Livro Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Publicado pela primeira vez em 1979, Chapeuzinho Amarelo é uma história infantil escrita por Chico Buarque que, quase vinte anos mais tarde, ganhou as ilustrações de Ziraldo, e permanece no nosso imaginário coletivo.

A protagonista é uma jovem menina que tem medo de tudo e acaba se privando de uma série de aventuras até finalmente ganhar coragem para aproveitar o mundo.

Chapeuzinho amarelo

História da Chapeuzinho Amarelo

Quem é a personagem principal da história?

A protagonista concebida por Chico Buarque é uma menina conhecida como Chapeuzinho Amarelo.

A garota, que andava sempre com o seu acessório amarelo na cabeça, tinha medo de tudo:

Em festa, não aparecia.
Não subia escada, nem descia.
Não estava resfriada, mas tossia.
Ouvia conto de fada, e estremecia.
Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.

Ela era marcada pelo signo do não: o medo a paralisava de tal maneira que a menina afinal não podia fazer nada - nem dormir, porque tinha medo de ter pesadelos durante o sono.

O medo ia a limitando aos poucos: não saia para não se sujar, não falava para não engasgar. Com uma vida triste e limitada, o maior medo da garota era o lobo mau, o vilão da história da chapeuzinho vermelho.

O aparecimento do lobo

Apesar de nunca ter visto o lobo, Chapeuzinho Amarelo morria de medo dele.

Um belo dia a menina encontrou o tal lobo que tanto temia, e para a surpresa de todos, foi perdendo o medo e, o mais importante, o medo de ter medo.

O lobo ficou ofendido de estar diante de uma menina que não tinha medo dele:

Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco-azedo, porque um lobo, tirando o medo, é um arremedo de lobo. É feito um lobo sem pelo. Lobo pelado.

A mudança

A mudança foi mesmo radical na vida da garota. A Chapeuzinho Amarelo, depois que perdeu o medo do lobo, foi perdendo aos poucos o medo de tudo:

Não tem mais medo de chuva, nem foge de carrapato. Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato, trepa em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro, com a sobrinha da madrinha e o neto do sapateiro.

Depois de ter perdido o medo, Chapeuzinho Amarelo passou a ter outra rotina: um cotidiano muito mais rico, cheio de pequenas aventuras e na companhia dos muitos amigos que foi fazendo.

Análise do livro Chapeuzinho Amarelo

Os medos da Chapeuzinho Amarelo

A obra infantil de Chico Buarque é uma releitura do clássico Chapeuzinho Vermelho, já antes contada por Charles Perrault e pelos Irmãos Grimm.

Chapeuzinho Amarelo é, na verdade, uma paródia do clássico. Se na versão original a chapeuzinho desconhece os perigos e por isso se aventura na floresta, na releitura de Chico Buarque a chapeuzinho é o avesso: está atenta a tudo e temerosa de antemão.

Chapeuzinho Amarelo tem um medo paralisador, que a impede de tudo - até de dormir:

Tinha medo de trovão. E minhoca, pra ela era cobra. E nunca apanhava sol porque tinha medo da sombra. Não ia pra fora pra não se sujar. (...) Não ficava em pé com medo de cair. Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.

No início da obra, a Chapeuzinho Amarelo é marcada pela impotência, pela inocência, pela fragilidade e pela vulnerabilidade. Descrita dessa maneira, a personagem estimula a fácil e rápida identificação com os pequenos leitores mais assustados.

Se na chapeuzinho vermelho a ausência de medo é o que permite que a história aconteça, aqui o medo é o que impede a Chapeuzinho Amarelo de viver na plenitude.

O personagem do lobo

Mas não é só a protagonista que ganha uma nova roupagem: nessa reescritura tanto a personagem da Chapeuzinho quanto a do Lobo são ressignificadas e o lobo, que deveria ser fonte de medo, passa a não ser.

O lobo que primeiro se aparece na história é um lobo presente na memória coletiva, consagrado pela história da Chapeuzinho Vermelho.

E Chapeuzinho Amarelo, de tanto pensar no LOBO, de tanto sonhar com LOBO, de tanto esperar o LOBO, um dia topou com ele que era assim: carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO e principalmente um bocão tão grande que era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa.

Toda a descrição do lobo que a menina tanto temia está ancorada no clássico que ouvimos durante a infância: um lobo mau, que espreita na floresta, a procura da melhor hora de atacar e devorar a avó e a neta.

No entanto, mais tarde, na releitura de Chico se sublinha que se tratava de um medo virtual, imaginário:

Um LOBO que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do LOBO nem existia.

Quando afinal se defronta com um lobo, a menina vai perdendo o medo aos poucos até conseguir deixar de ser refém das suas próprias caraminholas.

Chapeuzinho Amarelo passa de dominada (pelo medo) a dominadora, dona de si mesmo, das suas brincadeiras e aventuras.

Ouça a história Chapeuzinho Amarelo

Sobre a publicação de Chapeuzinho Amarelo

O livro Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, foi lançado em 1979.

A história é fruto de uma criação que o compositor e escritor havia inventado para a sua filha Luísa Severo Buarque de Holanda (1975), então com quatro anos.

As ilustrações de Ziraldo

A obra Chapeuzinho Amarelo foi republicada em 1997 com as ilustrações de Ziraldo.

No ano a seguir, o desenhista ganhou o Prêmio Jabuti na categoria melhor ilustração.

Chapeuzinho amarelo

A obra Chapeuzinho Amarelo chegou a ser adaptada para o teatro.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).