Livro São Bernardo, de Graciliano Ramos


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Publicado por Graciliano Ramos em 1934, São Bernardo é um clássico da segunda fase da literatura modernista. Através do romance, dividido em trinta e seis capítulos, ficamos conhecendo o protagonista Paulo Honório e a dura vida no interior do nordeste brasileiro.

Resumo

Paulo Honório decidiu escrever um livro para contar a sua história. O personagem assim se apresenta ao leitor:

"Começo declarando que me chamo Paulo Honório, peso oitenta e nove quilos e completei cinquenta anos pelo São Pedro. A idade, o peso, as sobrancelhas cerradas e grisalhas, este rosto vermelho e cabeludo, têm-me rendido muita consideração. Quando me faltavam estas qualidades, a consideração era menor."

A princípio pediu ajuda a alguns amigos, dividiriam as tarefas para compor o trabalho, por fim percebeu que estava sozinho nessa empreitada. Criado sem pai nem mãe - que nem sequer colocaram os nomes na sua certidão de nascimento - Paulo Honório cresceu ajudado por um cego e pela velha Margarida, uma doceira. Trabalhou na roça até os dezoito anos, quando cometeu o primeiro crime.

Encantou-se por Germana, que depois meteu-se com João Fagundes. Paulo Honório então esfaqueou João Fagundes e ficou preso três anos, nove meses e quinze dias. Na cadeira aprendeu a ler com o Joaquim sapateiro, que tinha uma Bíblia. Ao sair da cadeira vagabundeou mundo afora, tendo uma vida cigana, caminhando e fazendo negócios de terra em terra. Sempre frio e calculista, nunca se esquivou de usar a violência quando julgou ser preciso.

Até que Paulo Honório resolveu se estabelecer na propriedade São Bernardo, já havia trabalhado lá anos antes. O antigo dono das terras, Salustiano Padilha, fez de tudo para ver o filho Luís doutor, o que não aconteceu. Paulo Honório resolveu ir atrás do herdeiro. Percebendo a inocência do rapaz e a sua dificuldade em lidar com o álcool e com o jogo, cravou amizade e foi lhe emprestando dinheiro. Por fim, conseguiu comprar a propriedade que tanto desejava.

Já dono do latifúndio, Paulo Honório começou a ter problemas com o vizinho, Mendonça, que acabou por mandar assassinar. Desse modo, incorporou as terras e aumentou assim a sua propriedade. São Bernardo ao fim de algum tempo passou a dar lucros e nosso protagonista achou que era hora de conceber um herdeiro.

Casou-se com Madalena, que se mudou para a fazenda, e levou consigo a tia Glória. O casamento logo deu sinais de problemas, Paulo Honório já nas nas primeiras discussões sentia-se ameaçado pela cultura da mulher. Tudo piorou com a chegada do filho do casal. A situação se degradou de tal maneira que Madalena deu cabo da própria vida.

Por fim, Paulo Honório, viúvo, foi abandonado por Glória (tia da então esposa), pelo contador, por Padilha e pelo Padre Silveira. Isolado e solitário, a alternativa encontrada pelo protagonista foi compor o livro que lemos, onde ficamos conhecendo a trágica história da sua vida.

Personagens principais

Paulo Honório

Protagonista da história. Frio e violento, Paulo Honório teve uma relação peculiar com aqueles que o rodearam.

Margarida

Negra, doceira, ajudou a criar Paulo Honório quando era pequeno.

Madalena

Professora, casou-se com Paulo Honório e foi viver com ele em São Bernardo.

Glória

Tia de Madalena, esposa de Paulo Honório, mudou-se com o casal para São Bernardo.

Ribeiro

Contador e guarda-livros de Paulo Honório. Teve um passado abastado, era feliz, culto, justo, fora considerado major, mas acabou perdendo tudo.

Luís Padilha

Herdeiro da fazenda São Bernardo, embora sem qualquer talento para mantê-la. Acabou se afundando em dívidas e perdendo a propriedade para Paulo Honório.

Mendonça

Foi assassinado por Paulo Honório (quem de fato executou o crime foi o guarda-costas Casimiro Lopes).

Azevedo Gondim

Jornalista amigo de Paulo Honório.

Casimiro Lopes

Fiel guarda-costas de Paulo Honório, descrito com "corajoso, laçá, rasteja, tem faro de cão e fidelidade de cão."

Tempo, espaço e narrativa no livro São Bernardo

Publicado em 1934, o romance de Graciliano Ramos se passa em Viçosa, Alagoas, no interior do nordeste. A narrativa é feita em primeira pessoa pelo próprio protagonista Paulo Honório.

Muitas vezes o personagem dirige-se diretamente ao leitor, como é o caso da passagem abaixo, retirada do capítulo um:

"João Nogueira queria o romance em língua de Camões, com períodos formados de trás para diante. Calculem."

A adaptação cinematográfica do livro

São Bernardo virou filme no ano de 1971 graças ao diretor de Leon Hirszman. O filme foi muito celebrado pela crítica e abocanhou diversos prêmios, entre eles o de melhor ator (Othon Bastos) no Festival de Gramado, o de melhor filme, diretor, ator (Othon Bastos) e atriz (Isabel Ribeiro) no Prêmio Air France de 1973 . Ganhou também a Coruja de Ouro de melhor diretor e atriz coadjuvante (Vanda Lacerda). O longa metragem foi gravado em Viçosa (interior do Alagoas), terra onde viveu o escritor durante muitos anos.

Quem foi Graciliano Ramos?

Nascido em Quebrângulo (interior do Alagoas), no dia 27 de outubro de 1892, Graciliano Ramos de Oliveira foi o primeiro de dezesseis irmãos. Filho de Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro Ramos, pertenceu a classe média do interior alagoano.

Aos três anos de idade mudou-se com os pais para o sertão de Pernambuco, e aos oito para Viçosa, em Alagoas. Em 1905, foi estudar na capital Maceió. Concluiu apenas o ensino médio, não tendo ingressado em nenhum curso superior. Aos 22 anos, migrou para o Rio de Janeiro onde trabalhou como revisor dos jornais Correio de Manhã, O século e A tarde.

Depois de retornar para Alagoas, trabalhou no comércio do pai e ocupou cargos públicos. No dia 7 de outubro de 1927 foi eleito prefeito da cidade Palmeira dos Índios, onde exerceu o cargo até 1930.

Por ter nascido e sido criado no nordeste, foi profundo conhecedor das dificuldades econômicas e sociais da região. Seu primeiro romance publicado foi Caetés (1933), lançado quando tinha quarenta e um anos. Depois vieram São Bernardo (1934), Angústia (1936) entre outros títulos. Sua obra mais celebrada é Vidas secas (1938). Foi modernista, pertenceu a segunda fase do modernismo.

Voltou a morar no Rio de Janeiro depois de já ter livros publicados e atuou como Inspetor Federal de Ensino.

Em relação à sua vida pessoal, casou-se com Maria Augusta Barros e teve com ela quatro filhos. Ficou viúvo em pouco tempo. Em 1936, casou com Heloísa Leite de Medeiros e teve mais quatro filhos. Morreu com câncer no dia 20 de março de 1953, aos sessenta e um anos, na capital fluminense.

Em carta enviada ao seu tradutor argentino, Graciliano Ramos assim se definiu:

“Os dados biográficos é que não posso arranjar, porque não tenho biografia. Nunca fui literato, até pouco tempo vivia na roça e negociava. Por infelicidade, virei prefeito no interior de Alagoas e escrevi uns relatórios que me desgraçaram. Veja o senhor como coisas aparentemente inofensivas inutilizam um cidadão. Depois que redigi esses infames relatórios, os jornais e o governo resolveram não me deixar em paz. Houve uma série de desastres: mudanças, intrigas, cargos públicos, hospital, coisas piores e três romances fabricados em situações horríveis: Caetés, publicado em 1933, S. Bernardo, em 1934, e Angústia, em 1936. Evidentemente, isso não dá uma biografia. Que hei de fazer? Eu devia enfeitar-me com algumas mentiras, mas talvez seja melhor deixá-las para romances.”

Graciliano Ramos

Graciliano Ramos

Obras de Graciliano

Graciliano publicou ao longo de sua vida romances, contos e literatura infantil. Sua obra continuou a ser editada postumamente, segue abaixo a lista de trabalhos mais importantes publicados do autor:

  • Caetés (1933)
  • São Bernardo (1934)
  • Angústia (1936)
  • Vidas Secas (1938)
  • A Terra dos Meninos Pelados (1939)
  • Histórias de Alexandre (1944)
  • Dois Dedos (1945)
  • Infância (1945)
  • Histórias Incompletas (1946)
  • Memórias do Cárcere (1953)
  • Viagem (1954)
  • Linhas Tortas (1962)
  • Alexandre e Outros Heróis (1962)
  • Viventes das Alagoas (1962)
  • Cartas (1980)
  • O Estribo de Prata (1984)
  • Cartas de Amor a Heloísa (1992)
  • Garranchos (2012)
  • Minsk (2013)
  • Cangaços (2014)
  • Conversas (2014)


Conheça também

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).