Crime e Castigo: resumo do livro de Fiódor Dostoiévski


Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Crime e Castigo é um romance publicado em 1866. É o nono do escritor e jornalista russo Fiódor Dostoiévski. O livro narra a história de um crime cometido pelo ex-estudante Ródion Ramanovich Raskolnikov e as suas consequências.

(cuidado, esse artigo contém spoilers)

Resumo de Crime e Castigo

O personagem principal do livro é Ródion Ramanovich Raskolnikov, um ex-estudante muito inteligente na casa dos vinte anos que vive na miséria num minúsculo apartamento em Pitsburgo.

O rapaz precisou desistir dos estudos devido às dificuldades financeiras que enfrentava. Ele acredita que está destinado a grandes ações, mas que a miséria o impede de atingir todo o seu potencial.

Com problemas econômicos, Raskolnikov recorre à ajuda de uma senhora que empresta a juros altíssimos e maltrata a sua irmã mais nova, de trinta e poucos anos.

Convencido de que a velha tem um péssimo caráter e explora as pessoas vulneráveis que lhe pedem ajuda, Raskolnikov decide assassiná-la.

O crime de Raskolnikov

A obra de Dostoiévski desde cedo nos coloca uma questão moral: o assassinato de uma pessoa reles seria moralmente errado se o objetivo fosse nobre? Raskolnikov acredita que todas as pessoas superiores acabam cometendo assassinatos para atingir os seus objetivos, que, no final, são avanços para a humanidade.

Convencido de que ele é um dessas pessoas, Raskolnikov julga que matar a velha para conseguir os meios para atingir o seu potencial não é um ato moralmente condenável, mesmo que seja contra a lei.

Raskolnikov passa, então, a planejar o assassinato, sendo uma das suas maiores preocupações o efeito psicológico que este ato pode causar nele. O ex-estudante acredita que durante e depois do assassinato ele por ser acometido por uma espécie de remorso, como se fosse uma doença.

Crime e castigo

Um assassinato fora de controle

Por uma fatalidade do destino, a irmã caçula da velha acabou entrando na cena do crime e, por ser testemunha do assassinato, foi também morta a machadadas. Ao contrário da senhora agiota, que foi um assassinato premeditado, o crime da irmã aconteceu a quente, sem qualquer planejamento.

Raskolnikov se torna, então, responsável por dois homicídios.

Todo crime merece um castigo?

Ao longo das extensas páginas do romance vemos o personagem Raskolnikov tendo que lidar com a culpa dos assassinatos cometidos e precisando justificar para si as escolhas tomadas.

Também fica evidente a urgência do personagem de esconder o seu duplo crime. O romance literário abre espaço para um verdadeiro levantamento profundo de questões filosóficas, morais e sociais que cercam um crime. Afinal, todo crime merece um castigo?

Análise de Crime e Castigo

A obra-prima de Dostoiévski é de uma complexidade ímpar e se destaca garantindo um lugar de prestígio no hall das obras-primas ocidentais. O conteúdo filosófico do livro agrega a narrativa que, por si só, já é surpreendente.

O romance extrapola a sua função de puro entretenimento e se torna num meio de transmissão de grandes questionamentos filosóficos.

A psicologia criminal: a mente criminosa

Uma das características mais marcantes do romance é o aprofundamento psicológico dos personagens. Na obra de Dostoiévski o mundo interior tem tanta importância quanto o exterior.

Essa dedicação à descrição e aos diálogos internos faz com que o romance se aproxime de um ensaio sobre a psicologia humana.

Dostoiévski explora o lado psicológico de uma forma excepcional. Após assassinar a mulher, Raskolnikov entra num estado febril e de delírios. A narrativa acompanha esse estado, e o leitor é envolvido em inúmeras questões e detalhes que passam pela cabeça do assassino.

É possível haver crime sem punição?

Uma das principais questões do romance é essa. Mesmo que o criminoso acredite que o delito que ele cometeu é moralmente correto e mesmo que ele seja hábil suficiente para esconder todas as provas e não ser descoberto pelo crime que cometeu, ele ainda assim será castigado?

O romance então adquire um lado filosófico, de ensaio sobre a moral e sobre a relação do indivíduo com a sociedade que o cerca.

A sociedade em questão no romance é uma Rússia extremamente moral e católica, czarista e aristocrática.

Mesmo que Raskolnikov não se sinta culpado pelo crime que cometeu, a sociedade exerce uma pressão moral sobre ele. A presença da sua irmã e da sua mãe em Pitsburgo, logo na sequência do assassinato, é um motivo de extrema perturbação para o ex-estudante. As mulheres da sua família são muito religiosas e queridas ao personagem. A possibilidade delas tomarem conhecimento do seu ato vil é motivo de constante preocupação por parte de Raskolnikov.

Dostoiévski nos mostra que, por mais que a moral seja algo do indivíduo, ela está ligada à sociedade, aos círculos mais íntimos de convívio. A possibilidade de decepcionar alguém querido é algo que também está em jogo nas escolhas das ações.

Raskolnikov e a certeza da sua inocência?

Outro aspecto essencial é que Raskolnikov insiste ao longo de todo o romance que não se sente culpado pelo assassinato e que busca fugir do castigo, mesmo quando já se encontra na prisão.

Porém, as suas ações e a sua perturbação - que só é acalmada depois da confissão - nos mostram o contrário.

Em última instância, nos parece que Raskolnikov busca o castigo desde o primeiro segundo após o crime. Ele não se aproveita dos bens roubados e cai num estado de delírio.

Ao ser confrontado com o juiz do caso, a sua irritabilidade e as suas provocações quase o denunciam. O que faz o leitor questionar se o verdadeiro desejo de Raskolnikov nesses encontros era ser descoberto e sofrer o castigo.

Crime e Castigo e o ensaio social: os outros

Além dos conflitos internos, Raskolnikov se depara com muitos personagens secundários que aprofundam os questionamentos feitos pelo personagem e pelo escritor.

A sua família, junto ao seu amigo de estudos Razumíkhin e a Sônia Marmeladova formam uma espécie de núcleo de apoio à Raskolnikov.

Porém, como tudo na narrativa é complexo, esse núcleo assume diversas facetas e também é responsável por atormentar psicologicamente o personagem principal nas suas questões morais.

A relação de Raskolnikov com a irmã e os seus pretendentes

Outras duas personagens marcantes são os pretendentes ricos da irmã de Raskolnikov: Pyotr Petrovich Luzhin e Arkady Ivanovich Svidrigaïlov. Cada um, a sua maneira, tenta subjugar a irmã de Raskolnikov. Estes personagens entram em conflito com o ex-estudante que, de certo modo, tenta proteger a sua irmã.

Mesmo que todos os personagens se relacionem com Raskolnikov de uma forma ou de outra, eles são muito independentes na narrativa. Essa autonomia gera um aprofundamento das características dos personagens. Eles não existem pura e simplesmente para cumprir um papel narrativo, mas dão profundidade às relações humanas e ao romance.

É como se cada personagem existisse independentemente da narrativa. A extenuante descrição física e moral que Dostoiévski faz dos personagens ajuda a criar todo um universo em volta deles.

A maioria dos diálogos são surpreendentes, os personagens agem de forma autônoma e não necessariamente de acordo com a expectativa do leitor.

O realismo e o existencialismo em Crime e Castigo

A narrativa de Fiódor Dostoiévski é cheia de detalhes nas descrições dos cenários, situações e personagens.

Essa descrição dá um tom realista aos romances do autor. É quase como se estivéssemos vendo tudo aquilo que é narrado.

Os diálogos internos e as introspecções dos personagens na obra de Dostoiévski, por sua vez, dão um caráter existencialista à obra. Essa forma de romance, em que a vivência interna tem plena ação na narrativa, vai ser adotada por quase todos os grandes escritores do começo do século XX.

Dostoiévski foi o pioneiro neste tipo de narrativa e a obra Crime e Castigo é um grande exemplo do uso da introspecção dos personagens para a construção do enredo.

Fiódor Dostoiévski bebeu em experiências da própria vida para compor Crime e Castigo

Dostoiévski usa nos seus romances diversas vivências próprias que ajudam a dar esse realismo na sua narrativa. O que torna a obra do escritor um pouco autobiográfica é o fato de Dostoiévski ter sido preso na Rússia em 1849, acusado de conspirar contra o Czar.

Dostoievski

O escritor foi mandado para o exílio na Sibéria e, depois, para o Cazaquistão, onde passou nove anos. Durante este período conviveu com assassinos e outros criminosos. A sua experiência nos campos de trabalho forçado e o contato com os outros presos serviu de base para o romance Crime e Castigo.

Filmes de Crime e Castigo

Várias foram as versões cinematográficas do clássico de Dostoiévski, algumas optaram por uma adaptação mais livre (como o longametragem Páginas ocultas, 1994, de Sokurov), enquanto outras escolheram ficar mesmo circunscritas a história concebida pelo escritor.

As três versões mais consagradas foram as de 1959, dirigida por Denis Sanders, a de 1970, do diretor Lev Kulidzhanov e o mais recente Crime and punishment (2002), assinado por Menahem Golan.

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Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).