18 melhores poemas de Augusto dos Anjos


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Augusto dos Anjos (1884 — 1914) foi um poeta e professor brasileiro extremamente original, que deixou um grande legado na nossa literatura.

Não tendo pertencido a nenhuma escola literária em concreto, o trabalho poético do autor teve raízes no parnasianismo e no simbolismo da época.

Contudo, por apresentarem características de vanguarda (por exemplo, os temas), alguns teóricos defendem que os versos podem ser encarados como pré-modernistas.

Conheça, abaixo, os poemas mais famosos e inesquecíveis de Augusto dos Anjos, um poeta genial meio incompreendido no seu tempo:

1. Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

2. Soneto

Canta teu riso esplêndido sonata,
E há, no teu riso de anjos encantados,
Como que um doce tilintar de prata
E a vibração de mil cristais quebrados.

Bendito o riso assim que se desata
- Citara suave dos apaixonados,
Sonorizando os sonhos já passados,
Cantando sempre em trínula volata!

Aurora ideal dos dias meus risonhos,
Quando, úmido de beijos em ressábios
Teu riso esponta, despertando sonhos...

Ah! Num delíquio de ventura louca,
Vai-se minh'alma toda nos teus beijos,
Ri-se o meu coração na tua boca!

3. Solitário

Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -

Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!

4. Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

5. Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos …

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

6. Vozes da morte

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

7. A Esperança

A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença,
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença do fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro -- avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!

8. Amor e crença

Sabes que é Deus?! Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?

Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?!

Ah! Se queres saber a sua grandeza,
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!

Deus é o templo do Bem. Na altura Imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a Crença,
ama, pois, crê em Deus, e... sê bendita!

9. O morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela igneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!

10. Saudade

Hoje que a mágoa me apunhala o seio,
E o coração me rasga atroz, imensa,
Eu a bendigo da descrença, em meio,
Porque eu hoje só vivo da descrença.

À noute quando em funda soledade
Minh’alma se recolhe tristemente,
P’ra iluminar-me a alma descontente,
Se acende o círio triste da Saudade.

E assim afeito às mágoas e ao tormento,
E à dor e ao sofrimento eterno afeito,
Para dar vida à dor e ao sofrimento,

Da saudade na campa enegrecida
Guardo a lembrança que me sangra o peito,
Mas que no entanto me alimenta a vida.

11. O Deus-Verme

Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme - é o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão...

Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

12. Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

13. Vozes de um túmulo

Morri! E a Terra — a mãe comum — o brilho
Destes meus olhos apagou!… Assim
Tântalo, aos reais convivas, num festim,
Serviu as carnes do seu próprio filho!

Por que para este cemitério vim?!
Por quê?! Antes da vida o angusto trilho
Palmilhasse, do que este que palmilho
E que me assombra, porque não tem fim!

No ardor do sonho que o fronema exalta
Construí de orgulho ênea pirâmide alta,
Hoje, porém, que se desmoronou

A pirâmide real do meu orgulho,
Hoje que apenas sou matéria e entulho
Tenho consciência de que nada sou!

14. Solilóquio de um visionário

Para desvirginar o labirinto
Do velho e metafísico Mistério,
Comi meus olhos crus no cemitério,
Numa antropofagia de faminto!

A digestão desse manjar funéreo
Tornado sangue transformou-me o instinto
De humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas divinas visões do íncola etéreo!

Vestido de hidrogênio incandescente,
Vaguei um século, improficuamente,
Pelas monotonias siderais…

Subi talvez às máximas alturas,
Mas, se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É necessário que inda eu suba mais!

15. Sofredora

Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora – o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.

Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.

Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso à flor da boca.

Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença.
Como Jesus a soluçar no Horto!

16. Eterna Mágoa

O homem por sobre quem caiu a praga

Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!
Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

17. A lágrima

– Faça-me o obséquio de trazer reunidos
Cloreto de sódio, água e albumina…
Ah! Basta isto, porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos!

-“A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina”

– O farmacêutico me obtemperou. –
Vem-me então à lembrança o pai Yoyô
Na ânsia física da última eficácia…

E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!

18. O meu nirvana

No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!

Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspeto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Idéia Soberana!

Destruída a sensação que oriunda fora
Do tato — ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebéias —

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Idéias!

A obra de Augusto dos Anjos

A poética de Augusto dos Anjos

Augusto dos Anjos publicou seu primeiro poema, intitulado Saudade, em 1900. A composição pertencia a uma fase inicial da sua poética, ainda bastante influenciada pelo simbolismo que vigorava.

Embora os seus versos fossem influenciados pelas formas e os modelos daquele tempo, as temáticas divergiam cada vez mais, subvertendo o que era esperado da poesia.

Várias edições da obra poética de Augusto dos Anjos.
Várias edições da obra poética de Augusto dos Anjos.

A segunda fase da sua obra é aquela em que o autor começa a explorar e apresentar a sua mundividência, através de poemas como Psicologia de um Vencido. Aqui, a poesia era encarada como a tentativa (falhada) do sujeito se expressar, comunicar com o mundo.

Já na sua fase final, o trabalho do poeta se consolida, com mais maturidade, em composições como Ao Lunar. Nesta época, são notórios os sentimentos de solidão e nostalgia do eu-lírico.

Principais temas da poesia de Augusto dos Anjos

A poesia de Augusto dos Anjos pode ser bastante densa e complexa, levando o leitor a refletir sobre os mais diversos assuntos.

Repleto de dúvidas existenciais, este sujeito oscila entre o idealismo e o materialismo e o seu tom é marcado por emoções disfóricas como a angústia, a melancolia, o desamparo e a solidão. Aliás, não é por acaso que a morte é um dos temas centrais da sua poética.

Entusiasmado pelos avanços da época, Augusto dos Anjos se servia do pensamento científico para analisar várias matérias, através da poesia: a sociedade, a filosofia, a religião, a política, etc.

Principais características da poesia de Augusto dos Anjos

Recriando muitas das formas clássicas, a poesia de Augusto dos Anjos se destacava pelas temáticas subversivas que não ecoavam o simbolismo da época.

Na verdade, o autor assumia uma postura semelhante à dos naturalistas, através da extrema valorização da ciência e dos seus discursos.

No uso da linguagem, o poeta também foi extremamente inovador, combinando expressões eruditas com um vocabulário popular. Também por isso, essa linguagem foi encarada como imprópria ou até "antipoética".

Recepção do público e da crítica

Naquele tempo, os escritos de Augusto dos Anjos chocaram os seus pares, provocando espanto e estranheza no público. A crítica estava dividida mas, em geral, o trabalho do autor não era muito popular.

Mais tarde, com a chegada dos modernistas, a sua obra poética foi bastante divulgada e teve várias reedições, se tornando bem conhecida do público.

EU (1912)

Apesar de ter lançando poemas em vários jornais, Augusto dos Anjos apenas publicou um livro, EU, em 1912. Refletindo o contexto histórico da época, o autor não esconde um tom sombrio, pessimista e trágico.

Nestas composições, combinava imaginários fúnebres com cenários alegres e até festivos, mas inevitavelmente caía nas temáticas da miséria humana e a decadência da matéria.

Um poeta melancólico e que não foi bem entendido, Augusto dos Anjos só alcançou verdadeiramente o sucesso depois da morte. Em 1920, o amigo Órris Soares resolveu fazer uma edição póstuma da obra, adicionando poemas que ainda eram inéditos. Assim surgiu Eu e Outras Poesias, livro que já foi reeditado várias vezes desde então.

A obra está disponível para download gratuito em formato pdf.

A vida de Augusto dos Anjos

Juventude

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu dia 22 de abril de 1884, no engenho Pau d'Arco, na Paraíba. Era filho de Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos e Alexandre Rodrigues dos Anjos e foi alfabetizado pelo pai, que era formado em direito.

Augusto dos Anjos frequentou o Liceu Paraibano, onde o seu amor pelas letras foi aumentando, e começou a escrever poesia durante a infância. Em 1903, entrou na Faculdade de Direito do Recife, onde completou o seu bacharelato e que frequentou até 1907.

Carreira e vida pessoal

Quando terminou os estudos, se tornou professor no mesmo Liceu Paraibano no qual tinha sido aluno. Ficou lá até 1910, quando abandonou o emprego depois de brigar com o governador. Na mesma época, casou com Ester Fialho e os dois se mudaram para o Rio de Janeiro.

Enquanto escrevia poemas em várias publicações, o autor continuava trabalhando como professor, tendo lecionado em vários locais do Rio como a Escola Normal, o Instituto de Educação e Colégio Pedro II.

Fase final da sua vida

Mais tarde, ele se mudou para Leopoldina, em Minas Gerais, onde se tornou diretor de um grupo escolar. Esse acabou sendo o último destino do poeta que morreu com apenas 30 anos.

No dia 12 de novembro de 1914, Augusto dos Anjos morreu, na sequência de uma gripe prolongada que virou pneumonia. A casa onde viveu os seus últimos anos foi transformada no Museu Espaço dos Anjos, um local de homenagem ao autor.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.