Livro O Quinze, de Rachel de Queiroz (resumo e análise)


Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

O Quinze foi o primeiro livro da escritora Rachel de Queiroz. Publicado em 1930, ele narra a seca histórica de 1915 pelo olhar de uma professora que mora em Fortaleza e que, em suas férias, visita a fazenda da família. O romance faz parte do ciclo nordestino com algumas características do neorrealismo.

Resumo da obra

O encontro dos primos

Conceição é uma professora solteira de 22 anos que passa as suas férias na fazenda da família. Durante dois meses ela convive com os moradores da fazenda e com seus parentes que moram na região. Um deles é Vicente, um vaqueiro filho de um proprietário de terras, e ele e Conceição flertam um com o outro.

Chegava sempre cansada, emagrecida pelos dez meses de professorado; e voltava mais gorda com o leite ingerido à força, resposta de corpo e espírito graças ao carinho cuidadoso da avó.

A seca começa a avançar e, com a falta de pasto para o gado, alguns fazendeiros resolvem soltá-lo à sorte. É o que acontece na fazenda da Dona Maroca, em Quixadá, onde Chico Bento trabalhava.

O agravamento da seca

Sem trabalho, ele e sua família são obrigados a abandonar Quixadá. Sem dinheiro para a passagem e sem apoio do governo, a família tem que fazer o percurso de Quixadá até Fortaleza a pé.

Durante a viagem a fome é constante, a pouca comida que eles possuem não é suficiente para toda a viagem. No caminho para a Fortaleza eles encontram outro grupo de retirantes que estão comendo um boi morto na beira da estrada. Chocados com a fome deles, Chico Bento resolve dividir a pouca comida que eles possuem.

Por isso não! Aí nas cargas eu tenho um resto de criação salgada que dá para nós. Rebolem essa porqueira pros urubus, que já é deles! Eu vou lá deixar um cristão comer bicho podre de mal, tendo um bocado no meu surrão!

O caminho para a cidade grande

A fome de Chico Bento e a sua família cresce. Na estrada, eles encontram um animal, que Chico mata para dar a sua família. Mas o dono do animal surge de longe e reivindica a sua posse. Constrangido e com fome, o vaqueiro pede clemência e um pouco de carne para dar a sua família. O dono do animal lhe dá um pouco das tripas.

Com muita fome, um dos filhos do casal come uma mandioca brava crua, e morre envenenado. Outro filho, o mais velho, se perde durante a noite e segue com outro grupo de imigrantes. A sorte da família muda um pouco neste momento. Desesperados atrás da criança, eles procuram o delegado da vila.

Chegou a desolação da primeira fome. Vinha seca e trágica, surgindo no fundo sujo dos sacos vazios, na descarnada nudez das latas raspadas.

O delegado era um compadre de Chico Bento. Além de recebê-lo para uma refeição apropriada, ele também coloca a família em um trem em direção a Fortaleza.

A luta do homem contra a seca

No interior, a seca continua. Vicente trabalha duro para tentar salvar o gado. A preocupação e a luta contra as condições adversas são o foco da narrativa.

O relacionamento de Conceição e Vicente começa a ficar mais abalada. Conceição não entende completamente a obstinação de Vicente com o trabalho no campo e Vicente não compreende os desejos de liberdade e igualdade de Conceição.

O cigarro o envolvia em branco nevoeiro; Vicente foi recordando sua vida de trabalho ininterrupto, desde os quinze anos — trabalho de sol a sol, sem descanso e quase sem recompensa...

Com a piora da seca, Conceição consegue convencer a sua avó a ir com ela para Fortaleza.

A vida na cidade

Na capital, Conceição começa a passar no campo de concentração todo o dia, e logo se voluntaria para auxiliar os refugiados. Em uma das visitas, ela encontra Chico Bento e a sua família. A família de Vicente deixa a fazenda por conta da seca, mas ele continua trabalhando para tentar salvar o gado.

Conceição compra uma passagem para Chico Bento e a sua família se mudarem para São Paulo pois, mesmo em Fortaleza, a família não encontra muitas oportunidades de emprego. Como ela é madrinha da criança mais nova, ela pede para ficar com Dunguinha e criá-lo. Chico Bento e a sua mulher não querem deixar o filho, mas depois acreditam que ele tem mais chances de sobreviver com a madrinha.

Trata da questão feminina, da situação da mulher na sociedade, dos direitos maternais, do problema...

Conceição escuta que Vicente tem um relacionamento com uma cabocla chamada Mariinha. Ela fica chateada com o primo, e a sua avó tenta convencê-la de que isso é coisa de homem e que ela não deveria dar importância. Já em dezembro, quando a chuva finalmente chega, a avó de Conceição retorna para a fazenda, mas Conceição fica na cidade ainda chateada com Vicente, mas feliz em criar o seu afilhado.

Contexto histórico

Os campos de concentração

A grande seca de 1915 levou fome e miséria para o interior do Ceará e uma migração em massa. Milhares de sertanejos deixaram o campo e foram em direção à capital Fortaleza. Em resposta à crise, o governo instalou campos de concentração para abrigar os refugiados. O cenário nos campos de concentração era de extrema miséria e pobreza. Estima-se que morriam em média 150 pessoas por dia nos campos. Os refugiados da seca ficavam presos, cercados pelo exército e recebendo algumas doações de comida e medicamentos.

Campos de concentração

Rachel de Queiroz aborda a situação do Alagadiço, o maior campo de concentração que ficava nos arredores de Fortaleza. A miséria é observada pela personagem principal, uma professora progressista que mora na capital do estado, mas que visita a fazenda de sua família em Logradouro nas férias.

A seca também é abordada no interior do estado. A narrativa é dividida entre o campo e a cidade, tendo a seca como pano de fundo e elemento de ligação entre as duas realidades. No interior do Ceará, o que prevalece é a luta no campo contra a seca, a persistência do homem e o seu trabalho contra as situações adversas impostas pela natureza.

Campo versus cidade e natureza versus homem

O romance possui dois polos narrativos diferentes. Um conta a história do relacionamento de Vicente, um proprietário de terra que luta contra a seca, e a sua prima Conceição, uma professora progressista que mora em Fortaleza. O outro polo narra a trajetória do vaqueiro Chico Bento e a sua família, que perdem o sustento na terra e partem para a capital do Ceará. Em ambos os polos, os confrontos básicos são entre o campo e a cidade e entre a natureza e o homem.

Conceição e Vicente

Um dos núcleos de O Quinze é a relação entre Conceição e Vicente. Conceição é uma professora de 22 anos, que mora em Fortaleza, não pensa em casamento, e suas leituras incluem livros feministas e socialistas. Já Vicente, é um proprietário de terra, que trabalha no campo, fazendo um pouco de tudo na fazenda da sua família.

Recordando a labuta do dia, o que o dominava agora era uma infinita preguiça da vida, da eterna luta com o sol, com a fome, com a natureza.

Conceição visita a propriedade da sua família nas suas férias e convive um pouco com Vicente, que é seu primo. No relacionamento dos dois existe um flerte constante, mas também uma tensão, que advém de visões diferentes sobre o mundo. Conceição representa a cidade e o progressismo, principalmente nas ideias, ela é uma mulher independente e culta. Vicente é um homem do campo, mesmo sendo proprietário da terra, ele se dedica ao trabalho com esforço. Por conta do seu irmão, que estudou na cidade e se tornou pedante, ele tem uma grande desconfiança dos moradores da cidade.

Já Vicente enlaçava a prima que, rindo, saiu dançando orgulhosa do cavalheiro, enquanto, na sua ponta de sofá, a pobre senhora sentiu os olhos cheios de lágrimas, e ficou chorando pelo filho tão bonito, tão forte, que não se envergonhava da diferença que fazia do irmão doutor e teimava em não querer “ser gente”...

Essa desconfiança se reflete no seu relacionamento com Conceição. Ele entende que algumas atitudes de sua prima são uma espécie de esnobismo, que ele responde com indiferença. As diferenças entre os dois acabam tornando o relacionamento amoroso impossível de acontecer.

Chico Bento e a sua família

A narrativa de Chico Bento é o retrato do retirante. Ele era vaqueiro em uma fazenda, mas perdeu seu trabalho com a seca. Sem alternativas, ele é obrigado a emigrar para a cidade. O vaqueiro e sua família tentam conseguir ajuda do governo para ir a Fortaleza, mas não conseguem o bilhete do trem e têm que fazer o percurso a pé.

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O longo caminho até Fortaleza é a luta do homem contra a natureza. A aridez, o sol forte e a fome são ameaças constantes à família do vaqueiro. A narrativa foca nas perdas que a família sofre ao longo do percurso e no retrato da miséria de outros retirantes que eles encontram pelo caminho.

A voz lenta e cansada vibrava, erguia-se, parecia outra, abarcando projetos e ambições. E a imaginação esperançosa aplanava as estradas difíceis, esquecia saudades, fome e angústias, penetrava na sombra verde do Amazonas, vencia a natureza bruta, dominava as feras e as visagens, fazia dele rico e vencedor.

Já em Fortaleza, Chico Bento e a sua família são instalados no campo de concentração do Alagadiço. Quando o interior já não oferece mais a subsistência, a cidade surge como a única solução, mesmo que seja uma vida na miséria. A situação é mais complicada pois a fome e a morte são presentes no campo de concentração.

Neorrealismo e prosa regionalista

Na obra de Rachel de Queiroz, a prosa regionalista nordestina e o neorrealismo possuem profundas ligações. Seu estilo de escrita, quase cronista, serve de base para uma espécie de denúncia da situação social do Ceará. Isto se torna muito claro nas descrições sobre as condições desumanas vividas dentro do campo de concentração em Fortaleza.

Que custo, atravessar aquele atravancamento de gente imunda, de latas velhas, e trapos sujos!

O neorrealismo foi muito influenciado pela prosa russa, pelo marxismo e pelas teorias freudianas, além de resgatar alguns preceitos do naturalismo e do realismo. O interesse na situação social é marcante em Rachel de Queiroz, que usa a seca como ponto de partida para mostrar o sistema precário de vida no Nordeste.

A busca pela sobrevivência de Chico Bento e de sua família o aproximam da condição dos animais. O ser humano é reduzido aos instintos mais primordiais. É por meio dessa aproximação que a escritora consegue fazer uma crítica social pertinente.

Através da cerca de arame, apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso. Até a miséria tem fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros.

A grande diferença entre a prosa naturalista e a neorrealista é que esta aponta, de certa forma, para uma solução dos problemas sociais que são expostos na obra. Em Rachel de Queiroz, as propostas marxistas são colocadas de forma ainda tímida e são mais explícitas pelas ações e pela formação da personagem Conceição.

Personagens principais

Conceição

É uma professora solteira de 22 anos. Independente e culta, suas leituras incluem livros sobre feminismo e socialismo. As suas ideias avançadas são seu ponto forte.

Vicente

É o primo da Conceição, sertanejo um pouco bruto e muito trabalhador. É desconfiado com as pessoas da cidade.

Chico Bento

É um vaqueiro, mas perde o trabalho por causa da seca e se torna um retirante.

Cordulina

É a mulher de Chico Bento.

Mão Nácia

É a avó de Conceição.

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Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).