Escadaria Selarón: história e explicação


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Um dos maiores cartões postais do Rio de Janeiro é a colorida Escadaria Selarón, situada entre os bairros da Lapa e Santa Teresa, na região central da capital fluminense.

A escadaria de 215 degraus, idealizada pelo artista plástico chileno Jorge Selarón (1947-2013), começou a ser composta em 1990. O efeito estético do mosaico colorido convoca a alegria e a descontração características do carioca.

Escadaria Selaron, no Rio de Janeiro
Escadaria Selaron, no Rio de Janeiro. Foto: Lazyllama (shutterstock)

A história da Escadaria Selarón

O artista plástico chileno Jorge Selarón vivia na região e, cansado de ver a escadaria em péssimo estado, resolveu ele mesmo reformar os degraus.

Com um balde de cimento na mão e dinheiro do próprio bolso, comprou os materiais e começou o projeto de azulejar, sozinho, os 215 degraus da escadaria.

O sonho do criador era transformar aquele espaço inóspito e perigoso em um polo colorido que trouxesse um ar de animação e atraísse turistas.

Selarón montou ao lado da escadaria o seu ateliê, portanto quem visitava os famosos degraus tinha acesso às criações do artista, que ganharam muita visibilidade. Antes da escadaria artística existir, o chileno costumava vender as telas em restaurantes e bares badalados do Rio de Janeiro.

Jorge Selarón e a escadaria que o artista chileno idealizou.
Jorge Selarón e a escadaria multicolorida e com diversos padrões que o artista chileno idealizou. Foto: Ilya Varlamov

A escadaria coincidiu com o momento de revitalização da zona central da cidade, que levou a Lapa novamente a ser um ponto de encontro da noite carioca.

O desejo de Selarón era que o seu gesto pessoal estimulasse outros moradores do Rio de Janeiro a melhorarem o próprio bairro.

Explicação da Escadaria Selarón como criação artística

Chama a atenção do visitante não só o colorido dos azulejos como também os motivos e as origens das peças. A escada era o projeto de vida do artista plástico, que sempre inventava composições diferentes para os degraus.

As cores da bandeira do Brasil se destacam na criação, que dá claramente protagonismo ao azul, verde e amarelo como demonstração de orgulho nacional:

O criador tinha o hábito de alterar os azulejos dispostos. Alguns azulejos eram, assim, retirados, para dar lugar a outros, transformando o trabalho em uma peça colaborativa e interativa, em constante mutação, nunca finalizada.

Detalhes da Escadaria Selaron
Detalhes da escadaria Selaron. Foto: shutterstock

Uma das frases mais conhecidas do bem humorado artista plástico chileno era:

"Compre uma pintura minha, que eu preciso concluir a obra".

Um dado importante é que a escadaria vem periodicamente recebendo doações de azulejos de vários lugares do mundo ajudando a compor um mosaico extremamente local mas composto também a partir de materiais internacionais.

Especula-se que cerca de centenas de pessoas tenham enviado azulejos das suas cidades natais ajudando a alimentar a obra.

Vale lembrar que a criação da arte na escadaria não teve auxílio de qualquer lei de incentivo, não recebeu ajuda de mecenas e nem contou com nenhuma verba pública ou de empresas privadas.

A intervenção urbana transbordou e dos degraus os azulejos foram parar nos muros e nas paredes ao redor da escadaria, alargando o cenário de sonho colorido e transformando o espaço a volta. O vermelho dos azulejos colocados em toda a volta da escadaria parece uma espécie de grande moldura para a obra de Selarón.

A democratização da arte

Um dos fatos mais importantes inerentes à criação de Selarón foi a decisão da construção ter se dado no espaço público.

Disponível para qualquer cidadão ou visitante usufruir da beleza proveniente da instalação, a criação não está resguarda nos espaços institucionais dos museus ou das galerias de arte. O movimento do artista chinelo caminhou no sentido de democratizar a arte levando a cultura ao grande público.

E ainda além, ao democratizar a arte o que Selarón conseguiu fazer foi reabilitar um espaço urbano vulgar - o ponto onde a escadaria está localizada está longe de ser uma região nobre da cidade - que se encontrava degradado.

Situada na Rua Manoel Carneiro, ligando a Rua Joaquim Silva à Ladeira de Santa Teresa, a escadaria está em um local mesmo bastante próximo dos Arcos da Lapa. A escadaria, que estava em estado de abandono na época em que Selarón se mudou para o local, dá acesso ao Convento de Santa Teresa.

A criação da escadaria foi um dos fatores que levou à valorização do bairro, atraindo turistas e, por consequência, estimulando o comércio local.

A substituição periódica dos azulejos

De tempos em tempos os azulejos são voluntariamente trocados, sendo substituídos por outros que trazem uma nova configuração ao espaço.

Num dos artigos decorrentes do tombamento realizado pela prefeitura fica definido que a troca dos azulejos só pode ser feita pelo próprio criador Jorge Selarón ou por terceiros desde que autorizados pelo artista.

O tombamento do monumento

A escadaria foi tombada por interesse histórico e cultural em 2015. O projeto de tombamento foi de autoria do vereador Jefferson Moura.

Assim, nenhuma descaracterização arquitetônica deve ser feita e o espaço não pode sofrer nenhuma intervenção física sem antes passar pela aprovação do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro.

Quem foi Jorge Selarón

Artista plástico, Jorge Selarón foi ceramista, pintor e autodidata. Nascido em 1947 numa pequena cidade situada entre Viña del Mar e Valparaíso, no Chile, o artista percorreu o mundo antes de decidir viver no Brasil.

Uma vez estabelecido no Rio de Janeiro, Selarón fez da Lapa a sua casa durante mais de três décadas.

Depois da escadaria ficar apresentável, o artista passou a viver do turismo local cobrando pelas fotos tiradas e vendendo os seus quadros.

Com a verba conseguida, mantinha quatro funcionários e fazia a manutenção da escadaria além de pintar os seus próprios quadros num ateliê que funcionava mesmo junto da escada.

Em depoimento concedido, Selarón afirmou que a escadaria era o seu projeto de vida:

“A escada é algo que nunca vai ficar pronta. Ela vai ficar pronta no dia da minha morte, quando eu mesmo me transformar na própria escada. Assim ficarei eterno para sempre”.

Em 2005 Selarón recebeu o título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro.

Sua morte trágica aconteceu em 2013, quando o artista tinha 65 anos. Selarón foi encontrado morto no dia dez de janeiro com o corpo carbonizado em frente a própria casa.

O corpo foi localizado nos degraus da escadaria que Selarón revitalizou, em frente a casa onde vivia. Especula-se que a morte tenha sido suicídio embora na ocasião a polícia também tivesse investigado o crime como homicídio.

A escadaria na mídia

A obra do criador chileno já serviu de pano de fundo para a gravação do clipe Beautiful, do rapper norte-americano Snoop Dogg:

A banda de rock U2 também fez da escadaria o cenário do clipe da canção Walk On:

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).