7 poemas sobre infância comentados


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

O começo das nossas vidas é uma fase marcante que muitos recordam com carinho e saudade. Associada à inocência, à alegria e também à descoberta do mundo, a infância se tornou tema de muitas composições poéticas de grande beleza, pelo mundo inteiro.

Confira, abaixo, os poemas da língua portuguesa que selecionamos, acompanhados por uma breve análise:

1. Infância, de Manoel de Barros

Coração preto gravado no muro amarelo.
A chuva fina pingando... pingando das árvores...
Um regador de bruços no canteiro.

Barquinhos de papel na água suja das sarjetas...
Baú de folha-de-flandres da avó no quarto de dormir.
Réstias de luz no capote preto do pai.
Maçã verde no prato.

Um peixe de azebre morrendo... morrendo, em
dezembro.
E a tarde exibindo os seus
Girassóis, aos bois.

Manoel de Barros (1916 – 2014) foi um escritor brasileiro do século XX, lembrado principalmente pela sua relação de proximidade com a natureza.

Na composição acima, publicada em Poesias (1956), o sujeito cita aquilo que via na época em que era criança. Além da vida que existia em seu jardim, ele vai enumerando algumas memórias como ruas, móveis, roupas e até alimentos.

Deste modo, o eu-lírico pinta um retrato da sua infância, a partir de "retalhos" que vai lembrando e transformando em versos.

2. Evocação do Recife, de Manuel Bandeira

Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:
Roseira dá-me uma rosa
Craveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosa
Terá morrido em botão...)
De repente
nos longos da noite
um sino
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

O poema do pernambucano Manuel Bandeira (1886 – 1968), integrante da Geração de 22, foi publicado no livro Libertinagem (1930). Na obra, são evidentes as influências modernistas, como o verso livre e as temáticas cotidianas. Em "Evocação do Recife", o poeta declara o seu amor pela cidade onde nasceu.

No trecho que apresentamos acima, podemos encontrar lembranças distintas que o eu-lírico conserva na sua memória, tantos anos mais tarde. Os versos mencionam as brincadeiras, as pessoas e até os costumes locais.

A saudade que o sujeito transmite através das suas palavras contrasta com o desejo antigo de crescer, de ser adulto e estar pronto para enfrentar os percalços da vida.

3. Quando as crianças brincam, de Fernando Pessoa

Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância
Que não tive me vem,
Numa onda de alegria
Que não foi de ninguém.

Se quem fui é enigma,
E quem serei visão,
Quem sou ao menos sinta
Isto no coração.

Um dos maiores poetas da língua portuguesa, Fernando Pessoa (1888 – 1935) produziu uma obra vasta e diversificada que se tornou uma influência internacional.

A composição que destacamos foi escrita em setembro de 1933 e, mais tarde, incluída na coletânea Poesias (1942). Um dos temas que se repetem na lírica pessoana é a nostalgia da infância, algo que atravessa "Quando as crianças brincam".

Nestes versos, percebemos que o eu-lírico associa a experiência de ser criança ao sentimento de alegria. Logo abaixo, descobrimos que suas próprias memórias desse tempo não são assim tão felizes.

Se torna notório que esta noção de infância foi idealizada pelo sujeito, virando uma espécie "paraíso perdido" que talvez não tenha existido nunca.

4. Para ir à lua, de Cecília Meireles

Enquanto não têm foguetes
para ir à Lua
os meninos deslizam de patinete
pelas calçadas da rua.

Vão cegos de velocidade:
mesmo que quebrem o nariz,
que grande felicidade!
Ser veloz é ser feliz.

Ah! se pudessem ser anjos
de longas asas!
Mas são apenas marmanjos.

Consagrada entre leitores de várias idades, Cecília Meireles (1901 – 1964) foi uma escritora e educadora brasileira que dedicou grande parte da sua obra ao público mais jovem.

A composição "Para ir à lua" foi publicada no livro de poesia infantil Ou isto ou aquilo (1964). Nestes versos, a autora se debruça sobre o poder da imaginação que existe em todas as crianças.

Quando estão brincando, os garotos até correm alguns riscos, mas não se preocupam com nada; eles apenas querem se divertir. Imaginando que vão chegar até à lua, transmitem ao leitor uma sensação de leveza que falta muitas vezes na vida adulta.

5. Infância, de Carlos Drummond de Andrade

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia
Eu sozinho, menino entre mangueiras
lia história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... não corde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito
E dava um suspiro... que fundo !

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

Considerado o maior poeta nacional do século XX, Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987) encabeçou a segunda geração do modernismo brasileiro.

A composição "Infância" foi publicada em Poesia e Prosa (1988); posteriormente, o texto foi integrado na Antologia Poética do autor. Os versos tiveram inspiração na própria biografia de Drummond, que cresceu em Minas Gerais, num meio rural e tranquilo do qual sentia saudades.

Quando criança, o sujeito ficava em casa com a mãe e o pequeno irmão, enquanto o pai saía para trabalhar na roça. Apelando aos diversos sentidos, ele recorda imagens, sons, sabores e aromas.

Enquanto lia as histórias de Robinson Crusoé, o garoto sonhava com uma vida de aventuras. Agora, mais velho, ele consegue olhar para o passado e enxergar a beleza na simplicidade de tudo que viveu.

6. Meus oito anos, de Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!

Um autor influente do século XIX, Casimiro de Abreu (1839 – 1860) pertenceu à segunda geração do modernismo brasileiro. O poema que selecionamos, publicado na coletânea As Primaveras (1859), é um dos mais célebres do escritor.

Aqui, podemos vislumbrar um pouco da infância idílica descrita pelo sujeito. Além de mencionar emoções como a alegria e a esperança que sentia naquele tempo, ele também refere as paisagens, os cheiros, os frutos e as flores que costumavam rodeá-lo.

Assim como grande parte da sua obra, a composição foi escrita durante o período em que Casimiro de Abreu viveu em Portugal. Nas correspondências da época, é visível o seu desejo de regressar ao país onde nasceu e cresceu.

Os versos de "Meus oito anos", dos quais só apresentamos um trecho, narram sua saudade do Brasil, assim como os encantos da nação.

7. Algumas proposições com crianças, de Ruy Belo

A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
é o elemento próprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

Ruy Belo (1933 – 1978) foi um poeta português que se tornou uma das principais vozes literárias da sua geração. Na composição que integra o livro Homem de Palavra(s) (1970), o autor reflete sobre o que significa, afinal, ser criança.

Segundo este sujeito, a infância se manifesta como uma espécie de encantamento que nos domina, moldando a forma como vemos o mundo todo. Mesmo estando limitada ao pouco que conhece, a criança ainda não sabe os perigos que corre, por isso é corajosa: essa é a sua sabedoria.

Já adulto, o eu-lírico procura um pouco da inocência e da curiosidade que tinha no passado, ainda que saiba que as vivências de antes não vão se repetir jamais.

Relembrando essa época de descobertas variadas, o sujeito termina com uma prece, pedindo a Deus que continue colocando surpresas e transformações no seu caminho.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.