Poema Trem de ferro, de Manuel Bandeira (com análise)


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

O poema Trem de ferro foi escrito em 1936 e é dos mais consagrados trabalhos do poeta modernista Manuel Bandeira (1886-1968).

Com muito ritmo e musicalidade, os versos marcados pela oralidade são o retrato de uma época do Brasil.

Poema Trem de ferro

Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isto maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá

Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no Sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...

Análise de Trem de Ferro

Com um ritmo acelerado, mimetizando o barulho de um trem, Bandeira registra uma cena de uma viagem do coletivo, e o poema, dado alguns pormenores, consegue provocar identificação nos leitores até os dias de hoje.

Um retrato tipicamente brasileiro

A criação de Bandeira se inicia com a imagem do café com pão, que faz parte do dia a dia da alimentação tradicional dos brasileiros.

O eu-lírico se identifica como tendo nascido no sertão ("Sou de Ouricuri") e vemos o registro da sua fala marcada pela oralidade. Ele afirma que não gosta de onde está justificando o fato usando como argumento o seu lugar de origem.

Não gosto daqui
Nasci no Sertão

Para além da fala do sujeito poético, a linguagem com que o poema é construído faz referência também a uma literatura mais popular, mais próxima das experiências cotidianas das pessoas.

A importância da velocidade e do movimento no poema

O escritor retrata a viagem de um trem a vapor e não elétrico (repare nos versos "Voa fumaça", que discretamente revela essa condição mais arcaica do veículo). Os versos, pelo som, aludem a um trem desse gênero em movimento, contra os trilhos.

Com o passar dos versos observamos imagens velozes que cruzam a janela. É, no entanto, a partir da terceira estrofe que o trem ganha velocidade (observe os verbos usados, por exemplo, "Foge"). O eu-lírico descreve a paisagem que vê da janela. A velocidade e o som espantam os animais que aparecem pelo caminho.

Sobre a linguagem utilizada em Trem de ferro

A criação de Manuel Bandeira é especialmente marcada pela musicalidade. Os versos curtos e rápidos transmitem a ideia de velocidade, contendo muita repetição e uma pontuação livre.

Em Trem de ferro encontramos uma linguagem cotidiana muito caracterizada pela presença da oralidade de um falante do interior (repare na escolha da escrita das palavras "Vige Maria", "prendero", "oficiá", "imbora").

Contexto histórico da criação do poema

É interessante sublinhar que a revolução industrial no Brasil engatou no princípio da década de 30. O café, escolhido por Bandeira para figurar logo no princípio do poema, foi o produto de destaque na produção brasileira, sendo muito exportado.

Os trens tinham uma importância crucial nesse contexto porque eram responsáveis por escoar a produção dos centros produtores rumo às cidades e aos portos de onde saíam do Brasil.

Além de ser um belo exemplar lírico que cativa o leitor, o poema Trem de ferro é também um retrato da sociedade do tempo do poeta.

Sobre a publicação do poema Trem de Ferro

O poema foi lançado originalmente em 1936, inserido no livro Estrela da Manhã.

A, obra de setenta páginas, foi publicada quando Bandeira tinha 50 anos e já havia publicado quatro obras que o haviam consagrado. Ainda assim, o escritor não conseguiu editora que o publicasse e contou com o apoio de cinquenta amigos que financiaram a sua obra.

estrela da manhã

A publicação, que contou com apenas cinquenta exemplares, reuniu vinte e oito poemas e tem na capa e na folha de rosto uma ilustração de Santa Rosa além da reprodução de um desenho de Manuel Bandeira feito por Portinari.

O título do livro é inspirado no poema Estrela da manhã, incluído na obra. O poema contém versos de amor inspirados em Maria Henriqueta Barrozo do Amaral, na ocasião paixão do escritor.

As versões musicadas de Trem de Ferro

Os versos de Trem de Ferro foram musicados duas vezes, a primeira delas por Villa-Lobos (1887-1959) e, mais tarde, por Antônio Carlos Jobim (1927-1994).

Ao lado de Villa-Lobos, o primeiro parceiro musical de Bandeira, os dois desenvolveram quinze composições, muitas delas não foram sequer gravadas. Outras, no entanto, ficaram eternizadas como é o caso de Debussy, O anjo da guarda e Trem de ferro.

Jobim, por sua vez, musicou o poema muito mais tarde. Depois da morte do escritor, Olivia Hime, em 1986, desenvolveu um projeto para musicar os versos de Bandeira. Foi nessa ocasião, a convite, portanto, que Jobim musicou Trem de ferro.

Um breve biografia de Manuel Bandeira

Nascido no Recife, no dia 19 de abril de 1886, Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho se tornou um dos maiores nomes da literatura brasileira.

O jovem se mudou para São Paulo e, em 1903, começou o curso de Arquitetura na Escola Politécnica. Por conta de uma tuberculose, um ano depois precisou interromper os estudos e se mudou para o Rio de Janeiro, tendo ido depois parar na Suíça para se tratar da doença.

Manuel Bandeira

Bandeira regressou ao Brasil somente em 1914, no princípio da guerra. De volta a sua terra natal, se aproximou dos autores modernistas e fez barulho com o Poema Os sapos, lido pelo amigo Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna de 1922.

O primeiro livro do autor, Poesias, foi lançado em 1924. Depois Bandeira ainda lançou uma série de obras e criou grandes poemas que se tornaram clássicos como Vou-me embora pra Pasárgada.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).