Lenda da Cuca explicada (folclore brasileiro)


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

A Cuca é uma personagem que assumiu um grande relevo no folclore nacional, se tornando bastante popular no imaginário de várias gerações.

Uma bruxa má, que em algumas versões assume a forma de um jacaré, a figura tem sido reinventada ao longo dos tempos.

Entenda a lenda da Cuca e suas variações

Uma versão feminina do "bicho-papão", a Cuca é conhecida por devorar as crianças mal-comportadas. O escritor e folclorista brasileiro Amadeu Amaral resumiu a sua simbologia, descrevendo-a como uma “entidade fantástica com que se mete medo às criancinhas”.

Criada para assustar os "meninos inquietos, insones ou faladores", como explicou Câmara Cascudo no Dicionário do Folclore Brasileiro, se configura como uma ameaça que pode assumir várias aparências diferentes.

Quadro Cuca, de Tarsila do Amaral
A Cuca (1924) de Tarsila do Amaral.

Na maior parte das versões, a Cuca é uma bruxa muito velha e malvada, com garras afiadas e cabelos brancos. Em outras histórias é corcunda, muito magra e até tem cabeça de jacaré. Já noutros relatos, a figura se apresenta como uma sombra ou um fantasma.

Frederico Edelweiss, em Apontamentos de Folclore, enumera algumas das descrições mais comuns, evidenciando também que se trata de uma entidade multifacetada:

A sua forma é muito vaga. Aqui é um ente informe que ninguém sabe descrever; ali, uma velha cujo aspecto se aproxima do da bruxa, ou ainda um fantasma impreciso. Aparece e some num abrir e fechar de olhos, carregando nos braços, ou num saco, os meninos que pintam na cama ao invés de dormirem.

Envolva em mistérios, a Cuca é um dos "terrores da noite" do imaginário infantil. O ser mitológico também pode, em algumas variantes, se transformar em criaturas noturnas, como corujas ou mariposas, para fugir ou se aproximar sem que ninguém repare.

Existe até o mito de que, a cada mil anos, uma nova Cuca surgiria a partir de um ovo, pronta para ser ainda mais terrível que as antecessoras. A ligação com o mundo animal parece ter ecoado na série Cidade Invisível, que associa o mito do folclore às borboletas-azuis.

Nas suas várias representações, é uma criatura perigosa e repleta de dons: por exemplo, faz feitiços, controla o sono e até invade os sonhos alheios. Esta relação com a noite se estabelece, principalmente, através das canções de ninar antigas que continuam presentes no cotidiano e pretendem colocar as crianças para dormir:

Nana, neném
Que a Cuca vem pegar
Papai foi na roça
Mamãe foi trabalhar

Representações mais famosas da lenda

As obras dedicadas ao folclore brasileiro sempre fizeram referência à lenda da Cuca, uma história popular que foi sendo passada de geração em geração, assumindo contornos distintos em várias regiões.

Contudo, algumas criações literárias, culturais e artísticas têm contribuído largamente para a propagação do mito.

Sítio do Picapau Amarelo

Sem dúvida que o escritor Monteiro Lobato (1882 – 1948) foi um dos mais importantes divulgadores da lenda da Cuca, bem como de outras figuras do folclore nacional.

Na coleção de livros para crianças Sítio do Picapau Amarelo (1920 – 1947), a personagem surge como uma das grandes vilãs da história. Logo na primeira obra, O Saci (1921), é representada como uma bruxa maléfica, com cara e garras de jacaré.

Os livros, de grande sucesso, foram adaptados para a televisão, primeiro pelas emissoras TV Tupi e Bandeirantes.

Cuca na série infantil Sítio do Pica-pau Amarelo

Mais tarde, em 1977, a Rede Globo criou seu programa infantil com o mesmo nome, que prosperou na TV e conquistou gerações inteiras de espectadores. A série foi retomada no ano de 2001, mantendo a bruxa como uma das protagonistas da narrativa.

Esta versão da Cuca, que já virou até meme nas redes sociais, também tem uma música muito famosa que foi gravada pela cantora Cássia Eller. Relembre o refrão abaixo:

Cuidado com a Cuca que a Cuca te pega
E pega daqui e pega de lá

A Cuca é malvada e se fica irritada
A Cuca é zangada, cuidado com ela

Descubra mais sobre suas obras mais importantes de Monteiro Lobato.

Série Cidade Invisível

A série nacional de fantasia foi criada por Carlos Saldanha e lançada, na Netflix, em fevereiro de 2021. Um êxito absoluto na plataforma digital, o enredo apresentou importantes figuras do folclore brasileiro ao público do mundo todo.

Com as lendas representadas num cenário contemporâneo, estes seres mitológicos ganham uma faceta mais humana e até vulnerável, já que estão sendo perseguidos por um inimigo desconhecido. A Cuca se apresenta como Inês, uma feiticeira que assume o papel de líder e procura proteger seus semelhantes.

Cuca na série Cidade Invisível

Capaz de controlar as borboletas-azuis e até de se transformar numa, a personagem recupera a versão da sombra que vira mariposa, que já estava presente no folclore, embora não fosse a mais conhecida. Aqui, a história é misturada com um mito que existe entre o povo brasileiro.

Segundo a crença popular, o pó que essas borboletas soltam seria capaz de cegar alguém (o que já foi desmentido pela ciência). No enredo, contudo, essa substância provocaria o sono ou até a amnésia temporária, devido aos poderes da bruxa.

Origens da lenda e contexto histórico

Foi durante o período da colonização que a lenda da Cuca chegou ao Brasil: começou por ter mais força na região de São Paulo, mas depois acabou se espalhando pelo resto do país.

A sua origem está relacionada com a figura da Coca, ou Santa Coca, do folclore português. Presente nas rimas infantis e cantigas de ninar, ela também surgia em comemorações religiosas e populares.

No Minho, por exemplo, aparecia como um dragão que São Jorge derrotava, durante a procissão de Corpus Christi. O costume ainda é realizado, atualmente, na localidade de Monção:

Festa do Corpo de Deus - Coca em Monção
Tradição da Coca na festa do Corpo de Deus, em Monção.

O nome "coca" ou "coco" era utilizado para designar um tipo de abóboras usadas como castiçais, decoradas com rostos recortados e assustadores. Associado o medo e a esta ideia de cabeça flutuando, o mito também surgia no masculino, com a figura do Coco ou Farricoco.

Um homem disfarçado ou um espantalho, ele desfilava nas procissões de túnica escura e capuz, com o rosto coberto, simbolizando a morte. A tradição, pertencente à região do Algarve, passou a se realizar também no Brasil, principalmente em São Paulo e Minas Gerais.

Também nestas manifestações culturais e religiosas, o mito servia de aviso para as gerações mais novas, sendo uma espécie de ameaça mitológica para garantir o bom comportamento. A figura encontra um paralelo na Mala Cuca da cultura espanhola, assim como em elementos das mitologias africanas e indígenas, entre outras.

Como Luís da Câmara Cascudo explicitou, em Geografia dos Mitos Brasileiros, estes relatos do folclore parecem sintetizar influências de várias fontes distintas:

Neles se resumem espécimens africanos, europeus e ameríndios. Como o fantasma aparece é que se fixa a maior influência, do Coco, informe e demoníaco, da Coca, monstruosa, do Cuco negro, alquebrado e misterioso antropófago. Para uma só entidade vêm as materializações de três assombros seculares, com vestígios nos idiomas angolês e tupi.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.