Lendas Indígenas: principais mitos dos povos originários (comentados)


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

As lendas indígenas brasileiras fazem parte da rica cultura dos povos originários do nosso país. Transmitidas oralmente ao longo de gerações, constituem uma importante herança cultural.

Essas histórias buscam explicar fenômenos da natureza e revelam um conteúdo simbólico precioso. Elas são importantes na cultura, pois preservam a identidade dos povos indígenas, transmitindo conhecimentos ancestrais e ensinamentos sobre a relação harmoniosa com a natureza.

A lendas também refletem os valores, crenças e visões de mundo dos povos indígenas, proporcionando uma compreensão mais profunda da diversidade cultural do Brasil.

1. Lenda do sol e da lua

Segundo essa lenda, existiam dois povos rivais. Eles viviam próximos um do outro, mas nunca se encontravam, pois era proibido que tivessem contato.

Entretanto, um dia um jovem guerreiro saiu para caçar na floresta e conheceu uma bela moça da etnia inimiga.

Eles se atraíram um pelo outro e passaram a se encontrar outras vezes. E assim foi nascendo um grande amor.

Sempre que podiam, os jovens arranjavam uma forma de estarem juntos sem que ninguém soubesse.

Certa vez, no entanto, um dos integrantes da comunidade em que o rapaz vivia flagrou o encontro dos dois. Eles foram levados à tribo e sentenciados à morte.
O cacique era o pai do guerreiro e ficou muito angustiado com a situação. Ele pediu então ao pajé que preparasse uma poção mágica para salvar o casal.

Assim foi feito. Os dois tomaram o preparado e se transformaram em astros do céu. O moço virou o sol, já a moça se converteu em lua.

Infelizmente o sol e a lua quase nunca se encontram, exceto quando ocorrem os eclipses, é nesse momento que o casal volta a se amar.

casal indígena apaixonado - lenda do sol e da lua

Comentários sobre a Lenda do Sol e da Lua

Em diversas culturas o amor mobiliza os seres humanos e faz parte das histórias transmitidas há séculos. Aqui temos uma lenda que, além de destacar esse sentimento, se dispõe a explicar a origem do sol e da lua.

Interessante analisar como esse mito indígena traça um paralelo com Romeu e Julieta, uma história escrita em um contexto e cultura completamente distintos.

2. Vitória-régia

Naiá era uma jovem que vivia enamorada pela Lua, chamada de Jaci pelos indígenas de seu povo.

Jaci (a lua) costumava encantar as moças e transformá-las em estrelas. Naiá esperava ansiosamente pelo dia em que seria transformada em estrela e viveria com Jaci.

Um dia, porém, ao ver o reflexo do astro em uma lagoa, Naiá se debruçou para alcançá-lo e caiu na água. Atordoada, morreu afogada.

Jaci lamentou a morte de Naiá e decidiu transformá-la em uma planta muito bela, a vitória-régia.

mulher indígena saindo das águas com flores de vitória régia - lenda da vitória régia

Comentários sobre a lenda da Vitória-régia

A vitória-régia é um dos símbolos da Amazônia, de onde vem essa lenda. A história busca explicar o surgimento dessa planta aquática tão comum na região.

Interessante a semelhança do mito indígena com o mito grego de Narciso, no qual o jovem se apaixona pelo reflexo de sua própria imagem no lago e (em algumas versões) também se afoga, sendo transformado em flor.

3. Iara

Em uma comunidade indígena amazônica havia uma moça muito bela que se chamava Iara. Ela era tão bonita que despertava inveja em muitas pessoas.

Seus irmãos, também invejosos, um dia resolveram matá-la. A jovem foi perseguida pelos irmãos e quase morta, mas ela era corajosa e conseguiu lutar com eles, matando-os.

Preocupada com a reação de seu pai, a moça fugiu, mas acabou sendo encontrada. O pai, furioso pela morte dos filhos, atirou-a no rio.

Para sua sorte, os peixes do rio ficaram solidários e a transformaram em uma sereia, metade mulher, metade peixe.

Assim, Iara passou a viver junto com os peixes e passava o tempo entoando doces melodias com sua voz encantada. Os homens, atraídos pelo seu canto, são arrastados para o fundo do rio e morrem.

Comentários sobre a lenda da Iara

Essa é uma lenda da região norte e possui também outras versões. Uma delas diz que a jovem foi na verdade atacada e violentada por um grupo de homens, que a atiraram no rio.

Seu nome significa “aquela que mora nas águas”.

Essa é uma das personagens mais conhecidas dos mitos indígenas brasileiros.

4. Boitatá

Boitatá é o nome de um personagem do folclore indígena brasileiro. Trata-se de uma serpente de fogo que protege a floresta dos invasores, assustando-os.

Uma das muitas versões conta que certa vez uma cobra acordou faminta de um sono longo e profundo.

Assim, ela devorou os olhos de vários animais da floresta. Seu corpo foi se iluminando cada vez mais e de seus olhos saíam labaredas de fogo. Diz-se que quem olhar um boitatá pode ficar cego ou louco.

Entenda a origem do Boitatá

Esse personagem é conhecido por vários nomes, entre eles bitatá e baitatá, mas todos significam “cobra de fogo”.

Um fenômeno curioso que ocorre na natureza, principalmente em pântanos, é o fogo fátuo, no qual os gases de materiais em decomposição podem provocar explosões de fogo. Dessa forma, a criação do boitatá pode ser uma lenda que explica o fogo fátuo.

5. Caipora

Essa é uma personagem do folclore que está intimamente relacionada às florestas, principalmente aos animais. Protetora das fauna, a caipora é um ser mítico representado tanto como homem quanto como mulher.

Ela tem os cabelos avermelhados, as orelhas como de duende, tem baixa estatura e vive nua nas matas.

Seus poderes incluem despistar caçadores e ressuscitar animais.

Em algumas versões ela surge montada em um porco do mato.

Explicação da lenda do Caipora

Essa é uma lenda tupi-guarani que, segundo o estudioso Luis da Câmara Cascudo, surgiu no sul do Brasil e se espalhou pelo país, chegando ao norte e nordeste. O nome caipora vem de kaa-póra e siginifica “habitante do mato”.

É um personagem similar ao curupira, sendo muitas vezes confundido com ele, que também é um protetor das matas.

6. Lenda do guaraná

Em uma comunidade indígena havia um casal cujo maior sonho era ter um filho. Após algum tempo tentando, eles pediram ao deus Tupã para que enviasse um menino.

Assim foi feito e logo depois a moça engravidou.

A criança nasceu saudável e crescia feliz e amada por todos.

Mas isso despertou a inveja de Jurupari, o deus das sombras. Planejando causar o mal, Jurupari se transformou em uma serpente e picou o garoto enquanto ele colhia frutos na mata.

Tupã enviou muitos trovões na tentativa de alertar os pais do garoto, mas de nada adiantou. Quando foi encontrado, o pequeno menino já estava sem vida.

A tribo toda lamentou a morte do garoto e o deus Tupã ordenou que seus olhos fossem plantados em um lugar especial.

O pedido foi atendido e do local onde os olhos foram enterrados nasceu uma árvore diferente, com um fruto exótico: o guaraná.

Explicação da lenda do guaraná

O guaraná é uma planta amazônica muito importante para diversos povos indígenas. É um cipó que pode chegar a 3 metros de altura e sua fruta se parece com olhos humanos, motivo que explica a lenda do guaraná.

O mito, assim como várias outras lendas ao redor do mundo, tem várias versões, se diferenciando em alguns pontos, mas é sempre um garoto que morre e tem os olhos plantados, de onde nasce o pé de guaraná.

7. A lenda da mandioca

Há muito tempo atrás havia uma jovem indígena em uma aldeia. Ela era filha do cacique e desejava engravidar, mas não tinha marido.

Até que certa noite ela teve um sonho muito nítido. Sonhou que um homem loiro descia da lua e vinha visitá-la, dizendo que a amava.

Passado um tempo, a jovem percebeu que estava grávida. A criança que nasceu era querida por toda a tribo. Ela tinha a pele muito branca, diferente dos demais, e foi chamada de Mani.

Mani brincava e se divertia, mas um dia amanheceu sem vida. Sua mãe ficou arrasada e a enterrou dentro da oca.

Todos os dias a mãe chorava sobre o local e a terra era regada com suas lágrimas. Até que de repente um arbusto brotou no lugar onde Mani foi enterrada e a jovem pensou que talvez a filha estivesse querendo sair.

Sem pensar duas vezes ela cavou a terra e o que encontrou foi uma raiz que, quando descascada, é branca como a pele de Mani.

E foi assim que surgiu a “mandioca”, fazendo referência à lenda de Mani.

Comentários sobre a lenda da mandioca

Alimento muito importante para a maioria dos povos originários, a mandioca é considerada o “pão indígena”.

Essa lenda de origem tupi busca explicar o surgimento dessa raiz branca e nutritiva, sendo a palavra “mandioca” a junção do nome Mani e oca.

8. Curupira

O curupira é um ser lendário que faz parte da cultura dos povos indígenas. Ele mora na mata, tem o cabelo de fogo e os pés voltados para trás, o que faz com que os caçadores se enganem e não consigam localizá-lo.

Muito ágil e de baixa estatura, é travesso e despista quem entra na floresta, podendo confundir as pessoas e fazer com que se percam.

Por ser um protetor da natureza, é frequentemente confundido com a caipora.

Origem do nome Curupira

O nome curupira vem do tupi-guarani e acredita-se que quer dizer “corpo de menino”. Os primeiros relatos na literatura sobre a lenda datam do século XVI e foram escritos pelo padre José de Anchieta.

9. Lenda da cobra grande

Uma jovem indígena que estava grávida de gêmeos deu à luz a duas crianças de aparência tenebrosa. Eles se pareciam com cobras e foram chamados de Honorato e Maria Caninana. A mãe ficou impressionada com a aparência de sua prole e decide então jogá-la no rio.

O menino, Honorato, era bondoso e perdoou a mãe, mas a menina Maria Caninana se tornou vingativa e sempre que podia fazia mal aos integrantes da aldeia.

Cansado de ver tanta maldade, Honorato matou Maria Caninana.

Dizem que nas noites de lua cheia Honorato se transforma em homem, mas logo que termina o período de lua cheia retorna à forma de serpente e passa o tempo na profundeza dos rios.

Comentários sobre a lenda da cobra grande

Essa é uma lenda que, assim como as outras, possui várias versões. Tem origem na região amazônica, sendo muito conhecida do povo ribeirinho.

A história conta que a cobra grande, por ser enorme e se rastejar, formou os sulcos que, mais tarde, formaram rios e afluentes.

10. Lenda do milho

Ainotarê, um velho chefe de uma aldeia indígena, certa vez, já pressentindo a morte, ordenou ao seu filho Kaleitoê que quando falecesse fosse enterrado no centro da plantação. O idoso também disse que de sua cova brotaria uma planta nova que alimentaria a comunidade. Ele explicou que as primeiras sementes da planta não poderiam ser consumidas, e sim replantadas.

Não tardou muito e Ainatorê morreu. Seu filho cumpriu o desejo do pai e o enterrou no lugar indicado.

Passado algum tempo, de fato começou a nascer de sua cova uma planta que dava espigas e muitas sementes amarelas, era o milho.

Comentários sobre a lenda do milho

Esse é um mito do povo Paresi, que vive na região do Mato Grosso. É interessante observar que muitas etnias têm diversas histórias míticas que servem para explicar a origem de alimentos importantes para aquele povo.

Assim é com a mandioca, com o guaraná, com o açaí e também com o milho.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.