11 poemas de amor de Fernando Pessoa


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Fernando Pessoa e os seus principais heterônimos (Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis) deixaram uma vasta quantidade de poemas publicados, alguns deles, de amor.

O poeta português criou tanto versos apaixonados - verdadeiras declarações de amor - como poemas que falam sobre a dificuldade de comunicar o afeto através das palavras.

Com estilos completamente diferentes, cada heterônimo, a sua maneira, transmitiu através dos versos como se sentia ao estar em estado de arrebatamento.

1. Todas as cartas de amor são ridículas (heterônimo Álvaro de Campos)

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas. As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas. Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

O poema mais famoso relacionado a temática amorosa de Fernando Pessoa provavelmente é Todas as cartas de amor são ridículas. Composto com muita repetição, os versos vão se construindo de uma determinada forma até que, inesperadamente, surpreendem o leitor.

Se no princípio do poema o sujeito ridiculariza as cartas de amor, diminuindo, de certa forma, aqueles que escrevem esse tipo de composição, ao final ele conclui que só quem não se deixou arrebatar pelo sentimento amoroso é que é, na verdade, ridículo.

O poema se constrói inicialmente falando mal do gênero das cartas de amor, colocando-as como uma produção menor, vergonhosa, como uma criação desastrada típica da juventude. Mas numa reviravolta inesperada, o poeta acaba fazendo um elogio aqueles que corajosamente decidiram enfrentar o sentimento e escrever o amor.

Confira também a análise completa do poema Todas as cartas de amor são ridículas.

2. O pastor amoroso (heterônimo Alberto Caeiro)

Agora que sinto amor
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.

Os versos acima foram retirados do longo poema O pastor amoroso. Nessa breve passagem o poeta nos fala sobre a revolução que o apaixonamento causou na sua vida e no seu cotidiano.

Escrito em julho de 1930, o poema não contém rimas e foi todo escrito com uma linguagem simples, com a qual todos nós podemos nos identificar.

Alberto Caeiro relembra nesse trecho o passado, um tempo em que não percebia, por exemplo, que as flores tinham cheiro. A partir do momento em que se apaixona, vemos nos versos como a perspectiva sobre o mundo muda e como o sujeito começa a encarar a vida de outra forma.

De modo resumido, é possível afirmar que os versos retratam o momento exato em que estamos apaixonados, quando começamos a olhar para o cotidiano de uma forma diferente.

3. Presságio (Fernando Pessoa)

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Assinado pelo próprio Fernando Pessoa, o poema criado em abril de 1928 fala sobre a dificuldade de criar e manter uma relação amorosa.

Os versos são uma espécie de desabafo onde o sujeito transparece a sua angústia ao não conseguir se conectar com a amada, mostrando-se pessimista e incapaz de levar a frente o sentimento íntimo que nutre.

O poema fala muito sobre a incomunicabilidade do amor, sobre a dificuldade em partilhar com o outro o sentimento e sobre o medo de não se sentir amado de volta.

Aqui o maior receio que é apresentado é o de não ser correspondido no afeto, deixando a mostra a vulnerabilidade daquele que está apaixonado.

Conheça mais sobre essa criação de Pessoa lendo o artigo Poema Presságio de Fernando Pessoa.

4. O amor é uma companhia (heterônimo Alberto Caeiro)

O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

O trecho O amor é uma companhia, retirado do longo poema O pastor amoroso, fala sobre o companheirismo, sobre a convivência e sobre a partilha de um casal apaixonado.

Aqui o sujeito declara que já não é capaz de andar sozinho, que a presença da amada (ainda que ela não esteja propriamente presente naquele instante), se tornou uma condição permanente no seu dia a dia.

Apesar de falar ao longo do poema sobre afetos, reflexões imateriais, o poeta termina com um último verso profundamente imagético: a descrição de um girassol com a cara dela no meio. A imagem representa a importância que o apaixonado dá para os traços físicos do rosto da sua amada.

5. Não sei se é amor que tens (heterônimo Ricardo Reis)

Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os Deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
E a te crer me resigno.

O poema começa com um tom de desconfiança, com o sujeito se perguntando se o amor que recebe é verdadeiro ou se trata de fingimento (o tema do fingimento é bastante presente nas criações de Fernando Pessoa, não só relacionado ao amor). Mas rapidamente o tom do poema muda, e ele confessa que já não interessa, o que importa é receber afeto.

Pelos versos percebemos que o importante para aquele que escreve é se sentir, de fato, amado.

Numa outra versão do poema, o verso final “E a te crer me resigno” aparece substituído por “Cerro os olhos: que mais quero?”. Essa segunda versão do texto deixa ainda mais claro o impulso do sujeito ao amor, declarando que a sua única vontade é mesmo se sentir amado (seja o amor genuíno ou fabricado).

6. Talvez quem vê bem não sirva para sentir (heterônimo Alberto Caeiro)

Talvez quem vê bem não sirva para sentir
E não agrade por estar muito antes das maneiras.
É preciso ter modos para todas as cousas,
E cada cousa tem o seu modo, e o amor também.
Quem tem o modo de ver os campos pelas ervas
Não deve ter a cegueira que faz fazer sentir.
Amei, e não fui amado, o que só vi no fim,
Porque não se é amado como se nasce mas como acontece.
Ela continua tão bonita de cabelo e boca como dantes,
E eu continuo como era dantes, sozinho no campo.
Como se tivesse estado de cabeça baixa,
Penso isto, e fico de cabeça alta
E o dourado do sol seca as lágrimas pequenas que não posso deixar de ter. Como o campo é grande e o amor pequeno!
Olho, e esqueço, como o mundo enterra e as árvores se despem.

Eu não sei falar porque estou a sentir.
Estou a escutar a minha voz como se fosse de outra pessoa,
E a minha voz fala dela como se ela é que falasse.
Tem o cabelo de um louro amarelo de trigo ao sol claro,
E a boca quando fala diz cousas que não há nas palavras.
Sorri, e os dentes são limpos como pedras do rio.

O trecho Talvez quem vê bem não sirva para sentir, que pertence ao longo poema O pastor amoroso, fala de um amor que não teve final feliz. Apesar de a relação não ter dado certo, o parceiro ainda fala com a amada com uma espécie de nostalgia.

O amor não foi correspondido e aquele que escreve não é capaz de se esquecer de vez da amada, antes pelo contrário, ele ainda louva a sua beleza, os cabelos louros e os dentes limpos.

Sentindo-se solitário, ele questiona até a sua própria identidade.

7. Dorme sobre o meu seio (Fernando Pessoa)

Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.

Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O 'spaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.

Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...

No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.

Em Dorme sobre o meu seio o sujeito declara que deseja ser um porto seguro para a amada e oferece o seu peito para que ela possa se aconchegar.

Não sabemos nada sobre aquela que é objeto do seu desejo, mas através das palavras de Pessoa acerca da relação podemos perceber como há uma vontade do apaixonado de proteger a amada, de fazê-la se sentir segura e acarinhada através dos seus gestos de carinho.

8. Quer pouco (heterônimo Ricardo Reis)

Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre.
O mesmo amor que tenham
Por nós, quer-nos, oprime-nos.

Em apenas quatro versos o heterônimo Ricardo Reis é capaz de levantar um dos problemas mais recorrentes das relações humanas: como amar sem oprimir o outro? Como se prender a alguém e ainda assim se sentir livre?

O amor, sentimento que nos faz tão bem e que gera de tanta felicidade, ao mesmo tempo pode nos oprimir e nos fazer sentirmos enclausurados. O poema Quer pouco fala justamente desse tênue equilíbrio quando tratamos de relacionamentos amorosos.

9. O que me dói não é... (Fernando Pessoa)

O que me dói não é
O que há no coração
Mas essas coisas lindas
Que nunca existirão…

São as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.

São como se a tristeza
Fosse árvore e, uma a uma,
Caíssem suas folhas
Entre o vestígio e a bruma.

Escrito no final da vida de Pessoa, O que me dói é um poema profundamente melancólico. Nele encontramos versos desiludidos e distantes. O conteúdo do poema toca na questão do amor de forma pessimista, mais solitária. Essa criação não se refere ao amor como uma forma de declaração a amada (uma abordagem mais frequente na poesia), mas fala sobre a inabilidade de amar do poeta.

Cabisbaixo, o poeta fala com tristeza e pesar no coração, como se existissem coisas belas do lado de fora, mas que fossem inatingíveis para ele. Os versos tratam do sentimento de ausência, do vazio e da solidão, de tudo aquilo que não se teve ao longo da vida.

O poema se encerra com uma imagem profundamente poética, que alude ao outono (com as folhas das árvores caindo), já anunciando o período difícil, gélido, que virá, o inverno com a sua bruma.

10. Amo como o amor ama (Fernando Pessoa)

Amo como o amor ama
Não sei a razão pra amar-te mais que amar-te
Que queres que te diga mais que te amo
Se o que eu quero dizer-te é que te amo?

A breve passagem de Fernando Pessoa, repleta de repetição, faz parte de um extenso poema que versa sobre o amor.

Nesse trecho - uma pérola na sua obra - retirado do poema Primeiro Fausto observamos como o poeta é capaz de condensar, em apenas quatro versos, a angústia que é amar demasiado e a dificuldade de comunicar esse sentimento tão intenso.

11. Quadras ao gosto popular (Fernando Pessoa)

Deixa que o momento pense
Que ainda vives ao meu lado…
Triste de quem por si mesmo
Precisa ser enganado! (...)

A vida é pouco aos bocados.
O amor é vida a sonhar.
Olho para ambos os lados
E ninguém me vem falar.

Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Por a boca se esquivar.
A ideia talvez foi louca.
O mal foi não acertar.

Os versos acima foram retirados de um poema mais amplo. Com uma escrita rápida, Pessoa nos fala aqui de um amor que não encontrou final feliz.

A amada vai embora e deixa o sujeito sozinho, apaixonado e inconformado com o rompimento. A presença é substituída pela ausência e, num primeiro momento, aquele que ama se nega a aceitar a nova realidade. Inconformado, ele ainda tenta uma reaproximação, dando um beijo final que não é aceito pela amada.

Se a princípio o sujeito parece arrependido (foi uma ideia “louca”), logo vem a tona que a sua pena afinal foi só não ter acertado na boca.

Se você é um apaixonado pelos versos do poeta português então recomendamos também a leitura do artigo Fernando Pessoa: poemas fundamentais.

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).