15 incríveis poemas curtos
1. O último poema do último príncipe, de Matilde Campilho
Era capaz de atravessar a cidade em bicicleta só para te ver dançar.
E isso
diz muito sobre minha caixa torácica.
A jovem poeta portuguesa Matilde Campilho (1982) sintetizou em três versos a entrega de uma relação amorosa. No poema o sujeito, arrebatado, promete largar tudo e percorrer a cidade só para ver o amado dançar.
Com humor, a conclusão do poema apresenta uma dupla leitura. Por um lado fala do outro - os versos deixam claro o tamanho do afeto que o eu-lírico cultiva pelo amado. Por outro lado, aborda a relação do sujeito poético com o próprio corpo - cruzar uma cidade de bicicleta também fala sobre o próprio fôlego de quem se dispõe a tal feito.
2. Amor punk, de Nicolas Behr
aquele beijo na boca
que você me deu
semana passada
tá doendo até hoje
Um expoente da geração mimeógrafo, Nicolas Behr (1958), nascido em Cuiabá, escreveu sobre uma relação arrebatadora em Amor punk.
Em quatro versos vemos como um beijo na semana anterior reverberou no sujeito poético de modo intenso e, como um gesto pequeno - um único beijo -, foi capaz de deixar marcas naquele que o recebeu.
3. Liberdade na vida, de Fabrício Carpinejar
Liberdade na vida
é ter um amor
para se prender.
O poeta e jornalista Fabrício Carpinejar (1972) é autor de romances, crônicas e poemas que dão voz aos apaixonados. Um dos principais temas da sua obra é mesmo o amor, como se pode notar nos versos de Liberdade na vida.
O poema fala sobre dois sentimentos que, em geral, as pessoas colocam em polos opostos. De um lado, é habitual associar a liberdade à solteirice, de outro, associam frequentemente o relacionamento a uma prisão.
Carpinejar brinca com esses pressupostos ao afirmar que a liberdade real existe quando temos alguém a quem queremos nos sentir presos.
4. amar à vista!, de Gonzaga Neto
disse o marujo
ao chegar
em abraço firme!
Gonzaga Neto é um escritor brasileiro contemporâneo nascido em Natal que divulga os seus versos curtos pela internet.
Em amar à vista!, o poeta usa a metáfora da navegação para falar da sensação de arrebatamento que se sente quando estamos apaixonados.
Nos versos é como se aquele que ama só achasse refúgio depois de encontrar o abraço da amada.
5. Rápido e rasteiro, de Chacal
Vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.
aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida.
Em apenas seis versos e poucas palavras, a criação de Chacal incentiva que o leitor passe pela vida de modo a se guiar por uma filosofia baseada no prazer.
O poema pode ser lido como uma metáfora. Se por acaso algum problema surgir que o impeça de aproveitar o bom momento (como o sapato serviu de empecilho para continuar a dança), mais vale se livrar rapidamente do problema para continuar com o mesmo estado de espírito de antes.
Chacal (1951) é o nome artístico do escritor Ricardo de Carvalho Duarte. O importante poeta brasileiro contemporâneo é membro da geração mimeógrafo, que costuma criar versos breves e diretos como Rápido e rasteiro.
6. Lar doce lar, de Cacaso
Minha pátria é minha infância:
Por isso vivo no exílio.
Professor universitário, poeta, letrista, o mineiro Cacaso (1944-1987) foi um dos grandes nomes da poesia marginal. Publicou o seu Lar doce lar no livro Na corda bamba: poesia (1978).
O brevíssimo poema tem apenas duas linhas magistralmente compostas e nelas Cacaso é capaz de condensar enorme sabedoria. Na primeira delas lemos que a noção de pertencimento não está ligada a um país (como é habitual se pensar), mas sim ao seu próprio passado.
Como essa fase da vida passou, o sujeito poético se sente permanentemente isolado, como se fosse para sempre um desterrado.
7. Amor é aquela festa surpresa, de Zack Magiezi
Amor é aquela festa surpresa
Que você realmente não sabe
Quando vai acontecer
O escritor paulistano Zack Magiezi ficou conhecido do grande público escrevendo pequenos poemas numa antiga máquina de escrever que tinha e publicando as imagens no seu Instagram pessoal.
O poema de Magiezi contém apenas três versos e fala sobre a imprevisibilidade do amor que, tal como uma festa surpresa, aparece para as pessoas de uma forma inesperada.
8. Recuperação da adolescência, de Ana Cristina César
é sempre mais difícil
ancorar um navio no espaço
Dois versos: foi esse o espaço que Ana Cristina César (1952-1983) precisou para criar a belíssima imagem presente em Recuperação da adolescência. (publicado no livro independente Cenas de abril, em 1979).
O lugar da adolescência é conhecido pela instabilidade e a poeta carioca quis falar do dia seguinte desse período, do momento de assentar as bases para a vida adulta. A imagem sensível que Ana Cristina usou foi ligada à navegação e à impossibilidade de atracar um navio onde ainda não há estabilidade.
9. Incenso fosse música, de Leminski
isso de querer
ser exatamente aquilo
que a gente é
ainda vai
nos levar além
Quinte palavras organizadas em cinco versos: essa é a sucinta lição dada pelo curitibano Leminski (1944-1989) em Incenso fosse música.
Publicado no livro Distraídos venceremos (1987), um clássico da poesia contemporânea, o poema é um convite a um movimento de instrospecção e autoconhecimento. Com uma linguagem coloquial, o sujeito poético que devemos mergulhar no fundo do nosso eu para compreendermos quem somos e, assim, podermos crescer.
Se gostar do trabalho do poeta não perca a leitura do artigo Os melhores poemas de Leminski.
10. Câmara de ecos, de Waly Salomão
Cresci sob um teto sossegado
meu sonho era um pequenino sonho meu.
Na ciência dos cuidados fui treinado.
Agora, entre meu ser e o ser alheio,
A linha de fronteira se rompeu.
Publicado no livro Algaravias: câmara de ecos (1996), o poema Câmara de ecos aborda a origem e os desdobramentos do sujeito poético. Os cinco versos falam do presente olhando para trás, enxergando no passado as explicações para o sujeito se tornar aquilo que virou.
A poesia, que era habitualmente declamada pelo escritor, trata das raízes do eu-lírico. Ela fala também da nossa multiplicidade humana, da identidade do sujeito poético não ser algo fixo e estático, mas sim uma composição em permanente movimento.
Waly Salomão (1943-2003) foi um dos maiores nomes da poesia marginal.
11. Poeminho do contra, de Mário Quintana
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!
Um dos poemas mais famosos do escritor gaúcho Mário Quintana (1902-1987) é Poeminho do contra. A composição de quatro versos que brinca com o futuro do verbo passar (passarão) e o animal (passarinho).
O jogo com as palavras apesar de parecer superficial numa primeira leitura é, na verdade, uma sabedoria concentrada em poucos versos. De modo ligeiro, o eu-lírico nos ensina a lidar com os imprevistos e a contornar os problemas com delicadeza, suavidade e persistência.
O título do poema (do contra) já aponta para essa necessidade de resistirmos e fazermos frente aquilo que nos contraria.
Conheça uma análise aprofundada dos versos lendo o artigo Poeminho do Contra, de Mario Quintana.
12. Amor, de Oswald de Andrade
Humor.
O poema-pílula do escritor modernista de Oswald de Andrade (1890-1954) contém apenas duas linhas: o título (amor) e um verso (humor).
Considerado também como um poema-piada, a construção faz, ao mesmo tempo, com que o leitor ria e reflita, embora seja tido por muitos como uma simples brincadeira com as palavras.
Num espaço muito reduzido Oswald dessacraliza a relação amorosa e a vê de uma forma mais descompromissada e leve.
13. Todas as coisas, de Arnaldo Antunes
Todas as coisas
do mundo não
cabem numa
idéia. Mas tu-
do cabe numa
palavra, nesta
palavra tudo.
Mais conhecido pela música do que propriamente pelos versos, o paulista Arnaldo Antunes (1960) é também um importante poeta do movimento concretista.
Em Todas as coisas o autor lança as bases para se discutir a questão da linguagem e da representação. Em sete versos rápidos o leitor recebe uma dose simples de reflexão sobre o que as palavras dizem, o que cabe dentro delas e o que com elas não conseguimos comunicar.
O poema está no livro As coisas, que ganhou em 1993 o prêmio Jabuti na categoria Poesia.
14. Quando faltou luz, de Alice Sant'Anna
quando faltou luz
ficou aquele breu e eu
com as mãos tremendo
morta de medo
de tudo se iluminar
de repente
O enxuto poema Quando faltou luz parece mais uma fotografia tirada pela poeta jovem carioca Alice Sant'Anna (1988).
Os versos, extremamente visuais, falam de um momento específico de desorientação e incerteza, quando o medo toma conta do sujeito. Perdido, depois de uma queda de energia, sente no corpo as consequências da escuridão.
O medo aqui, curiosamente, parece não ser de nada concreto que se possa passar lá fora (um assalto, um acidente), mas sim de que essa pauta dê lugar a uma enorme revelação.
O poema está inserido na coletânea Dobradura (2008).
15. Disseram na Câmara, de Francisco Alvim
Quem não estiver seriamente preocupado e
perplexo
não está bem informado
O mineiro Francisco Alvim (1938) publicou no livro Dia sim dia não (1978) o poema Disseram na Câmara. Apesar de ter sido escrito no final dos anos 1970, permanece atual, de certa forma.
Os versos foram escritos no contexto pós-ditadura militar. Apesar de não estarmos mais sobre a ameaça de retornarmos aos anos de chumbo, vivemos ainda com uma série de incertezas políticas que nos assolam.
No título do poema há uma única referência ao contexto político (o espaço da Câmara), mas pode ser interpretado de uma forma mais ampla. Os versos nos falam da preocupação de quem está informado versus a ingenuidade de quem não se sente em sobressalto porque desconhece as informações.
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