12 melhores músicas de Chico Buarque (analisadas)


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Quem não conhece pelo menos uma canção do Chico Buarque (1944) de cor? Um dos maiores nomes da música popular brasileira, Chico é autor de grandes clássicos que marcaram gerações.

Compositor de mãos cheias, Chico Buarque é criador desde canções de amor a composições engajadas que teciam duras críticas à ditadura militar. Relembre conosco doze dos seus grandes trabalhos musicais.

1. Construção (1971)

Gravada pela primeira vez em 1971, Construção é tão importante que virou título do álbum em que está inserida. Além de ser um dos maiores sucessos de Chico Buarque, a música tornou-se também um dos grandes clássicos da MPB.

A composição foi criada durante os duros anos de chumbo da ditadura militar.

A letra da canção é um verdadeiro poema que conta a história de um trabalhador da construção civil que sai de casa pela manhã, enfrenta toda a dureza cotidiana e caminha em direção ao seu tráfico fim.

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Vamos com o eu-lírico acompanhando os detalhes do dia-a-dia do homem não nomeado.

Com um tom dramático, o trabalhador acaba morrendo no anonimato, se resumindo a atrapalhar o tráfego. A letra é uma espécie de poema-protesto e pretende, através da narração da breve história, tecer uma forte crítica social.

Saiba mais sobre a Música Construção, de Chico Buarque.

2. Cálice (1973)

Escrita em 1973 e lançada cinco anos mais tarde devido à censura, Cálice faz uma crítica escancarada à ditadura militar ("Como é difícil acordar calado").

Chico Buarque foi um dos artistas que mais compôs canções contra o regime militar que se encontrava no poder na época. Cálice é uma dessas criações engajadas, que proclama a resistência e convida o ouvinte a pensar na então condição política e social do país.

Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado

A letra faz uma menção à uma passagem bíblica presente em Marcos: "Pai, se queres, afasta de mim este cálice".

A escolha da palavra foi precisa porque, para além de fazer referência ao trecho sagrado, o título da canção também se confunde com a palavra "cale-se", que era bastante sensível tendo em conta a repressão derivada dos anos de chumbo no país.

Descubra mais sobre a Música Cálice de Chico Buarque.

3. Apesar de Você (1970)

Outra música que é um registro do tempo histórico em que foi concebida é Apesar de Você, uma das poucas criações que o cantor assumiu ter inventado para fazer frente ao regime militar.

A canção foi concebida num ano muito sensível para o país: ao mesmo tempo que a seleção conquistava o tricampeonato mundial, a censura e a repressão durante o governo Médici se tornavam cada vez mais duras.

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Era para o então presidente Médici que a composição se dirigia. Praticamente por um milagre os censores não viram a crítica social por trás da letra e aprovaram a música, que foi gravada e divulgada.

Depois de ter feito enorme sucesso, um jornal publicou que Apesar de você seria uma homenagem ao presidente. Com a revelação feita, a gravadora foi invadida e muitos exemplares do disco foram destruídos.

Como consequência também Chico Buarque foi convocado pelos censores para esclarecer se a música era ou não era uma crítica ao regime. O compositor negou se tratar de uma canção política, mas já com a instituição do regime democrático assumiu que era, sim, uma música de combate às ideologias militares.

4. A Banda (1966)

A canção criada em 1966 venceu o II Festival de Música Popular Brasileira, realizado também em 1966. A Banda foi a música que projetou o então pouco conhecido cantor carioca para todo o país.

Criada no princípio da ditadura militar, A Banda, com o seu ritmo alegre e festivo, não tinha o tom combativo das canções que eram suas contemporâneas. Em termos de estrutura, ela se constrói como uma espécie de crônica do bairro, enfocando em figuras cotidianas, personagens vulgares.

A letra narra como a banda, ao passar, distrai e entretém as pessoas ao redor. Ao longo dos versos vamos reparando como o estado de espírito das pessoas muda radicalmente quando elas são tocadas pela música.

Estava à toa na vida
O meu amor me chamou
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

A minha gente sofrida
Despediu-se da dor
Pra ver a banda passar
Cantando coisas de amor

O homem sério que contava dinheiro parou
O faroleiro que contava vantagem parou
A namorada que contava as estrelas parou
Para ver, ouvir e dar passagem

5. João e Maria (1976)

Composta numa parceria entre Sivuca (música) e Chico Buarque (letra), a valsinha João e Maria é, antes de mais nada, uma canção de amor que narra os encontros e desencontros de um casal apaixonado. A melodia foi criada em 1947 por Sivuca e só foi letrada quase trinta anos mais tarde, em 1976.

O olhar do eu-lírico parte de um ponto de vista quase infantil (vale lembrar que o próprio título da canção faz uma alusão ao clássico conto de fada). A letra é baseada numa hipotética conversa de crianças, vemos, por exemplo, a amada ser comparada à uma princesa.

Observamos, ao longo da letra, diversas imagens características da psique da criança: a figura do cowboy, a presença dos canhões, a imponência do rei. Aliás, a letra de Chico é profundamente imagética e ergue e destrói cenários rapidamente.

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você além das outras três

Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock para as matinês

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz

6. Vai Passar (1984)

Composta em meados da década de oitenta (para ser mais precisa, a canção foi lançada em 1984), em parceria com Francis Hime, Vai Passar é um samba animado que faz referência a um momento específico da história do Brasil.

Grande crítico da ditadura militar, Chico Buarque usava as suas letras para se posicionar politicamente, divulgando uma espécie de manifesto anti-regime.

Vai passar
Nessa avenida um samba
popular
Cada paralelepípedo
Da velha cidade
Essa noite vai
Se arrepiar
Ao lembrar
Que aqui passaram
sambas imortais
Que aqui sangraram pelos
nossos pés
Que aqui sambaram
nossos ancestrais

Ao longa dos versos o eu-lírico visita períodos da história do nosso país, lembramos, por exemplo, os saqueamentos que o Brasil sofreu enquanto ainda era colônia de Portugal. Vemos também personagens como os barões e os escravos (aqui aludidos pela menção as construções: "levavam pedras feito penitentes").

A canção é construída de modo a termos a sensação que assistimos a um desfile de carnaval. Durante o percurso vemos cenas da história colonial brasileira mescladas com referências ao período da ditadura militar.

A música celebra a esperança em dias melhores e estimula a resistência, tentando deixar para trás os anos de chumbo.

7. Futuros Amantes (1993)

Uma linda canção de amor, assim poderia ser caracterizada Futuros Amantes, composta por Chico Buarque em 1993.

Procurando transmitir a noção de que tudo tem o seu tempo, o eu-lírico celebra um amor paciente, adiado, que permanece através dos anos a espera do momento certo para desabrochar.

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

O amor aqui é tido como o avesso da paixão juvenil, que corrói e rapidamente se mostra perecível. Na letra de Chico Buarque os versos invocam um amor atemporal - não apenas carnal -, que vence todas as dificuldades supera todas as barreiras.

A imagem do Rio de Janeiro submerso é também poderosíssima, com a figura do mergulhador (o escafandrista) a procura de registros de como foi a vida naquele espaço e durante aquele tempo. A cidade resiste com os seus objetos e mistérios, assim como o amor paciente do eu-lírico.

8. Roda Viva (1967)

Composta em 1967, a canção faz parte da peça Roda Viva, que contou com a direção de José Celso Martinez, do Teatro Oficina, e foi a primeira peça de teatro escrita por Chico Buarque.

A montagem original ficou conhecida porque houve forte perseguição e censura à produção. Em 1968 o Teatro Ruth Escobar (em São Paulo) foi invadido durante a encenação. Homens depredaram o espaço e agrediram com cassetetes e socos-ingleses os atores e a equipe técnica da peça.

A letra de Roda Viva está intimamente ligada ao período em que foi composta e faz uma crítica à ditadura militar.

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

Ao longo dos versos, o eu-lírico aborda a passagem do tempo e reflete sobre a fugacidade da vida. Mas, acima de tudo, a canção se revela como um hino contra os anos de chumbo e a repressão.

Percebemos como o sujeito poético deseja ser ativo na luta e ter a sua voz ouvida. A letra representa todos aqueles que queriam participar de um jogo democrático e serem cidadãos com direito à questionamentos e à liberdade.

9. Geni e o Zepelim (1978)

A extensa música Geni e o Zepelim fez parte do musical Ópera do Malandro. A protagonista da letra é uma mulher que escolhe se relacionar com muitos homens e, por ter tomado essa decisão, acaba por ser julgada socialmente.

Apesar da letra ter sido composta no final dos anos setenta, infelizmente ela ainda toca em questões bastante contemporâneas como o sexismo e o preconceito contra as mulheres.

De tudo que é nego torto
Do mangue e do cais do porto
Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Co'os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
Ela é um poço de bondade
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
Joga pedra na Geni

A mulher que protagoniza a composição tem a sua moral questionada e a sua reputação se consagra única e exclusivamente pelo número de homens com quem esteve.

Vemos na letra de Chico como a escolha pessoal de Geni de se deitar com diversos parceiros faz com que quem está ao seu redor a condene, a agrida, a marginalize e a julgue sem dó nem piedade. O caráter de Geni é posto à prova pela sua conduta sexual liberta.

10. O Que Será (À Flor da Pele) (1976)

A canção O que será foi composta para o filme Dona Flor e Seus Dois Maridos, baseado no romance de Jorge Amado.

Apesar de carregar esse título, a música ficou conhecida por muitos como À Flor da Pele.

O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza
Será, que será?
O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho...

Aqui também Chico faz menção aos anos de chumbo e ao regime de medo e repressão provocado pela censura.

Ao longo dos versos assistimos ao mistério e a dúvida que pairavam naquele momento sobre o país. As informações não eram transmitidas, os conteúdos precisavam ser aprovados por censores e a população não tinha acesso ao que de fato se passava.

Por outro lado, O Que Será também pode ser interpretada sob o ponto de vista de uma relação amorosa. A letra serve como pano de fundo para ilustrar a vida boêmia e as preocupações que o amado dava à Dona Flor, protagonista do filme. A canção se encerra com um certo conformismo e com a constatação de que o parceiro, Vadinho não se regeneraria.

11. Cotidiano (1971)

A canção composta por Chico no princípio dos anos setenta fala da rotina de um casal a partir do olhar do amado.

A letra se inicia com o raiar do dia e se encerra com o beijo dado na hora de dormir. Os versos dão conta dos hábitos e costumes presentes numa vida à dois.

Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã

Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café

Observamos ao longo dos versos a dinâmica do casal, desde as frases que são cotidianamente trocadas aos pequenos gestos de amor que parecem se perder na rotina. Assistimos, inclusive, as dinâmicas em termos de horários.

Está presente na letra a noção da repetição e da monotonia presente na vida a dois, mas também ganha relevo o sentimento de companheirismo e cumplicidade que brotam de um relacionamento de longo prazo.

12. O meu amor (1978)

Conhecido por ter uma sensibilidade ímpar capaz de traduzir os sentimentos das mulheres, Chico Buarque em uma série de letras usa um eu-lírico feminino para se expressar.

O meu amor é um exemplo desse gênero de canção onde o sujeito poético explora as hesitações consideradas típicas do lado feminino do casal.

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai

A letra trata de um relacionamento amoroso a partir da perspectiva da mulher.

O olhar sobre o amado mostra a multiplicidade de afetos envolvidos numa relação de casal. Os sentimentos variam desde a paixão fulminante, passa pela luxúria até alcançar o afeto puro e a constância da cumplicidade.

Em O meu amor a parceira fala não só da personalidade do amado como também da relação de amor que os dois desenvolveram com o passar do tempo.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).