Música Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Lançada em 1962, Garota de Ipanema é uma música resultado da parceria entre os grandes amigos Vinicius de Moraes (1913-1980) e Tom Jobim (1927-1994).

A canção, feita em homenagem à Helô Pinheiro, é considerada um dos maiores clássicos da Música Popular Brasileira e virou um hino (não oficial) da Bossa Nova.

Um ano após ter sido lançada, a música foi adaptada e ganhou uma versão em inglês (The Girl From Ipanema), cantada por Astrud Gilberto. A criação estourou e recebeu o Grammy de Gravação do Ano (1964). Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Nat King Cole e Cher chegaram a regravar o clássico que vem sendo reinterpretado nos mais diferentes gêneros musicais.

Para se ter uma noção do sucesso estrondoso da música, segundo editora do grupo Universal (responsável pela divulgação da música), Garota de Ipanema é a segunda música mais tocada da história, perdendo apenas para Yesterday, dos Beatles (1965).

Letra

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela, menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

Análise da letra

Já nos seis primeiros versos da canção vemos a presença de uma musa inspiradora, uma bela jovem que passa, alheia aos olhares e as preocupações mundanas.

É como se o seu caminhar encantasse e enfeitiçasse os compositores, que ficam hipnotizados diante de tamanha beleza:

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela, menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar

Essa adoração da amada, que não ganha nome nem nenhuma característica mais detalhada, trata-se de uma espécie de amor platônico.

O doce balanço sublinha a doçura e a harmonia da moça, que parece desfilar confortavelmente na sua própria pele.

A jovem em questão era Helô Pinheiro, que serviu de inspiração para a canção sem saber enquanto caminhava pelas ruas do bairro. Quando a letra se refere à bela como uma menina, a afirmação de fato condiz com a realidade: Helô na época tinha apenas 17 anos.

A canção segue o mesmo ritmo elogioso nos versos a seguir, mas já agora situando a musa no espaço:

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Com a pele bronzeada, somos informados que a jovem é curtida pelo sol de Ipanema. Vemos na canção, portanto, o nome de um bairro específico (Ipanema), uma região tradicional situada na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Tom e Vinicius, moradores da zona sul carioca e entusiastas de um ritmo e estilo de vida característicos, fazem em Garota de Ipanema uma exaltação da cidade, simbolizada pelo bairro abastado situado à beira-mar, que vivia a sua plenitude durante os anos 1950 e 1960.

As curvas da mulher e o seu caminhar são comparados a uma obra de arte e o poeta enxerga na moça tudo o que há de mais bonito.

Durante o ócio sentido ao contemplar as ruas de Ipanema, o eu-lírico é despertado para aquela que passa e fica imediatamente arrebatado.

No trecho a seguir da canção a mensagem passa a enfocar menos a jovem e mais o emissor da mensagem:

Ah, por que estou tão sozinho?
Ah, por que tudo é tão triste?
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha

Há aqui uma clara contradição: ao mesmo tempo o poeta sente a alegria de ver a sua musa passar enquanto experimenta a tristeza e a solidão.

Através das duas únicas perguntas feitas ao longo da letra, a música deixa os opostos evidentes e sublinha a condição do poeta. Ele é sozinho, triste e sem vida; ela é bela, vivaz e hipnotiza quem está ao redor.

A determinado momento, porém, a beleza da jovem é exibida de modo solitário e o eu-lírico se identifica com a condição isolada da moça (A beleza que não é só minha / Que também passa sozinha).

Na parte final da letra confirmamos que essa admiração pela moça que caminha é quase secreta:

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

A moça da letra parece não ter a menor noção da sua capacidade de encantamento e do efeito que causa nos homens.

A jovem, para quem a canção foi feita, passa alheia a admiração dos compositores. Ela segue o seu rumo sem sequer imaginar que é a personagem principal daquela que virá a ser uma das canções mais famosas da MPB.

É como se a sua presença inundasse de vida a rua e desse sentido ao cenário, muito embora a musa sequer percebesse esses seus super poderes.

No final da composição o poeta constata como o afeto deixa tudo mais bonito e como o amor transforma a paisagem.

Bastidores da criação

Garota de Ipanema foi composta em homenagem à Helô Pinheiro, que na época da criação tinha 17 anos.

A musa da canção: Helô Pinheiro.
A musa da canção: Helô Pinheiro.

Reza a lenda que enquanto os compositores estavam em Ipanema, no famoso Bar Veloso, próximo à praia, viram a bela jovem Helô. Tom então teria segredado ao grande amigo "não é a coisa mais linda?", e Vinicius, em resposta, disse "cheia de graça". Das duas frases, que foram logo transcritas em um guardanapo, surgiu a ideia de criar uma canção para eternizar a musa.

Uma curiosidade: depois do enorme sucesso o bar que abrigou o momento da criação da canção mudou de nome. O bar Veloso, uma tradicional casa da boemia na zona sul carioca, se transformou no Bar Garota de Ipanema.

A música, que mais tarde virou o hino da Bossa Nova, teria sido inicialmente chamada de Menina que passa.

A respeito da criação, anos após o lançamento, Vinicius de Moraes assumiu que ele e Tom teriam tido Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto (a Helô Pinheiro) como inspiração:

“Para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento, o samba que a colocou em todas as manchetes do mundo inteiro e fez de nossa querida Ipanema uma palavra mágica aos ouvidos estrangeiros. Ela foi e é para nós o paradigma do broto carioca; a moça dourada, misto de flor e sereia, cheia de luz e de graça mas cuja visão é também triste, pois carrega consigo, a caminho do mar, o sentimento da mocidade que passa, da beleza que não é só nossa - é um dom da vida em seu lindo e melancólico fluir e refluir constante."

Helo Pinheiro e Vinicius de Moraes.
Vinicius de Moraes e Helô Pinheiro, a musa inspiradora de Garota de Ipanema.

Helô só tomou conhecimento da homenagem feita a ela em forma de música cerca de três anos depois da canção ter ficado consagrada:

"Foi como receber um grande prêmio. Levou três anos para que eu fosse informada pelo próprio Vinicius de Moraes, que escreveu um depoimento para uma revista a explicar quem era a verdadeira Garota de Ipanema."

Mais tarde, Tom confessou que, na verdade, Helô não seguia a caminho do mar. Naquele dia ela se dirigia a um quiosque para comprar cigarros para o pai, que era militar. Para tornar o percurso mais poético, o letrista Vinicius de Moraes transformou o caminho da jovem, fazendo com que ela fosse rumo às ondas.

Depois da criação da música, Tom Jobim chegou a pedir Helô em casamento. Como a moça já era comprometida (ela namorava Fernando Pinheiro), acabou rejeitando o pedido.

Helô Pinheiro e Tom Jobim.
Helô Pinheiro e Tom Jobim.

Contexto histórico

Garota de Ipanema foi lançada dois anos antes da instauração da ditadura militar, em 1964.

A música, que é um elogio à jovem Helô, na época com 17 anos, foi apresentada pela primeira vez no dia 2 de agosto de 1962 durante o musical O Encontro, realizado na boate Au Bon Gourmet, em Copacabana.

A apresentação reuniu, além de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, os artistas João Gilberto e a banda Os Cariocas (Milton Banana na bateria e Otávio Bailly no contrabaixo).

Como Vinicius era diplomata precisou pedir autorização ao Itamaraty para se apresentar. A autorização foi concedida, embora o compositor estivesse proibido de receber qualquer espécie de cachê.

A peça esteve em cartaz durante 40 noites e o público do teatro, cerca de 300 pessoas por noite, foi o primeiro a testemunhar o sucesso de Garota de Ipanema.

Em 1963, Tom Jobim fez uma versão instrumental do famoso clássico da Bossa Nova e a incluiu no seu disco The composer of Desafinado plays, seu primeiro álbum lançado em solo norte-americano.

Capa de The composer of ‘Desafinado’ plays, disco de Tom Jobim, onde se encontra The Girl From Ipanema.
Capa de The composer of Desafinado plays, disco de Tom Jobim, onde se encontra The Girl From Ipanema.

Em março de 1963, quase nos anos de Chumbo, a música The Girl From Ipanema ganhou o mundo na voz de Astrud Gilberto, na época casada com o músico brasileiro João Gilberto.

Em 1967, surgiu a icônica versão de The Girl From Ipanema cantada por Frank Sinatra.

Historicamente a música se aproveitou um período bastante produtivo e interessante.

Entre o final da década de cinquenta e o princípio da década de sessenta, graças a revolução eletrônica realizada após a Segunda Guerra Mundial, os preços dos discos long-play puderam ser significativamente reduzidos. A música passou a ser, então, mais democratizada, alcançando um maior número de ouvintes.

Bossa Nova

A Bossa Nova foi um estilo musical criado no Brasil no final da década de cinquenta. Entre os seus principais nomes estavam Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, João Gilberto e Nara Leão.

O ideal do grupo era romper com a tradição uma vez que os artistas não se identificavam com a música que vigorava no país: canções com muitos instrumentos, figurinos espalhafatosos e tons muitas vezes dramáticos. Os que não gostavam do estilo preferiam um gênero mais intimista, muitas vezes apenas com violão ou piano, e cantando baixinho.

O disco que marcou a Bossa Nova foi o Chega de Saudade, lançado em 1958 por João Gilberto.

Em termos políticos, durante esse período (entre 1955 e 1960), o país vivia uma fase desenvolvimentista levada a cabo por Juscelino Kubitscheck.

Capa do LP Chega de Saudade, que marcou o início da Bossa Nova.
Capa do LP Chega de Saudade, que marcou o início da Bossa Nova.

A Bossa Nova ganhou o solo norte-americano pela primeira vez em 1962, em um show realizado em Nova Iorque (no Carnegie Hall). O espetáculo contava com grandes nomes da música brasileira como Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra e Roberto Menescal.

O entusiasmo com a música brasileira cresceu tanto que, em 1966, Frank Sinatra convidou Tom Jobim para criar um disco em conjunto. O disco, chamado Albert Francis Sinatra & Antonio Carlos Jobim, foi lançado em 1967 e continha a música The Girl From Ipanema.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).