As 10 frases mais incríveis de Clarice Lispector explicadas


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Considerada uma das maiores escritoras da literatura brasileira, Clarice Lispector (1925-1977) é autora de frases icônicas que reverberam dentro de nós.

Pinçadas de romances, crônicas, contos e até mesmo poemas, essas frases são pílulas de conhecimento que iluminam as suas obras e dão ao leitor uma pequena amostra do talento ímpar da criadora.

Frase sobre a identidade

É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.

Retirada do romance A paixão segundo G.H., a frase acima trata da questão da identidade e da nossa procura diária para descobrirmos quem verdadeiramente somos.

Ao longo das linhas, o narrador assume que é preciso ter coragem para aceitar a aventura de deixar-se perder. Ele afirma que topar encontrar-se novamente e se perder outra vez - tantas vezes quantas forem necessárias - é um exercício terrivelmente doloroso.

É tão difícil esse processo que, por vezes, é mais fácil encontrar uma mentira provisória para habitar do que ficar pairando sobre o vazio.

Frase sobre o indizível

A minha vida, a mais verdadeira, é irreconhecível, extremamente interior e não tem uma só palavra que a signifique.

Nessa passagem de A hora da estrela o narrador fala da dificuldade de exprimir aquilo que se passa dentro de si diante da ausência de palavras capazes de nomearem a sua identidade e o seu complexo mundo interior.

Muitos de nós já experimentamos a sensação de querer comunicar com o outro e sentir que não há palavras suficientes para darem conta da densidade daquilo que queremos dizer.

O trecho acima dá conta justamente dessa experiência de que por vezes não há linguagem capaz de traduzir aquilo que sentimos.

Frase sobre o ato de escrever

Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.

Em A paixão segundo G.H. o narrador Rodrigo expressa muitas vezes como escrever é um ato doloroso e como custa a ele dar voz e vida à trágica história de Macabéia.

Em uma das passagens onde assume as suas limitações e dificuldades, Rodrigo cita a frase acima e assume que, para conseguir continuar produzindo, precisará se sentir acompanhado.

A presença de outra pessoa serve como uma espécie de muleta, que o faz seguir em frente apesar de todas as dúvidas e hesitações.

Frase sobre a (falsa) simplicidade da escrita

Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho.

Na frase acima é como se o narrador Rodrigo - do livro A hora da estrela - convidasse o leitor a visitar o seu escritório e conhecer as engrenagens que movem a sua escrita.

Se por um lado quem lê percebe que a escrita flui e que a simplicidade é uma espécie de "benção", Rodrigo sublinha que o que parece casual e ligeiro é, na verdade, fruto de muito empenho.

A escrita demanda trabalho intenso e o leitor, que só vê o resultado final, muitas vezes não desconfia do quanto custou dar à luz a uma determinada obra.

Frase sobre a dificuldade da escrita

Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei de coração escuro ao constatar que, mesmo me agregando tão pouco à alegria, eu era de tal modo sedenta que um quase nada já me tornava uma menina feliz.

No conto Restos de carnaval encontramos um desabafo do narrador que se mostra cansado de escrever - o trabalho árduo desgasta e ele se sente sem energia.

Aqui escrever significa fazer um mergulho corajoso na alma, o que pode se revelar afinal sendo um processo bastante doloroso.

Frase sobre as dúvidas e hesitações

Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.

Em A hora da estrela encontramos uma meta escrita, isso é, uma escrita que reflete sobre as próprias questões da composição literária. O trecho acima é um dos exemplos desses casos onde o sujeito que escreve se questiona sobre o porquê da escrita.

Rodrigo sente que escrever é um processo doloroso e que faz com que ele mergulhe fundo no seu próprio eu interior - mas, ao mesmo tempo, percebe não haver outra maneira para seguir em frente se não escrever.

Ele chega a conclusão sozinho que, enquanto tiver inquietações internas, precisará dar vazão a esses pensamentos através da escrita.

Frase sobre o livre-arbítrio

O mistério do destino humano é que somos fatais, mas temos a liberdade de cumprir ou não o nosso fatal: de nós depende realizarmos o nosso destino fatal.

A frase acima foi retirada do livro A paixão segundo G.H. e corresponde a um trecho entre tantos onde o narrador Rodrigo se questiona sobre a vida e sobre o nosso destino.

Nessa breve passagem encontramos uma reflexão acerca do nosso livre-arbítrio e da nossa possibilidade de escolher o que faremos com o nosso destino.

Partindo do pressuposto haver um destino e que a trajetória da vida já está marcada com um ponto final, cabe a nós decidirmos o que faremos no espaço situado entre o início e o final dos nossos dias.

Frase sobre a felicidade

Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia.

Nesse breve trecho do conto Felicidade Clandestina, vemos um narrador as voltas com o seu desejo de encontrar a felicidade e com a sua consciência de que, para ele, ela sempre seria de certa forma furtiva.

Ciente da sua dificuldade de encontrar a felicidade, o próprio narrador assume que criava empecilhos para alcançá-la de fato.

Há aqui também a noção de pressentimento: ele não sabe justificar bem o porquê, não consegue apontar qual o motivo, mas reconhece que sabe antes mesmo de ter a real consciência dos fatos. Parece já ser dado que, para ele, o seu destino seria encontrar a felicidade sempre de maneira escusa.

Frase sobre o destino

Ela os ouvia e surpreendia-se com a própria coragem em continuar. Mas não era coragem. Era o dom. E a grande vocação para um destino.

No conto Preciosidade encontramos essa frase que é uma pérola de delicadeza. Ao longo da história, a protagonista enfrenta grandes desafios interiores e, apesar do medo, resolve seguir em frente.

Aqui pressupõe-se que haja um destino já traçado e que ela corajosamente marche em direção a ele.

O que nós chamamos de coragem, o narrador chama de dom - uma tranquilidade de saber que há um destino e que ela caminhará para ele seja como for.

Frases sobre o pecado

O pecado me atrai, o que é proibido me fascina.

Muitos de nós conseguimos nos relacionar com esse fragmento retirado de A hora da estrela.

Se aquilo que não conhecemos nos hipnotiza de alguma forma, aquilo que é proibido moralmente/eticamente/religiosamente nos atrai ainda mais.

A proibição desperta a nossa curiosidade e nos convoca para descobrir o que é cerceado.

Quem foi Clarice Lispector?

Clarice Lispector (1925-1977) é um dos grandes nomes da literatura brasileira. A autora nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro, no berço de uma família composta por pai (Pinkouss), mãe (Mania) e duas irmãs (Leia e Tania).

A família judia decidiu deixar o país de origem por conta do antissemitismo e emigrou para o Brasil onde já viviam os tios e primos de Clarice.

A viagem de navio deixou-os em Maceió, onde passaram a residir. O pai de Clarice durante os primeiros tempos no Brasil colaborou nos negócios do cunhado. Em 1929, no entanto, resolveram tentar uma vida mais autônoma no Recife.

Clarice Lispector
Retrato de Clarice Lispector

Aos nove anos Clarice perde a mãe e a família decide se mudar novamente, dessa vez para o Rio de Janeiro.

É no Rio de Janeiro que Clarice se forma em direito e conhece Maury Gurgel Valente, um colega de turma com quem irá se casar. Do casamento nasceriam dois meninos: Pedro e Paulo.

Clarice escreveu ao longo de toda a vida tendo publicado romances, crônicas, contos, poemas e uma série de colunas em jornais da época. Reconhecida pelo público e pela crítica, recebeu diversos prêmios ao longo da carreira.

Clarice faleceu em 1977, um dia antes de fazer aniversário, vítima de um câncer no ovário.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).