Rupi Kaur: 12 poemas comentados da escritora indiana


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

Rupi Kaur é uma jovem escritora indiana que ganhou destaque nos últimos anos por meio das redes sociais. Com uma escrita simples, mas profundamente sincera e intimista, Rupi toca em pontos importantes, sobretudo para as mulheres.

O amor, a auto-estima, o feminismo, a solidão e solitude estão presentes em sua poesia de uma maneira direta e descomplicada, contribuindo para que muitas jovens compreendam situações e sentimentos complexos. A autora também inclui em seus livros ilustrações autorais.

Seus poemas não possuem títulos e estão escritos apenas com letras minúsculas, da mesma forma que se escreve em gurmukhi, um idioma indiano. Na nossa seleção, destacamos as primeiras palavras de cada texto poético para trazer 12 poemas analisados.

1. acima de tudo ame

acima de tudo ame
como se fosse a única coisa que você sabe fazer
no fim do dia isso tudo
não significa nada
esta página
onde você está
seu diploma
seu emprego
o dinheiro
nada importa
exceto o amor e a conexão entre as pessoas
quem você amou
e com que profundidade você amou
como você tocou as pessoas à sua volta
e quanto você se doou a elas.

Nesse texto poético, a autora nos traz a valorização da entrega em um relacionamento.

Seja em amizades, amores carnais ou familiares, a ligação e o vínculo que se estabelece com as pessoas é uma das coisas mais importantes da vida, pois é o que realmente transforma a realidade, deixando um legado de amor por onde passamos.

2. quero pedir desculpa a todas as mulheres

quero pedir desculpas a todas as mulheres
que descrevi como bonitas
antes de dizer inteligentes ou corajosas
fico triste por ter falado como se
algo tão simples como aquilo que nasceu com você
fosse seu maior orgulho quando seu
espírito já despedaçou montanhas
de agora em diante vou dizer coisas como
você é forte ou você é incrível
não porque eu não te ache bonita
mas porque você é muito mais do que isso

Desde crianças, um dos elogios mais frequentes direcionado às mulheres está relacionado à aparência. Geralmente, ser "bonita" é visto como uma grande "conquista" e motivo de orgulho.

Rupi Kaur apresenta nesse poema uma outra perspectiva sobre a beleza, trazendo outras qualidades que podem - e devem - ser apontadas antes de dizer que uma mulher é simplesmente bela, até porque o conceito de "belo" é algo bastante questionável e impermanente.

3. todos nascemos tão bonitos

todos nascemos
tão bonitos

a grande tragédia é que
nos convencem de que não somos

Esse pequeno poema trata do sentimento de baixa auto-estima a que todos estamos sujeitos ao longo da vida. Ao nascer, o ser humano tem uma jornada a percorrer e ainda não foi influenciado pelas opiniões e julgamentos alheios.

Mas com o tempo, se não mantivermos a clareza e o orgulho de ser quem somos, corremos o risco de acreditar que somos menos merecedores e menos "belos".

4. não quero ter você

não quero ter você
para preencher minhas partes vazias
quero ser plena sozinha
quero ser tão completa
que poderia iluminar a cidade
e só aí
quero ter você
porque nós dois juntos
botamos fogo em tudo

Quando nos apaixonamos, corremos o risco de acreditar que a presença da pessoa amada em nossas vidas é o que preenche e dá sentido à existência.

Mas aqui, Rupi nos alerta sobre a necessidade de vivenciar a completude sem depender de ninguém, para que assim, completas, possamos transbordar em um relacionamento saudável e vibrante.

5. eu não fui embora

eu não fui embora porque
eu deixei de te amar
eu fui embora porque quanto mais
eu ficava
menos eu me amava

Muitas vezes, mesmo amando uma pessoa, é necessário ter coragem para abandonar uma relação que já não faz bem.

É preciso força e lucidez para reconhecer quando uma união está desgastada e faz com que nosso auto-amor fique em segundo plano.

Nesses casos, mesmo que seja doloroso, é preferível seguir só, pois de forma alguma devemos deixar de nos amar para caber nas expectativas de outra pessoa.

6. meu pulso acelera

meu pulso acelera diante
da ideia de parir poemas
e é por isso que nunca vou parar
de me abrir para concebê-los
o amor
pelas palavras
é tão erótico
que ou estou apaixonada
ou excitada pela
escrita
ou ambos

Essa é uma linda homenagem à escrita e uma declaração de amor à poesia.

A escritora apresenta de modo visceral a sua conexão com as palavras e o desejo de seguir escrevendo e mostrando seu ponto de vista sobre a vida.

7. por que os girassóis

por que os girassóis ele me pergunta
eu aponto para o campo amarelo
os girassóis adoram o sol eu digo
quando o sol sai eles se erguem
quando o sol vai embora
eles abaixam a cabeça de tristeza
é o que o sol faz com as flores
é o que você faz comigo
— o sol e suas flores

A relação entre a natureza e os sentimentos é lindamente estabelecida nesse poema de Rupi Kaur, que compara seu estado emocional com os girassóis.

Ela traça uma relação entre essa flores - que se movimentam de acordo com sol - e o seu humor, que também se altera com a ausência do ser amado.

8. você partiu

você partiu
e eu ainda te queria
mas eu queria alguém
que quisesse ficar

Esse poema presente em Outros jeitos de usar a boca diz também sobre a frustração e o fim de uma relação amorosa. O sentimento exposto aqui é o desejo de que o ser amado queira se relacionar.

É uma frustração por não ter controle sobre o desejo do outro. Entretanto, há também um certo conformismo, pois é melhor seguir só do que estar ao lado de alguém com um sentimento incompatível.

9. quando você começa a amar

quando você começa a amar uma pessoa nova
dá vontade de rir porque o amor é indeciso
lembra de quando você tinha certeza
que da última vez era a pessoa certa
e agora olha você aí
redefinindo a pessoa certa de novo
– um novo amor é um presente

Os poemas de Rupi Kaur fazem muito sucesso pois tratam as questões de maneira direta, trazendo em poucas frases reflexões acerca das complexidades do amor e das relações.

Um exemplo é o texto em questão, que nos coloca a frente das contradições e armadilhas que as emoções despertam. Realmente, o apaixonamento pode fazer com que se acredite que existe uma "pessoa certa", o que é uma ilusão.

Portanto, a cada novo amor, as certezas são reconfiguradas e novamente as pessoas se percebem em uma situação inesperada e surpreendente.

10. me levanto

me levanto
sobre o sacrifício
de um milhão de mulheres que vieram antes
e penso
o que é que eu faço
para tornar essa montanha mais alta
para que as mulheres que vierem depois de mim
possam ver além
– legado

As narrativas de outras mulheres, suas dores e suas lutas, são evocadas pela escritora de forma a criar um panorama emocional e histórico que dá forças para que as novas gerações possam se levantar e criar uma nova realidade.

É interessante como Rupi consegue questionar o passado ao mesmo tempo em que valoriza e homenageia as mulheres que viveram e se sacrificaram nesse duro sistema patriarcal.

11. essa ideia de beleza

essa ideia de beleza
é fabricada
eu não
– humana

A "beleza" - sobretudo a feminina - é um aspecto construído ao longo dos séculos e que está em constante transformação.

Existe um mito em torno dela e uma cobrança para que as mulheres estejam sempre "impecáveis, belas e perfeitas", quase como se não fossem seres humanos.

Assim, Rupi aponta essa problemática, reivindicando seu lugar no mundo como pessoa e não como um produto, se colocando contra a objetificação dos corpos e as pressões estéticas que recaem sobre as mulheres.

12. vocês partiram o mundo

vocês partiram o mundo
em vários pedaços e
chamaram de países
declararam posse sobre
o que nunca lhes pertenceu
e deixaram os outros sem nada
– colonizado

Os poemas e frases de Rupi Kaur abordam com profundidade as relações, principalmente o amor entre casais, mas alguns trazem ainda questões sociais de grande importância.

Aqui, a escritora indiana exibe sua indignação sobre o problema histórico da colonização e as consequências decorrentes dele, como a invasão de territórios, o domínio de uns sobre outros e a desigualdade.

Livros de Rupi Kaur

Rupi começou a publicar seus poemas e ilustrações nas redes sociais de forma independente aos 21 anos. Seus sucesso foi enorme, fazendo com que seus dois primeiros livros alcançassem mais de 8 milhões de cópias vendidas em cerca de 20 idiomas.

  • Outros jeitos de usar a boca (Milk and Honey) - 2014
  • O Que o Sol Faz Com as Flores (The Sun and Her Flowers) - 2017
  • Meu corpo minha casa (Home Body) - 2021

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.