Poema O Bicho de Manuel Bandeira com análise e significado


Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

O poema O Bicho, escrito pelo autor pernambucano Manuel Bandeira (1886 - 1968), tece uma dura crítica social à realidade brasileira dos anos quarenta.

Conciso, o poema faz, com precisão, um registro da miséria humana. Conheça sua análise aprofundada abaixo:

O Bicho, de Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Análise do poema O Bicho estrofe a estrofe

Escrito no Rio de Janeiro, no dia 27 de dezembro de 1947, o poema retrata a realidade social do Brasil imerso na miséria durante a década de quarenta. Aparentemente simples, mas afinal desconcertante, o poema denuncia uma ordem social fraturada.

Bandeira demonstra ter capacidade de transformar uma cena triste e cruel em poesia. Ao olhar para a exclusão experienciada na paisagem de um grande centro urbano, o poeta denuncia o abismo social tão típico da sociedade brasileira.

Primeiro terceto

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Na apresentação da cena inicial, vemos o sujeito se debruçar sobre o cotidiano e usar como material poético as cenas do dia a dia.

Logo na primeira aparição do bicho sabemos mais sobre o lugar e o tempo no qual se encontrava, e o que ele estava fazendo.

Imerso num contexto sujo, o animal se alimenta do que a sociedade desperdiça. Em busca de comida, o bicho vasculha o que jogamos fora

Segundo terceto

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

Esse segundo trecho não aborda mais propriamente o bicho, mas a sua atitude, o seu comportamento naquela situação específica.

Nesta passagem, percebemos a dificuldade da criatura encontrar comida e a sua afobação ao se deparar com algo que pode servir de alimento ("não examinava nem cheirava").

O último verso, "Engolia com voracidade.", fala da fome, da pressa, da urgência de se atender as necessidades básicas do corpo que clama por comida.

Terceiro terceto

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

No último terceto o eu-lírico tenta definir que bicho seria aquele. Procurando adivinhar, ele enumera animais habitualmente encontrados nas ruas. Enquanto o Homem vive em casas, os bichos vivem na rua, espaço público destinado ao abandono.

A organização do verso faz crer que o eu-lírico irá mencionar outro bicho, ficamos em suspenso até o último verso sem saber de qual criatura se trata.

Último verso

O bicho, meu Deus, era um homem.

Qual não é o espanto quando o leitor descobre que se trata de um ser humano. Só nesse momento percebemos como o homem afinal é equiparado a um bicho, reduzido a sua necessidade de sobrevivência, humilhado ao vasculhar comida entre detritos.

Esse verso denuncia a miséria e a pobreza, tão características de realidades com enorme abismo social. O Bicho escandaliza o leitor pela sua construção, que nos deixa em suspense, e depois pela triste constatação da circunstância social que impõe a degradação do ser humano.

A expressão "meu Deus", já no final do poema, revela um misto de surpresa e horror.

Formato do poema O Bicho

O poema possui um formato conciso, condensado, sendo composto por três tercetos e um verso final solto. Manuel Bandeira usa uma linguagem popular, acessível a todos, com uma construção poética realizada a partir do verso livre.

Apesar da palavra "bicho" aparecer três vezes ao longo do poema (e ser o título da criação), a construção só revela a situação do homem equiparado ao bicho no último verso, deixando o leitor às escuras durante praticamente toda a leitura.

Características do Modernismo em O Bicho

O Bicho é um típico exemplar da poesia modernista. Trata-se de uma lírica muito ligada ao seu tempo, que denuncia os problemas sociais da época.

A poesia aqui é encarada como uma ferramenta de protesto; convém lembrar que a poesia dos anos 30 foi especialmente engajada e os versos passaram de um objetivo estético a um projeto ideológico.

Manuel Bandeira registra as tragédias do cotidiano e tem a consciência de que essa não poderia ser uma cena passada em branco. O poeta entende que tem um compromisso social e possui a consciência de que a poesia não pode ficar restrita a uma abordagem individualista.

Este modo de encarar o fazer poético se alinha com o de muitos outros poetas da sua geração. Os modernistas acreditavam que estavam a serviço da cultura popular e tinham como objetivo fazer o público refletir sobre o cotidiano, sobre a desigualdade socialdo nosso país e sobre a dificuldade de se viver numa grande metrópole brasileira.

Uma breve biografia do poeta Manuel Bandeira

Manuel Bandeira, o célebre escritor brasileiro, nasceu em Pernambuco no dia 19 de abril de 1886, no berço de uma família abastada. Aos dezesseis anos migrou com os pais para o Rio de Janeiro.

O poeta ingressou no curso de arquitetura, mas acabou abandonando a faculdade ao contrair uma tuberculose.

Retrato de Manuel Bandeira
Retrato de Manuel Bandeira

Apaixonado pelas Letras, Bandeira se tornou professor, escritor, crítico literário e de arte. O seu primeiro livro publicado foi A cinza das horas.

Tido como um dos grandes nomes do Modernismo brasileiro, ele é autor dos célebres poemas Pneumotórax, Os Sapos e Vou-me Embora pra Pasárgada. O escritor faleceu no dia 13 de outubro de 1968, aos 82 anos.

Conheça também

Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.
Rebeca Fuks
Edição por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).