As músicas mais importantes de Noel Rosa (comentadas)


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Noel Rosa (1910 — 1937) foi um cantor, compositor e músico carioca que se destacou sobretudo como sambista.

Seu legado para o universo do samba e da música popular brasileira em geral é de um valor incalculável e deixou enormes influências e clássicos atemporais:

1. Com que Roupa? (1929)

Embora pertencesse à classe média e tivesse frequentado a faculdade, Noel Rosa acabou se apaixonando pelo samba e pela boemia carioca, abandonando os estudos e se dedicando plenamente à música.

Com que Roupa? foi o primeiro grande sucesso na carreira do artista, marcando seu tom humorístico e focado em cenas do cotidiano. Segundo algumas teorias, o tema foi inspirado num episódio real da sua vida: quando foi convidado para sair com um grupo de amigos, a mãe não permitiu e escondeu todas as suas roupas.

Pois esta vida não está sopa
E eu pergunto: com que roupa?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou?

No entanto, outras interpretações do clássico apontam que se trata de uma metáfora para as dificuldades econômicas de um povo que não tinha posses, mas continuava lutando para manter o alto-astral.

2. Fita Amarela (1932)

Na música bem-humorada e ousada para a época, o compositor satiriza até a própria morte. Inspirado na figura do malandro, muito presente nas suas canções, este sujeito declara o seu amor, alegando que vai desejar aquela mulher até depois de morto.

Declarando que não quer as homenagens fúnebres típicas do catolicismo, ele afirma que prefere uma fita amarela, associada a Oxum, uma importante orixá do candomblé e da umbanda, responsável pelo poder feminino.

Quero que o sol, não invada o meu caixão
Para a minha pobre alma não morrer de insolação
Quando eu morrer, não quero choro nem vela
Quero uma fita amarela gravada com o nome dela
Se existe alma, se há outra encarnação
Eu queria que a mulata sapateasse no meu caixão

Contando que necessita da música e dos instrumentos para sobreviver, o homem não nega as falhas da vida que leva: falta de dinheiro, dívidas, etc.

No entanto, ele brinca com a situação e aponta a hipocrisia, falando que será perdoado e até elogiado quando deixar este mundo.

3. Conversa de Botequim (1935)

Uma das músicas mais populares e regravadas de Noel Rosa, Conversa de Botequim foi composta com a participação de Osvaldo Gogliano, mais conhecido como Vadico.

A letra encena as falas de um freguês que se dirige ao garçom de um bar, fazendo pedidos cada vez mais inusitados. Sem pudores, ele se instala no local que mais tarde até refere como “nosso escritório”.

Seu garçom me empresta algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente

O tema se foca em episódios da vida cotidiana que aconteciam nos bares do Rio de Janeiro, brincando com alguns comportamentos que eram associados à malandragem, como pendurar a conta e jogar no bicho.

4. Último Desejo (1937)

Último Desejo também tem composição de Vadico e foi escrita quando Noel já estava sofrendo de tuberculose. O tema é apontado como uma forma do artista se despedir do seu grande amor, Juraci Correia de Moraes, uma bailarina de cabaré.

Consciente de que a sua vida poderia estar chegando ao fim, este sujeito começa a pensar nos modos como seria lembrado pelos outros e, sobretudo, pela mulher que ama.

Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim

Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim

De uma forma extremamente sincera, afirma que quer ser recordado com carinho e saudades por ela. No entanto, para a opinião pública, e na boca de seus rivais, deseja ser eternizado como alguém que só se importava com as festas e o samba.

5. Feitiço da Vila (1934)

Conhecido como o "Poeta da Vila", Noel Rosa nasceu no bairro de Vila Isabel, um dos mais importantes berços do samba carioca.

Algumas fontes apontam que o tema, que é um dos mais tocados do músico, teria sido criado durante uma rivalidade com o compositor Wilson Batista.

Nos famosos versos, o ritmo é representado como parte da natureza, algo que estava no sangue dos moradores daquele local.

Eu sei por onde passo
Sei tudo o que faço
Paixão não me aniquila
Mas tenho que dizer
Modéstia à parte
Meus senhores
Eu sou da Vila!

Falando do samba como o melhor produto do Rio de Janeiro, a canção descreve a sonoridade como um feitiço que contagia todos em volta. Assim, a composição é uma homenagem e uma declaração de amor ao lugar onde o artista nasceu.

6. Filosofia (1933)

Uma característica marcante na obra de Noel Rosa, que conta com centenas de composições, é seu olhar atento e crítico sobre a sociedade contemporânea.

Nesta letra o sujeito desabafa acerca da situação precária em que vive, contando que os outros o criticam, mas não ligam para as privações que passa.

Consciente de que é mal visto por muitas pessoas, este indivíduo não se incomoda, porque dedica a vida àquilo que mais ama: o samba.

Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga
Pois cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo

Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas não compra alegria
Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia

Nestes versos, Noel Rosa tem a oportunidade de responder, apontando que muitos podem ter dinheiro, mas não têm sinceridade nem alegria.

Filosofia se tornou mais célebre entre o público em 1974, quando foi regravada por Chico Buarque no disco Sinal Fechado. Já que, na época, o artista tinha suas composições censuradas e não podia cantá-las, decidiu reunir várias canções nacionais que tinham um teor contestatário.

Quem foi Noel Rosa?

Noel Rosa nasceu em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, dia 11 de dezembro de 1910. O parto foi complexo e exigiu o uso de fórceps, o que prejudicou o desenvolvimento da sua mandíbula.

Nascido numa família de classe média, o artista teve acesso a bons colégios e chegou a ingressar na Faculdade de Medicina, mas a paixão pela música sempre falou mais alto que o interesse nos estudos acadêmicos.

Frequentador dos bares e botequins do Rio, Noel Rosa começou a se tornar uma figura conhecida da boemia local. Foi nesse contexto que ele aprendeu a tocar bandolim e violão, começando a fazer parte de alguns conjuntos musicais.

Retrato de Noel Rosa

Lembrado como um homem de muitas paixões, o sambista casou com Lindaura Martins, mas mantinha outros relacionamentos. Entre eles se destaca o romance com a dançarina Juraci Correia de Araújo, mais conhecida por Ceci, que terá inspirado várias canções.

Contudo, o maior legado de Noel Rosa é, sem dúvida, o seu contributo para a divulgação da música popular brasileira. Parte da primeira geração do samba carioca, e num tempo de enormes divisões, o artista ajudou a trazer o estilo musical para as rádios nacionais.

Apesar de ter deixado uma obra bastante vasta, o compositor morreu com apenas 26 anos, dia 4 de maio de 1937, na sequência de uma tuberculose.

Aproveite para conhecer também: A fascinante história da origem do samba.

Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.