O Meu Pé de Laranja Lima (resumo e análise do livro)


Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Publicado em 1968, o livro infanto-juvenil autobiográfico O meu pé de laranja lima foi o maior sucesso do escritor brasileiro José Mauro de Vasconcelos.

Traduzido para mais de cinquenta línguas, a criação influenciou gerações no Brasil e no exterior. Após o estrondoso sucesso, surgiram adaptações para o cinema e para a televisão (uma novela realizada pela Tupi e duas pela Band).

Resumo da história

O livro, dividido em duas partes, é protagonizado pelo menino Zezé, um garoto comum, de cinco anos, natural de Bangu, periferia do Rio de Janeiro.

Muito esperto e independente, é conhecido pela sua malandrice e é ele quem narrará a história em O meu pé de laranja lima. Devido a sua sagacidade, diziam que Zezé "tinha o diabo no corpo".

O garoto é tão esperto que acaba, inclusive, aprendendo a ler sozinho. A primeira parte do livro se debruça sobre a vida do menino, as suas aventuras e as consequências dela.

Aprendia descobrindo sozinho e fazendo sozinho, fazia errado e fazendo errado, acabava sempre tomando umas palmadas.

A vida de Zezé era boa, tranquila e estável. Ele vivia com a família em uma casa confortável e tinha tudo o que era preciso em termos materiais, até que o pai perdeu o emprego e a mãe viu-se obrigada a trabalhar na cidade, mais especificamente no Moinho Inglês. Zezé tem vários irmãos: Glória, Totoca, Lalá, Jandira e Luís.

Empregada em uma fábrica, a mãe passa o dia no trabalho enquanto o pai, desempregado, fica em casa. Com a nova condição da família, eles se veem obrigados a mudar de casa e passam a ter uma rotina muito mais modesta. Os Natais fartos de outrora foram substituídos pela mesa vazia e por uma árvore sem presentes.

Como a nova casa tem um quintal, cada filho escolhe uma árvore para chamar de sua. Como Zezé é o último a escolher acaba ficando com um modesto pé de laranja lima. E é a partir desse encontro com uma árvore franzina e nada vistosa que surge uma forte e genuína amizade. Zezé batiza o pé de laranja lima de Minguinho:

— Quero saber se Minguinho está bem.
— Que diabo é Minguinho?
— É o meu pé de Laranja Lima.
— Você arranjou um nome que se parece muito com ele. Você é danado para achar as coisas.

Como vivia aprontando, era recorrente Zezé ser pego em uma das travessuras e apanhar dos pais ou dos irmãos. Depois lá ia ele se consolar com Minguinho, o pé de laranja lima. Numa das vezes que aprontou, apanhou tanto da irmã e do pai que precisou ficar uma semana sem ir à escola.

Além de Minguinho, o outro grande amigo de Zezé é Manuel Valadares, também conhecido como Portuga, e é sobre ele que girará a segunda parte do livro. O Portuga tratava Zezé como filho e dava toda a paciência e afeto que o garoto não recebia em casa. A amizade entre os dois não era partilhada com o resto da família.

Por uma fatalidade do destino, o Portuga é atropelado e morre. Zezé, por sua vez, adoece. E para piorar a vida do menino ainda decidem cortar o pé de laranja lima, que vinha crescendo mais do que era suposto no quintal.

A situação muda quando o pai arranja um emprego depois de um longo período em casa. Zezé, entretanto, apesar dos seus quase seis anos, não se esquece da tragédia:

Já cortaram, Papai, faz mais de uma semana que cortaram o meu pé de Laranja Lima.

A narrativa é extremamente poética e cada travessura do menino é contada a partir do olhar doce da criança. O ponto alto da história acontece ao final da narrativa, quando Minguinho dá a sua primeira flor branca:

Eu estava sentado na cama e olhava a vida com uma tristeza de doer.
— Olhe, Zezé. Em suas mãos existia uma florzinha branca.
— A primeira flor de Minguinho. Logo ele vira uma laranjeira adulta e começa a dar laranjas.
Fiquei alisando a flor branquinha entre os dedos. Não choraria mais por qualquer coisa. Muito embora Minguinho estivesse tentando me dizer adeus com aquela flor; ele partia do mundo dos meus sonhos para o mundo da minha realidade e dor.
— Agora vamos tomar um mingauzinho e dar umas voltas pela casa como você fez ontem. Já vem já.

Interpretação e análise da história

Apesar da sua pouca extensão, o livro O meu pé de laranja lima toca em temas-chave para se pensar sobre a infância. Percebemos ao longo das breves páginas como os problemas dos adultos podem acabar por negligenciar as crianças e como elas reagem a esse abandono se refugiando em um universo particular e criativo.

Notamos também o caráter transformador do afeto quando essa mesma criança negligenciada é abraçada por um adulto capaz de trazer acolhimento. Aqui, essa personalidade é representada pelo Portuga, sempre disposto a partilhar com Zezé.

O fato do livro ter rapidamente se expandido para além das fronteiras brasileiras (Meu pé de laranja lima foi logo traduzido para 32 idiomas e publicado em outros 19 países) demonstra que os dramas vividos pela criança no subúrbio do Rio de Janeiro são comuns a inúmeras crianças ao redor do globo - ou ao menos aludem a situações semelhantes. Como é possível perceber, a negligência infantil parece ter um caráter universal.

Muitos leitores se identificam com o fato do menino escapar do cenário real esmagador, rumo a um imaginário feito de possibilidades felizes. Vale lembrar que Zezé não era apenas vítima de violência física como também psicológica por parte dos mais velhos. As piores punições vinham, inclusive, de dentro da própria família.

O livro abre os olhos do leitor para o lado sombrio da infância, muitas vezes esquecido diante da enorme quantidade de material que tem como tema a infância idealizada.

Personagens principais

Embora a narrativa apresente um leque vasto de personagens, alguns assumem um relevo maior:

Zezé

Um menino travesso, de cinco anos, morador de Bangu (subúrbio do Rio de Janeiro). Super independente e curioso, Zezé vivia aprontando e apanhando quando era descoberto.

Totóca

O irmão mais velho de Zezé. É interesseiro, mentiroso e por vezes extremamente egoísta.

Luís

Irmão caçula de Zezé, era chamado pelo menino de Rei Luiz. É o grande orgulho de Zezé por ser independente, aventureiro e muito autônomo.

Glória

Irmã mais velha e muitas vezes protetora de Zezé. Está sempre a postos para defender o caçula.

Pai

Frustrado com o desemprego e desiludido com a incapacidade de sustentar a família, o pai de Zezé acaba sendo impaciente com os filhos. Também costuma beber com muita frequência. Quando tenta disciplinar as crianças faz uso da força e algumas vezes se arrepende das surras que dá.

Mãe

Extremamente cuidadosa e preocupada com os filhos, a mãe do Zezé quando percebe a situação financeira complicada da família arregaça as mangas e vai trabalhar na cidade para sustentar a casa.

Portuga

Manuel Valadares trata Zezé como um filho e enche o menino de carinho e atenção que muitas vezes o garoto não recebe em casa. Era rico e tinha um carro de luxo que dizia para a Zezé que pertencia aos dois (afinal de contas os amigos dividem, dizia ele).

Minguinho

Também conhecido como Xururuca, é o pé de laranja lima do quintal, grande amigo e confidente de Zezé.

Contexto histórico no Brasil

No Brasil vivíamos tempos duros durante as décadas de 1960 e 1970. A ditadura militar, implantada em 1964, era responsável por manter uma cultura repressora, que perpetuava o medo e a censura. Felizmente a criação de José Mauro de Vasconcelos não sofreu qualquer tipo de restrição.

Por enfocar mais no universo infantil e não abordar propriamente nenhuma questão política, a obra passou pelos censores sem apresentar qualquer tipo de problema. Não se sabe ao certo se o desejo de mergulhar nas temáticas da infância surgiu de um desejo de mergulhar no universo autobiográfico ou se a escolha foi uma necessidade para fugir da censura, que na época não se preocupava tanto com o universo infantil.

De toda forma, vemos no cotidiano do protagonista de José Mauro, como o menino sofria repressões (não pelo governo, mas dentro da própria casa, pelo pai ou pelos irmãos). As formas de sanção eram tanto físicas quanto psicológicas:

Até bem pouco tempo ninguém me batia. Mas depois descobriram as coisas e vivem dizendo que eu era o cão, que eu era capeta, gato ruço de mau pelo.

José Mauro de Vasconcelos nasceu e foi criado durante os anos vinte e foi de lá que extraiu as experiências para escrever o livro. A realidade do país na época era de renovação, de liberdade e de denúncia dos problemas sociais. A publicação, no entanto, foi efetivamente escrita em 1968, em um contexto histórico completamente diferente: no auge da ditadura militar quando o país vivia os anos de chumbo sob forte repressão.

Em junho de 1968, ano da publicação de O meu pé de laranja lima, foi realizada no Rio de Janeiro A Passeata dos Cem Mil. No mesmo ano foi promulgado o AI-5 (Ato Institucional número 5), que proibia qualquer manifestação contrária ao regime. Foram anos duros marcados pela perseguição de opositores políticos e pela tortura.

Culturalmente a televisão passou a ter um papel importante na sociedade uma vez que conseguiu entrar nas casas das mais diferentes classes sociais. A história contada por José Mauro de Vasconcelos ficou conhecida pelo grande público principalmente devido às adaptações feitas para a Tv.

Adaptações para o cinema e a televisão

Encarte do filme O meu pé de laranja lima, lançado em 1970.

Em 1970, Aurélio Teixeira dirigiu a adaptação cinematográfica de O meu pé de laranja lima que conquistou o coração dos espectadores.

No mesmo ano, surgiu a novela da Tupi, com roteiro de Ivani Ribeiro e direção de Carlos Zara. Nessa primeira versão, Haroldo Botta interpretou Zezé e Eva Wilma interpretou Jandira.

Eva Vilma no papel de Jandira e Haroldo Botta no papel de Zezé.

Dez anos mais tarde, a Rede Bandeirantes aproveitou o texto de Ivani Ribeiro e levou ao ar a segunda adaptação do clássico infanto-juvenil. A nova versão, dirigida por Edson Braga, foi ao ar entre 29 de setembro de 1980 e 25 de abril de 1981. O protagonista escolhido para viver Zezé foi Alexandre Raymundo.

Depois do sucesso da primeira edição, a Band decidiu fazer uma nova versão de O meu pé de laranja lima. O primeiro capítulo foi ao ar no dia 7 de dezembro de 1998. Essa adaptação foi assinada por Ana Maria Moretszohn, Maria Cláudia Oliveira, Dayse Chaves, Izabel de Oliveira e Vera Villar, com direção de Antônio Moura Matos e Henrique Martins.

Dessa versão participaram atores como Regiane Alves (interpretando Lili), Rodrigo Lombardi (interpretando Henrique) e Fernando Pavão (interpretando Raul).

Caio Romei interpreta Zezé na adaptação para a TV realizada em 1998.

Quem foi José Mauro de Vasconcelos?

José Mauro de Vasconcelos nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro (em Bangu), no dia 26 de fevereiro de 1920. Aos 22 anos, dotado de imensa criatividade e ânimo literário, deu início a sua carreira literária com o livro Banana Brava. Como não podia se dedicar integralmente a literatura, trabalhou como garçom, instrutor de boxe e operário.

Teve uma vida produtiva literária farta, seus livros foram reeditados inúmeras vezes, traduzidos para o exterior e alguns ganharam adaptação para o audiovisual. Em 1968, publicou o seu maior sucesso de público e crítica: Meu Pé de Laranja Lima.

A respeito da sua rotina criativa, José Mauro dizia:

"Quando a história está inteiramente feita na imaginação é que começo a escrever. Só trabalho quando tenho a impressão de que o romance está saindo por todos os poros do corpo. Então vai tudo a jato"

Além de ter vivido para a escrita, José Mauro também trabalhou como ator (recebeu inclusive o Prêmio Saci de Melhor Ator e de Melhor Ator Coadjuvante). Faleceu no dia 24 de julho de 1984, aos 64 anos, na cidade de São Paulo.

Retrato de José Mauro de Vasconcelos.

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Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.
Rebeca Fuks
Edição por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).