7 poemas famosos da literatura universal (comentados)


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual
Atualizado em

1. Autopsicografia, de Fernando Pessoa (Portugal)

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa é um dos nomes mais importantes da poesia de língua portuguesa. Nascido em Lisboa em 1888, o poeta teve uma produção intensa.

O poema em questão foi publicado em 1932 e se tornou uma de suas obras mais famosas. Aborda a própria produção artística, relatando como muitas vezes acontece o processo criativo.

Aqui o autor se apropria da ideia de "fingimento", vista geralmente como pejorativa, para trazer uma noção de criatividade e inventividade.

2. Mulher fenomenal, de Maya Angelou (EUA)

Lindas mulheres indagam onde está o meu segredo
Não sou bela nem meu corpo é de modelo
Mas quando começo a lhes contar
Tomam por falso o que revelo

Eu digo,
Está no alcance dos braços,
Na largura dos quadris
No ritmo dos passos
Na curva dos lábios
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Quando um recinto adentro,
Tranquila e segura
E um homem encontro,
Eles podem se levantar
Ou perder a compostura
E pairam ao meu redor,
Como abelhas de candura

Eu digo,
É o fogo nos meus olhos
Os dentes brilhantes,
O gingado da cintura
Os passos vibrantes
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu

Mesmo os homens se perguntam
O que veem em mim,
Levam tão a sério,
Mas não sabem desvendar
Qual é o meu mistério
Quando lhes conto,
Ainda assim não enxergam

É o arco das costas,
O sol no sorriso,
O balanço dos seios
E a graça no estilo
Eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal
Assim sou eu

Agora você percebe
Porque não me curvo
Não grito, não me exalto
Nem sou de falar alto
Quando você me vir passar,
Orgulhe-se o seu olhar

Eu digo,
É a batida do meu salto
O balanço do meu cabelo
A palma da minha mão,
A necessidade do meu desvelo,
Porque eu sou mulher
De um jeito fenomenal
Mulher fenomenal:
Assim sou eu.

Trecho do poema "Mulher Fenomenal"

A grande escritora norte-americana Maya Angelou (1928-2014) ficou reconhecida por sua poesia pungente, combativa e autoafirmativa.

Ativista pelos direitos civis do povo afro-americano, Maya também se dedicou a muitas outras atividades além da escrita.

Em seu poema Mulher Fenomenal podemos ver sua postura autoconfiante e determinada, desenvolvida ao longo de sua vida e na luta para vencer traumas sérios de infância.

3. Me gritaram negra, de Victoria Santa Cruz (Peru)

Tinha sete anos apenas,
apenas sete anos,
Que sete anos!
Não chegava nem a cinco!
De repente umas vozes na rua
me gritaram Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
“Por acaso sou negra?” – me disse
SIM!
“Que coisa é ser negra?”
Negra!
E eu não sabia a triste verdade que aquilo escondia.
Negra!
E me senti negra,
Negra!
Como eles diziam
Negra!
E retrocedi
Negra!
Como eles queriam
Negra!
E odiei meus cabelos e meus lábios grossos
e mirei apenada minha carne tostada
E retrocedi
Negra!
E retrocedi . . .
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
E passava o tempo,
e sempre amargurada
Continuava levando nas minhas costas
minha pesada carga
E como pesava!…
Alisei o cabelo,
Passei pó na cara,
e entre minhas entranhas sempre ressoava a mesma palavra
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Até que um dia que retrocedia , retrocedia e que ia cair
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!
E daí?
E daí?
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
De hoje em diante não quero
alisar meu cabelo
Não quero
E vou rir daqueles,
que por evitar – segundo eles –
que por evitar-nos algum disabor
Chamam aos negros de gente de cor
E de que cor!
NEGRA
E como soa lindo!
NEGRO
E que ritmo tem!
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro
Afinal
Afinal compreendi
AFINAL
Já não retrocedo
AFINAL
E avanço segura
AFINAL
Avanço e espero
AFINAL
E bendigo aos céus porque quis Deus
que negro azeviche fosse minha cor
E já compreendi
AFINAL
Já tenho a chave!
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
Negra sou!

Nascida em 1922 no Peru, Victoria Santa Cruz foi uma escritora e ativista afro-peruana muito importante na luta contra o racismo na America Latina.

Seu poema mais famoso é Me gritaram negra, também transformado por ela em uma bela performance. O poema é de fato um grito por liberdade e valorização do povo negro.

4. Sempre, de Neruda (Chile)

Antes de mim
Não tenho ciúmes.

Vem com um homem
às tuas costas,
vem com cem homens entre os teus cabelos,
vem com mil homens entre teu peito e teus pés,
vem como um rio
cheio de afogados
que encontra o mar furioso,
a espuma eterna, o tempo!

Traz todos eles
para onde eu te espero:
sempre estaremos sós,
sempre seremos tu e eu
sozinhos sobre a terra
para começar a vida!

Pablo Neruda, nascido no Chile em 1905, se tornou um dos grandes nomes da poesia latino-americana do século XX. Sua obra é cheia de carga política e traz também reflexões sobre o amor.

Em Sempre vemos como o sujeito trata o ciúme e o passado do ser amado de maneira a integrar esses elementos no relacionamento.

De forma aparentemente madura, Neruda entende que a amada tem uma trajetória e amou outras pessoas, não demonstrando insegurança, pois sabe que aquela relação é outro capítulo de suas vidas.

5. O coração risonho, de Charles Bukowski (Alemanha)

Sua vida é sua vida
Não deixe que ela seja esmagada na fria submissão.
Esteja atento.
Existem outros caminhos.
E em algum lugar, ainda existe luz.
Pode não ser muita luz, mas
ela vence a escuridão
Esteja atento.
Os deuses vão lhe oferecer oportunidades.
Reconheça-as.
Agarre-as.
Você não pode vencer a morte,
mas você pode vencer a morte durante a vida, às vezes.
E quanto mais você aprender a fazer isso,
mais luz vai existir.
Sua vida é sua vida.
Conheça-a enquanto ela ainda é sua.
Você é maravilhoso.
Os deuses esperam para se deliciar
em você.

Outro grande escritor do século XX foi Bukowski. Ele nasceu em 1920 na Alemanha e foi ainda criança para os EUA. Ficou conhecido por seus versos ácidos, carregados de obscenidade e forte tendência existencialista.

Em Coração risonho, porém, ele apresenta uma perspectiva otimista da vida, encorajando aos leitores para acreditarem em si e buscarem sempre aprimoramento.

6. Homem comum, de Ferreira Gullar (Brasil)

Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento.
Ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião
e a vida sopra dentro de mim
pânica
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.
Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o guarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons,
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei

Ferreira Gullar (1930-2016) foi um poeta com muitas facetas: escreveu poemas concretos, engajados, de amor.

Homem comum é uma obra-prima daquelas que nos faz sentir mais conectados com o outro. Os versos começam buscando pela identidade, falando de questões materiais e memórias que fizeram o sujeito se tornar aquilo que é.

Logo depois o poeta se aproxima do leitor ao dizer “sou como você”, despertando em nós um sentimento de partilha e de união, lembrando que temos mais semelhanças do que diferenças se pensamos naqueles que nos cercam.

7. Dona doida (1991), de Adélia Prado (Brasil)

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

Dona doida, da escritora mineira Adélia Prado (1935) é um dos maiores trabalhos da poetisa.

Com maestria, a autora consegue nos transportar no tempo.

A mulher, já adulta e casada, após ter como estímulo sensorial o barulho da chuva, faz uma viagem ao passado e regressa a uma cena da infância ao lado da mãe.

A memória é imperativa e obriga a mulher a voltar para a sua memória da infância. Ela não tem escolha, apesar desse movimento representar dor porque, ao regressar, não é compreendida pelas pessoas que a cercam - os filhos e o marido.

Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.