuará sozinho e em sofrimento respeitando a força do amor que sente.

19. Conjugação da ausente

Amiga! direi baixo o teu nome
Não ao rádio ou ao espelho, mas à porta
Que te emoldura, fatigada, e ao
Corredor que para
Para te andar, adunca, inutilmente
Rápida. Vazia a casa
Raios, no entanto, desse olhar sobejo
Oblíquos cristalizam tua ausência.
Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, te venero, te idolatro
Numa perplexidade de criança.

O trecho de Conjugação da ausente é um enorme elogio a mulher amada, que não se encontra presente.

Apesar da ausência, o poeta louva o sentimento que nutre, vendo na casa vazia vestígios daquela que arrebatou o seu coração.

Os dois últimos versos do poema resumem o que se passa no coração do sujeito: o amor que sente é tão grande que se transforma em veneração e idolatria. Surpreso com tanto afeto, ele se assusta como uma criança.

20. Duas canções de silêncio

Ouve como o silêncio
Se fez de repente
Para o nosso amor

Horizontalmente...

Crê apenas no amor
E em mais nada

Cala; escuta o silêncio
Que nos fala

Mais intimamente; ouve
Sossegada

O amor que despetala
O silêncio...

Deixa as palavras à poesia…

Escrito em Oxford em 1962, o poema Duas canções de silêncio fala sobre a contemplação diante do amor.

Aqui o poeta se dirige diretamente com a amada, instruindo-a a ouvir o silêncio, a olhar com atenção para o amor que está sendo criado pelos dois.

Os versos são um convite para que ela olhe demoradamente, de modo sossegado, para dar valor e admirar o afeto que estão construindo juntos.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).