Os fins justificam os meios (frase explicada)


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

A frase "Os fins justificam os meios" jamais chegou a ser proferida pelo italiano Nicolau Maquiavel, embora frequentemente a citação seja associada a ele.

A oração pode até ser considerada uma síntese redutora do tratado político O príncipe, escrito pelo pensador, mas a verdade é que o intelectual jamais redigiu tal oração.

A frase "Os fins justificam os meios" sugere que, com o intuito de se alcançar determinado objetivo, seria aceitável tomar qualquer atitude.

No universo da política, muitas vezes a frase atribuída a Maquiavel é utilizada para caracterizar autoridades que, para cumprirem suas vontades pessoais, tecem acordos e alianças questionáveis.

É frequente a associação desta oração com regimes totalitários e ditaduras que, para se manterem no poder, usam ferramentas antiéticas e muitas vezes desumanas como a tortura, a chantagem, a censura e a corrupção.

Exemplos na história não faltam: Hitler (Alemanha), Stálin (União Soviética), o recente Kim Jong Un (líder da Coreia do Norte). Em termos nacionais basta lembrar alguns ditadores como Geisel, Médici, Figueiredo.

A frase supostamente maquiavélica citada também pode ser associada a tão cotidiana constatação "ele rouba, mas faz". Essa segunda frase sugere que o importante é realizar determinados feitos, ainda que a autoridade em questão tenha sido desonesta para alcançar tal objetivo.

Quem é o autor da frase?

Apesar da frase ser atribuída a Maquiavel, é um consenso entre os estudiosos da obra do pensador italiano que tal oração jamais foi escrita pelo autor.

O que Maquiavel faz em seu tratado O príncipe é recomendar que os governantes usem meios justos, mas, caso seja necessário, façam uso de recursos injustos para se manterem no poder.

Quem foi Nicolau Maquiavel?

Filósofo e político italiano, um dos grandes nomes do Renascimento, Niccolò di Bernardo Machiavelli (em português conhecido apenas como Nicolau Maquiavel), nasceu em Florença, no dia 3 de maio de 1469

Foi diplomata e conselheiro político, teve os primeiros estudos em humanidades incentivado pelo pai, um advogado estudioso e intelectual.

Viveu apenas cinquenta e dois anos, mas teve acesso a um panorama da vida política do seu país e atualmente é considerado o pai da política moderna.

Em 1498, aos 29 anos, Maquiavel alcançou seu primeiro cargo público ocupando a segunda chancelaria. Esteve por dentro dos bastidores do poder da cena italiana durante um período histórico violento e instável. Testemunhou cenas de tortura, chantagem e corrupção.

O pensador investigou as entranhas do poder, as lógicas ocultas (e muitas vezes condenáveis) que guiavam os governantes.

Em carta enviada por Maquiavel a Francesco Vettori, Embaixador florentino em Roma, em 1513, o autor confessa:

O destino determinou que eu não saiba discutir sobre a seda, nem sobre a lã; tampouco sobre questões de lucro ou de perda. Minha missão é falar sobre o Estado. Será preciso submeter-me à promessa de emudecer, ou terei que falar sobre ele.

Maquiavel fez parte do alto escalão do governo até a família Médici voltar ao poder, quando então foi preso, torturado e deportado.

Escreveu o tratado O príncipe no campo, onde permaneceu o resto dos seus dias. Morreu anônimo, no dia 21 de junho de 1527.

Estátua de Maquiavel.
Estátua de Maquiavel.

Adjetivo maquiavélico

O nome próprio do intelectual italiano virou adjetivo e hoje é relativamente comum ouvirmos que "Fulano é maquiavélico".

A definição transcende caracterizações políticas e é utilizada para qualificar sujeitos sem escrúpulos, traiçoeiros, espertos, movidos pela astúcia e sem respeito as leis morais.

O adjetivo é sempre utilizado em sentido pejorativo.

A obra "O príncipe" de Maquiavel

A principal obra de Maquiavel foi O príncipe, escrita em 1513 e publicada em 1532. Trata-se de um tratado breve (com pouco mais de cem páginas) - uma espécie de manual - que propõe a separação entre a moral religiosa e a ética política.

O texto é profundamente sincero, chegando por vezes a ser considerado cruel:

Chegamos assim à questão de saber se é melhor ser amado do que temido. A resposta é que seria desejável ser ao mesmo tempo amado e temido, mas que, como tal combinação é difícil, é muito mais seguro ser temido, se for preciso optar.

A publicação causou um verdadeiro rebuliço na sociedade do século XVI porque expunha os métodos de funcionamento da engenhosa máquina da política, deixando claro que muitas vezes a justiça não era tida em conta como um valor norteador.

A Igreja Católica chegou a catalogar O príncipe no Índex dos Livros ­Proibidos durante o concílio de Trento.

Vale retomar um pouco do que se passava na Itália naquele momento histórico. Maquiavel testemunhou um Estado fragmentado e polarizado, com diversos centros de poder espalhados pelo território, tendo assistido inúmeras disputas pontuais.

Fato é que o tratado político O príncipe é das obras mais importantes do curso de ciências políticas, sendo leitura obrigatória para diversas graduações como Direito, Relações Internacionais e Filosofia.

Conheça alguns trechos celebres da obra de Maquiavel na seção a seguir.

Frases famosas de O príncipe

Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados.

Não se afaste do bem, mas saiba valer-se do mal, se necessário.

Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora.

Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta.

Para bem conhecer o caráter do povo, é preciso ser príncipe e, para bem entender o do príncipe, é preciso ser do povo.

Não obstante, o príncipe deve fazer-se temer de modo que, mesmo que não ganhe o amor dos súditos, pelo menos evite seu ódio.

Leia na íntegra

O tratado O príncipe está disponível para download em português, em formato PDF.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).