Viagem ao Centro da Terra (resumo e análise do livro)


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Precursor do gênero ficção científica no século XIX, Viagem ao Centro da Terra (no original Voyage au Centre de la Terre) é um clássico da literatura universal lançado no ano de 1864.

Viagem ao Centro da Terra trata-se de uma aventura protagonizada por Otto Lidenbrock, pelo sobrinho Axel e pelo guia Hans Bjelke. Acredita-se que a história tenha sido inspirada em uma viagem que o próprio Verne teria feito para a Noruega e para outros países escandinavos.

Resumo

Em sua casa situada em Hamburgo, no dia 24 de maio de 1836, o professor e geólogo Otto Lidenbrock - um dos protagonistas da obra - encontra um pergaminho imundo, de autoria de um alquimista islandês do século XVI.

Escrito numa língua que não compreende, o cientista, que era professor de mineralogia em Johannaeum, pede ajuda ao seu sobrinho Axel para desvendar aquele mistério:

— Descobrirei esse segredo. Não dormirei nem comerei enquanto não decifrá-lo. — Fez uma pausa e acrescentou: — E você também, Axel.

Com muito custo, tio e sobrinho conseguem compreender aquele texto composto em uma escrita rúnica (uma linguagem usada pelos povos germânicos entre o século III até, mais ou menos, o século XIV).

Naquele pequeno manuscrito do alquimista islandês chamado Arne Saknussemm, o sábio confessa ter conseguido alcançar o centro da Terra. O percurso, que o alquimista dirá, se inicia na cratera do Sneffels, um vulcão extinto situado na Islândia.

Desce na cratera de Yocul de Sneffels que a sombra do Scartaris vem acariciar antes das calendas de julho, viajante audacioso, e chegarás ao centro da Terra. O que eu fiz. Arne Saknusemm

Lidenbrock fica obsessivo com a notícia e resolve embarcar nessa aventura junto com o sobrinho para conseguir desvendar o centro da Terra. Assim que consegue ler o pergaminho, o geólogo ordena que Axel prepare duas malas, uma para cada um. A travessia dura em torno de dez dias e, quando os dois chegam à Islândia, vão à procura de alguém que possa ajudá-los a encontrar a trilha.

Para tanto, tio e sobrinho contam com as contribuições de um guia local chamado Hans, que levará os dois à aldeia de Stapi, o caminho tão ansiado. O percurso será feito com quatro cavalos, uma série de instrumentos (termômetro, manômetro, bússolas) e terá início no dia 16 de junho.

O trabalho empreendido anos antes por Arne Saknusemm os ajuda a escolher o percurso correto. Quando avistam a cratera do Sneffels, sem saberem para onde ir, o tio identifica a pista de Arne:

— Axel, venha correndo! — dizia num tom de espanto e alegria.

Corri para perto dele, que apontava para um rochedo colocado no centro da cratera. A evidência tomou conta de mim. Na face ocidental do bloco, em caracteres rúnicos semirroídos pelo tempo, estava escrito: Arne Saknussemm.

É usando lâmpadas portáteis - como os mineiros - que os três personagens ingressam no centro da Terra e sobrevivem a uma série de aventuras.

Os três, fascinados com as descobertas, atravessam florestas de cogumelos, poços, corredores estreitos e chegam a testemunhar monstros pré-históricos. Uma realidade inimaginável, de tirar o fôlego.

A aventura mágica infelizmente termina antes do esperado, quando um dos vulcões, situado em Stromboli (na Sicília, Itália), atira os três integrantes para fora da Terra. Surpreendentemente nem Lidenbrock, nem Axel, nem Hans sofrem qualquer ferimento.

Personagens principais

Otto Lidenbrock

Professor e geólogo, descrito como um "homem alto, magro, de olhos azuis e cabelos louros, que usava óculos e dispunha de uma excelente saúde, o que diminuía uns dez anos dos seus 50".

Lecionava mineralogia em Johannaeum e vivia em uma pequena casa em Konigstrasse, um velho bairro de Hamburgo, acompanhado do sobrinho, da afilhada Grauben e de Marta, a cozinheira.

Entusiasta por novos conhecimentos, Otto representa um aventureiro nato obcecado com novas descobertas.

Axel Lidenbrock

É o narrador da história e o primeiro a conseguir ler o misterioso pergaminho de autoria do islandês Arne Saknussemm. Tem uma relação bastante próxima com o tio, por quem nutre profunda admiração e afeto. Ao mesmo tempo que deseja experimentar o novo, Axel também personifica o medo diante do incerto.

Hans Bjelke

Descrito como um homem silencioso, alto e calmo, Hans é o guia que ajudará Lidenbrock e Axel ao longo do percurso. Inicialmente Hans levaria os dois apenas para a aldeia de Stapi, mas no final das contas também acaba embarcando na viagem rumo ao centro da Terra.

Grauben

Afilhada de Otto Lidenbrock, a dedicada Grauben vive na mesma casa em Hamburgo e se apaixona por Hans, sobrinho do geólogo. Assim que sabe da descoberta do pergaminho e da aventura deseja a Axel uma bela viagem. Hans e Grauben acabam por noivar.

Análise

A expansão imperialista e os tipos de conhecimento ilustrados na obra

Em todos os livros de Verne nota-se a importância do contexto histórico imperialista para a construção das suas histórias.

Durante o século XIX a Europa encontrava-se marcada por movimentos expansionistas e foi desse universo da descoberta, da curiosidade e da aventura que o escritor francês bebeu para criar as suas ficções.

É esse movimento que Carvalho sublinha em seu artigo sobre o clássico de Verne:

O desejo por aventuras, grandes coleções e exotismos, no imaginário europeu da época, condiz com a necessidade de potências europeias em ampliar seus domínios: a imaginação servia ao discurso de expansão. Assim, viagens maravilhosas como as de Verne encaixam-se no contexto de busca pelo extraordinário. (CARVALHO, 2017)

Durante esse percurso rumo ao desconhecido vemos como os personagens se adaptam frente às necessidades.

Apesar de deter um conhecimento científico, o tio Lidenbrock transparece que valoriza profundamente a intuição baseando as suas escolhas não só em elementos formais, mas também a partir de sensações e impulsos que não podem ser propriamente nomeados.

O sobrinho, por sua vez, bem mais novo, parece mais apegado à ciência e ao uso de termos técnicos que o faz se sentir mais seguro diante da perigosa empreitada:

Esse espantoso efeito acústico explica-se facilmente pelas leis físicas e foi possível pela forma do corredor e da condutibilidade da rocha. [...] Essas recordações ocorreram-me ao espírito e deduzi claramente que, visto que a voz do meu tio chegara até mim, nenhum obstáculo existia entre nós. Seguindo o caminho do som, devia logicamente chegar ao meu destino, se as forças não me traíssem.

O conhecimento de Hans, o guia, já parece advir de outro tipo de sabedoria. Profundamente ligado à experiência, ao dia a dia e ao solo, ele sabe a partir daquilo que viu e sentiu ao longo das aventuras. É ele que diversas vezes salva o professor e o sobrinho de graves apuros.

A ficção científica

O conceito de ficção científica surgiu em 1920 e foi utilizado para caracterizar obras que projetavam visões do futuro. O título era inicialmente dado, portanto, para nomear escritas que apontavam para o amanhã. Júlio Verne, em seu tempo, previu na ficção uma série de revoluções que viriam a se tornar realidade apenas décadas mais tarde.

Foi na segunda metade do século XIX que o o estilo literário em questão se consolidou especialmente devido a produção de H.G. Wells e Júlio Verne.

Ambos os escritores - um inglês e um francês - partilhavam uma base comum de trabalho. Os dois utilizavam como estratégia mesclar um aspecto científico e comprovado e imaginavam universos paralelos, acrescentando cor e vida para criarem as histórias.

Júlio Verne antecipou na literatura uma série de descobertas que aconteceriam anos mais tarde (como, por exemplo, a ida do homem ao espaço e a construção de submarinos) e a sua escrita contagiou especialmente jovens e adolescentes ao longo dos anos.

A imersão do leitor no universo da ficção

Você pode imaginar a dificuldade de se criar um universo completamente fantasioso em meados do século XIX e solicitar que os leitores embarcassem nessa fantasia sem qualquer paralelo com o real? Foi essa a dificuldade inicial enfrentada por Verne, que queria que os seus leitores habitassem espaços até então completamente desconhecidos.

Uma das estratégias utilizadas pelo autor foi imprimir em suas obras uma linguagem científica e rebuscada para narrar cenas mais corriqueiras. O autor francês pega emprestado termos mineralógicos, geológicos e até mesmo paleontológicos para fazer o leitor penetrar no universo da ficção. Veja, por exemplo, a fala elaborada do sobrinho Axel:

– Vamos – disse de repente, agarrando-me num braço – para frente, para frente!

Não – protestei – Não temos armas! Que faríamos nós no meio desses gigantescos quadrúpedes? Venha meu tio, venha! Nenhuma criatura humana pode enfrentar impunemente a cólera desses monstros.

Para além do uso de uma linguagem especial, outro elemento essencial para o mergulho do leitor é a forte presença de imagens quem ilustram a história. Nas edições originais de Verne, uma série de desenhos compunham o livro, dando forma e contorno à imagem narrada.

Ilustração presente na página 11 da edição original de Voyage au Centre de la Terre (1864).
Ilustração presente na página 11 da edição original de Voyage au Centre de la Terre (1864).

Filme Viagem ao Centro da Terra (2008)

Viagem ao Centro da Terra já foi adaptado para longa metragem cinco vezes. A versão mais famosa provavelmente foi a dirigida por Eric Brevig, lançada em 28 de agosto de 2008.

O filme não é propriamente uma adaptação do livro, trata-se mais precisamente de um roteiro derivado da obra, inspirado nas palavras de Verne, mas trazendo algumas modificações significativas.

O que motiva a viagem do geólogo no cinema é o desaparecimento do seu irmão Max (vivido por Jean Michel Paré), que jamais apareceu no clássico de Júlio Verne.

Outra diferença substancial se dá no personagem Hans Bjelke, que nas telonas dá lugar a Hannah (incorporada por Anita Briem), uma bela moça que guiará tio e sobrinho pela Islândia.

Axel também é renomeado e ganha o primeiro nome de Sean (interpretado por Josh Hutcherson).

Confira o trailer:

Quem foi Júlio Verne

Considerado por muitos como o pai da ficção científica, Jules Gabriel Verne nasceu em Nantes, na França, no dia 8 de fevereiro de 1828.

Era suposto ter seguido a carreira de advogado pois formou-se em Direito, mas acabou influenciado pelo amigo Alexandre Dumas. Seu início no mundo das palavras foi através do teatro, onde escrevia peças. Para sobreviver, em paralelo, atuava como corretor da bolsa de valores.

Em 31 de janeiro de 1863, lançou o seu primeiro livro: Cinco Semanas Em Um Balão. Ao longo da sua trajetória literária se aventurou nos mais diversos gêneros: poemas, romances, peças de teatro, narrativas breves.

Alguns dos seus títulos mais famosos viraram clássicos da literatura universal como:

  • Cinco semanas em um balão (1863)
  • Viagem ao centro da Terra (1864)
  • Vinte mil léguas submarinas (1870)
  • A volta ao mundo em oitenta dias (1872)

Verne foi um produtor assíduo e chegou a lançar por ano de duas a três publicações com o amigo editor Pierre-Jules Hetzel. Praticamente todos os seus títulos estavam ligados ao tema das viagens (contando com expedições) e à invenções tecnológicas e científicas. O que parecia fascinar mesmo o escritor era compor aventuras rumo à terras desconhecidas.

As obras do escritor francês eram frequentemente ilustradas com muitas imagens, o que ajudava a cativar ainda mais o leitor para dentro da aventura.

Júlio Verne faleceu no dia 24 de março de 1905, aos setenta e sete anos.

Retrato de Julies Verne.
Retrato de Júlio Verne.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).