Os 15 melhores poemas de Olavo Bilac (com análise)


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Olavo Bilac (1865—1918) foi um poeta, escritor e jornalista brasileiro, apontado como o maior nome do parnasianismo nacional.

O autor se destacou pelo caráter plural das suas obras, tendo se dedicado aos sonetos de amor, mas também às composições voltadas para o público infantil, passando ainda pelos comentários políticos e sociais.

1. A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço: e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua
Rica mas sóbria, como um templo grego

Não se mostre na fábrica o suplicio
Do mestre. E natural, o efeito agrade
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade

Um dos sonetos mais famosos de Olavo Bilac, este parece ser um recado A um poeta, no qual o sujeito transmite a sua visão e os seus conselhos acerca do ofício da escrita.

Ele apresenta o processo da criação poética como um trabalho duro, complicado, sofrido até. No entanto, deixa claro que, na sua opinião, esse esforço não deve ficar evidente no produto final.

Apesar de todos os modelos que a poesia impunha naquela época, o eu-lirico defende que o "suplício do mestre" não deve ser visível para o leitor. Ele acredita que a obra terminada deve parecer fruto de um processo natural e harmonioso.

Isto porque, na sua perspectiva, a beleza estaria na ausência dos artifícios, naquilo que é aparentemente simples, mesmo que o processo que esteve na sua origem tenha sido extremamente complexo.

2. A velhice

O neto:
Vovó, por que não tem dentes?
Por que anda rezando só.
E treme, como os doentes
Quando têm febre, vovó?
Por que é branco o seu cabelo?
Por que se apóia a um bordão?
Vovó, porque, como o gelo,
É tão fria a sua mão?
Por que é tão triste o seu rosto?
Tão trêmula a sua voz?
Vovó, qual é seu desgosto?
Por que não ri como nós?

A Avó:
Meu neto, que és meu encanto,
Tu acabas de nascer…
E eu, tenho vivido tanto
Que estou farta de viver!
Os anos, que vão passando,
Vão nos matando sem dó:
Só tu consegues, falando,
Dar-me alegria, tu só!
O teu sorriso, criança,
Cai sobre os martírios meus,
Como um clarão de esperança,
Como uma benção de Deus!

A Velhice é um poema voltado para o público infantil e verdadeiramente emocionante. A composição mostra duas perspectivas bastante diferentes e complementares acerca da vida, da passagem do tempo e das relações familiares.

Na primeira metade, o sujeito é o neto, uma criança que coloca várias questões, algumas até inconvenientes, porque não entende a sua avó nem conhece os desafios da velhice.

Já a segunda metade, em jeito de resposta, é uma declaração de amor da mulher idosa. Ela explica que já viveu muito e passou grandes sofrimentos, mas as suas forças aumentaram com o nascimento do neto.

Assim, a composição ensina os leitores mirins a terem mais paciência e compreensão com os avós, já que são verdadeiras fontes de alegria e esperança para eles.

3. Ora (direis) ouvir estrelas!

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto …

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”

Parte de uma coleção de sonetos intitulada Via Láctea, o poema é um dos mais famosos de Olavo Bilac e continua sendo bastante popular atualmente. Versando sobre um tema eterno, a paixão, o sujeito poético parece responder às críticas que recebe daqueles que o rodeiam.

Um homem apaixonado, ele conversa com as estrelas e é incompreendido, encarado como um sonhador ou até mesmo um louco. O eu-lirico explica que aqueles que não entendem, aqueles que criticam, simplesmente precisam se apaixonar.

Assim, o amor surge como algo mágico, transformador, que confere encanto à vida banal. É como se, por amar, o sujeito descobrisse uma realidade própria dos apaixonados, que só eles conhecem e parece absurda para os demais.

Confira a análise completa do poema Ora (direis) ouvir estrelas.

4. Em uma tarde de outono

Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...

Neste poema, o sujeito está observando a natureza pela janela e parece projetar na paisagem aquilo que está sentindo: ele se revê nas cores e na melancolia do outono.

O seu estado de espírito é o resultado de uma separação e o eu-lirico está sofrendo com saudades de um amor perdido, metaforizado pela imagem de um navio no mar. Assim, a amada seria o "belo navio" e ele o mar "morto" que foi cruzado momentaneamente.

Podemos perceber que se tratou de um relacionamento fugaz e a outra pessoa já partiu, como se tivesse sido levada pelo vento. Contrastando com a tristeza presente, o sujeito relembra a felicidade do encontro amoroso, cheio de beijos e risos.

5. Um beijo


Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! e anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...

No soneto, o sujeito poético fala de uma paixão inesquecível que parece ter marcado irremediavelmente o seu percurso. Os sentimentos que nutre por aquela pessoa são tão fortes que o beijo que trocaram foi, ao mesmo tempo, o melhor e o pior da sua vida.

O envolvimento chega mesmo a ser comparado com uma subida aos céus e posterior descida aos infernos. Confessando que a amada morreu e deixou uma saudade infinita, o sujeito poético declara que continua querendo estar com ela e sofre por isso, a ponto de desejar ter morrido também.

6. Ao coração que sofre

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.

Também em formato de soneto, o poema é a confissão do sujeito que sofre, distante da pessoa que ama. Para ele, não basta o amor platônico, a grandeza dos sentimentos que os unem e nutrem um pelo outro. Pelo contrário, afirma a necessidade de ter o seu amor do lado, trocar beijos e abraços, experienciar a paixão de perto.

Cruzando emoções e pensamentos, o eu-lirico conclui que a sua vontade é natural, justa, humana; por isso, não sente vergonha dos seus desejos.

Na sua concepção, não faz sentido trocar "a terra pelo céu", ou seja, abrir mão das vivências terrenas, carnais, em nome da moral religiosa.

Se assumindo enquanto um mero ser humano, muito longe de ser perfeito ou sequer ter essa pretensão, aceita que faz parte da sua natureza querer viver o amor e não existe nada de errado nisso.

7. Maldição

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh'alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...

Contrariamente aos poemas que analisamos acima, esta composição transmite um sentimento de revolta latente perante uma rejeição amorosa.

O sujeito poético declara que se segurou durante muito tempo mas, agora, precisa expressar aquilo que está sentindo, como lava jogada para fora de um vulcão.

Confessando que guarda uma mágoa antiga, que dura há duas décadas e batizou de "maldição", ele se dirige a uma mulher, a interlocutora do poema. Chega mesmo a chamá-la de "maldita" porque o machucou, porque rejeitou a sua paixão. Esse sofrimento parece ter transformado este sujeito, levado a sua alegria, algo pelo qual ele a culpa e se sente condenado.

8. Hino à Bandeira do Brasil

Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança
A grandeza da Pátria nos traz.

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Em teu seio formoso retratas
Este céu de puríssimo azul,
A verdura sem par destas matas,
E o esplendor do Cruzeiro do Sul.

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Contemplando o teu vulto sagrado,
Compreendemos o nosso dever;
E o Brasil, por seus filhos amado,
Poderoso e feliz há de ser.

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Sobre a imensa Nação Brasileira,
Nos momentos de festa ou de dor,
Paira sempre, sagrada bandeira,
Pavilhão da Justiça e do Amor!

Recebe o afeto que se encerra
Em nosso peito juvenil,
Querido símbolo da terra,
Da amada terra do Brasil!

Apresentado no ano de 1906, o Hino à Bandeira do Brasil foi uma encomenda de Francisco Pereira Passos, prefeito do Rio de Janeiro, ao poeta parnasiano. Posteriormente, a letra foi musicada por Francisco Braga e visiva apresentar a nova bandeira nacional ao povo brasileiro.

Assim, aparenta ser uma declaração de amor ao país, transmitindo uma mensagem positiva e solar de esperança, paz e grandeza. Fazendo referência às cores e aos elementos da bandeira, a composição fala de um povo que ama a sua terra e tem mantém a fé num futuro risonho, num Brasil "poderoso" e "feliz".

9. Velhas Árvores

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

Mais uma vez, o sujeito poético parece encontrar na natureza um eco das suas emoções, bem como uma resposta e até uma inspiração. Observando as árvores mais antigas, o eu-lirico afirma que elas são as mais bonitas, porque sobreviveram à passagem do tempo e também a inúmeras adversidades.

Esta parece se tratar de uma metáfora que sujeito utiliza para encarar o envelhecimento e a juventude perdida. Conversando com um amigo, o interlocutor, ele transmite uma mensagem positiva, sobre a paz e a sabedoria que surgem com a idade.

10. Fogo-fátuo

Cabelos brancos! dai-me, enfim, a calma
A esta tortura de homem e de artista:
Desdém pelo que encerra a minha palma,
E ambição pelo mais que não exista;

Esta febre, que o espírito me encalma
E logo me enregela; esta conquista
De idéias, ao nascer, morrendo na alma,
De mundos, ao raiar, murchando à vista:

Esta melancolia sem remédio,
Saudade sem razão, louca esperança
Ardendo em choros e findando em tédio;

Esta ansiedade absurda, esta corrida
Para fugir o que o meu sonho alcança,
Para querer o que não há na vida!

O título do poema é uma referência a um fenômeno natural que sempre causou muita estranheza, alimentando até crenças e mitos. O "fogo-fátuo" é chama azul que dura apenas alguns segundos e é gerada nos corpos em decomposição.

Isto sugere que o sujeito poético está na última etapa da sua vida, a velhice, algo que é confirmado pelos seus cabelos brancos. Chegado este momento, ele ainda busca uma calma que nunca chegou, descrevendo seu estado de inquietude, não só enquanto indivíduo mas também enquanto poeta.

Tomado por várias emoções, continua sendo consumido por uma ânsia pelo que não tem e não consegue alcançar, se revelando uma espécie de "eterno insatisfeito" até ao final.

11. A Alvorada do Amor

Um horror grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:

"Chega-te a mim! entra no meu amor,
E à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!

Vê! tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calefrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
E, vendo-te a sangrar das urzes através,
Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...
Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,
Ilumina o degredo e perfuma o deserto!
Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,
Levo tudo, levando o teu corpo querido!

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:
- Tudo renascerá cantando ao teu olhar,
Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!
Rosas te brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão dos olhos, se chorares!
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,
Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu,
Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah! bendito o momento em que me revelaste
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus,
- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!"

A Alvorada do Amor é uma composição absolutamente genial, focada no momento em que Adão e Eva são expulsos do Paraíso porque ela mordeu o fruto proibido, cometendo o pecado original. Do lado de fora do Éden, encontram o desconhecido, a desobediência e o castigo divino.

O sujeito poético é o próprio Adão, falando com a sua amada. Ao contrário do que poderia ser esperado, ele não está zangado nem assustado, mas em um estado de êxtase. O homem está feliz do lado da sua mulher, apesar da fúria divina e dos elementos da natureza que se voltam contra o casal.

Para Adão, estar do lado de Eva é mais importante que o Paraíso e consumar a paixão de ambos parece ser a única recompensa que interessa. Por isso, encara o pecado de Eva como "bendito", porque lhe mostrou a verdade. Mais uma vez, Olavo Bilac faz o elogio do ser humano e dos seus desejos.

12. Língua Portuguesa

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Um dos sonetos marcantes de Olavo Bilac, este poema se debruça sobre a própria língua portuguesa e a sua história, relembrando que o idioma surgiu a partir do latim vulgar.

Ao mesmo tempo suave e bruta, a língua assume diferentes usos e propósitos, tendo atravessado o próprio oceano Atlântico para chegar ao Brasil.

O sujeito lembra que o idioma é o mesmo que ouvia da boca de sua mãe, e também aquele usado por Camões, não só na suas célebres obras mas também em momentos de desespero, chorando no exílio.

13. Dualismo

Não és bom, nem és mau: és triste e humano...
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.

Pobre, no bem como no mal, padeces;
E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.

Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:

E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.

De novo, o sujeito da lírica de Olavo Bilac reflete sobre a sua humanidade e imperfeição: é um ser cheio de defeitos e angustiado. Vivendo numa eterna ânsia, repleto de conflitos interiores, o eu-lírico pensa no seu próprio dualismo e analisa as suas alterações de humor e comportamento.

Sofrendo tanto no bem como no mal, ele passa da descrença à esperança e vice-versa, admitindo que é capaz dos melhores e dos piores atos. Assim, ele se encara como um ser dividido em dois, sendo ao mesmo tempo, um demônio e um deus.

14. Deixa o olhar do mundo

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Deste amor, que minhalma se consome
De te exaltar aos olhos do universo...

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

Contrariando a conduta da época, que defendia que o amor deveria ser discreto, este sujeito revela que está cansado de viver um relacionamento em segredo. Assim, ele procura argumentar com a amada, perguntando o que teriam a perder se assumissem e alegando que provocará inveja nos outros homens.

Totalmente dominado pelo sentimento amoroso, o eu-lírico assume que a amada não sai da sua cabeça, a ponto de quase não conseguir se conter e revelar o nome dela no próprio poema.

15. Olha-me!

Olha-me! O teu olhar sereno e brando
Entra-me o peito, como um largo rio
De ondas de ouro e de luz, límpido, entrando
O ermo de um bosque tenebroso e frio.

Fala-me! Em grupos doudejantes, quando
Falas, por noites cálidas de estio,
As estrelas acendem-se, radiando,
Altas, semeadas pelo céu sombrio.

Olha-me assim! Fala-me assim! De pranto
Agora, agora de ternura cheia,
Abre em chispas de fogo essa pupila...

E enquanto eu ardo em sua luz, enquanto
Em seu fulgor me abraso, uma sereia
Soluce e cante nessa voz tranqüila!

O último soneto de amor em análise começa com um apelo a alguém que está escutando: "olha-me". Mais abaixo, o sujeito o repete, acrescentando ainda "fala-me".

Estamos perante uma súplica do eu-lírico à mulher amada: ele exige a sua atenção e declara que o olhar e a voz dela exercem um grande poder sobre ele.

Numa mistura de tristeza, revolta e ternura, o sujeito confessa que sofre e está sendo consumido, ardendo na luz dela. Por tudo isso, chega a compará-la a uma sereia que o seduz e o desgraça, ao mesmo tempo.

Sobre Olavo Bilac e a poesia do Parnasianismo

Olavo Bilac nasceu no Rio de Janeiro, no dia 16 de dezembro de 1865. Depois de começar estudar Medicina com apenas 15 anos, cumprindo a vontade do pai que também era médico, acabou abandonando a faculdade e optando pelo Direito.

Nesse meio tempo, uma grande paixão pelas letras tomou conta do jovem que começou a trabalhar como redator da Gazeta Acadêmica e enveredou pelo caminho do jornalismo.

Frequentador da vida boêmia carioca, Bilac conviveu com várias personagens marcantes do panorama artístico e político do seu tempo. Embora tenha assumido cargos escolares e sido defensor das ideias republicanas e nacionalistas, foi através da poesia que o autor alcançou o sucesso e eternizou o seu nome.

Apelidado de "príncipe dos poetas brasileiros", o escritor também foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Ilustração de Olavo Bilac.

A sua lírica se destacou no cenário nacional principalmente devido às influências do Parnasianismo, uma escola literária que teve origem na França e se caracterizava pelo rigor e preciosismo das composições.

Nos seus poemas, podemos encontrar várias características da escola parnasiana como a metrificação fixa e a preferência pelo verso alexandrino. Verifica-se também o uso de vocabulário rebuscado e rimas invulgares, assim como a predominância do soneto como forma de eleição.

Mesmo com todas essas preocupações na hora da criação, o que sobressai na lírica de Bilac são as suas considerações sobre os relacionamentos, as emoções humanas e a passagem do tempo, entre outros temas universais.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.