Faroeste Caboclo, de Legião Urbana: análise da letra da música


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

A música Faroeste Caboclo foi escrita por Renato Russo em 1979. Integra o álbum Que País É Este 1978/1987, o terceiro da banda Legião Urbana, que reunia músicas antigas, escritas a partir de 1978.

O tema faz parte da chamada "fase do trovador solitário" do autor, narrando uma história durante aproximadamente nove minutos. Russo conta a história de João Santo Cristo, passando pelos altos e baixos da sua carreira no crime e culminando com a sua morte em praça pública.

Devido ao seu conteúdo polêmico, a canção foi submetida à censura federal, para poder ser lançada.

Resumo

"Faroeste Caboclo" narra o percurso de João Santo Cristo, desde o momento que parte da fazenda, no nordeste, até a sua morte num duelo armado, em Brasília. Solitário, vivendo na capital, começa por trabalhar como carpinteiro mas a sua ambição sem medida o leva a seguir o caminho do tráfico de drogas.

Acaba sendo preso e na cadeia sofre inúmeras violências e se torna verdadeiramente um bandido, ocupando um papel cada vez maior no negócio do tráfico.Tudo muda quando conhece Maria Lúcia, mulher por quem se apaixona perdidamente. Volta a trabalhar como carpinteiro e planeja casar e constituir família.

Contudo, num deslize, perde o emprego e volta ao crime, abandonando a amada para contrabandear armas com Pablo. Surge Jeremias, traficante rival, que acaba casando com Maria Lúcia, que engravida dele. João desafia o inimigo para um duelo que é anunciado na Tv. Rodeados por uma multidão, Jeremias dispara nas costas de João. Maria entrega uma arma a Santo Cristo, que se vinga e dispara em Jeremias. Os três morrem.

Análise da música

Como o título indica, a canção faz uma referência direta aos filmes de faroeste, onde os cowboys matam e morrem em duelos pela sua honra. O protagonista, contudo, faz parte da realidade brasileira.

É identificado como “caboclo”, ou seja, um homem do sertão e também alguém gerado através da miscigenação racial. Essas informações assumem bastante relevância, já que João sofre discriminação por esses fatores.

O seu nome também parece carregar uma simbologia muito forte. Por um lado, é “João”, um nome bastante comum na língua portuguesa; poderia ser qualquer brasileiro. No entanto, ele é “de Santo Cristo”, ou seja, parece ter uma proteção divina, ser “apadrinhado” do filho de Deus.

O nome Santo Cristo, com uma carga religiosa evidente, aproxima João de Jesus, comparação que se confirma no momento da sua morte.

Com 150 versos e nenhum refrão, ouvimos o relato da ascensão, queda, morte e santificação de João Santo Cristo.

Introdução

Não tinha medo o tal João de Santo Cristo
Era o que todos diziam quando ele se perdeu
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu

A primeira coisa que ouvimos acerca do protagonista é a afirmação da sua coragem, através das palavras dos outros, que conheciam os seus feitos: “Não tinha medo o tal João de Santo Cristo”.

Se não fosse a sua ousadia, talvez não tivesse abandonado “o marasmo da fazenda” e se perdido no mundo, disposto a causar todo o tipo de problemas. João queria “sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu”, como se tivesse nascido condenado ao mal, como se a raiva que carrega e o caminho que escolhe fossem vontade divina.
Essa é a premissa que dá início à narração. Quando João parte do nordeste rumo à aventura e à desordem, todos comentam a sua audácia, o que o torna uma figura conhecida na região.

Infância, juventude e partida de João

Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
Era o terror da cercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu
Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar

Na segunda estrofe, começa a ser contado o seu passado, em flashback. Há uma espécie de confirmação do que foi dito antes, o protagonista teria nascido para ser mau. Desde a infância era rebelde, queria ser bandido. Essa vontade aumentou quando seu pai foi assassinado por um agente da polícia, acendendo a sua revolta.

Vemos o mau comportamento e a esperteza, a malandragem do garoto. Apesar de seu nome, não existe fé ou medo de Deus nas suas ações, chegando ao cúmulo de roubar dinheiro da Igreja.

Sentia mesmo que era mesmo diferente
Sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
De escolha própria, escolheu a solidão

A repetição no verso “Sentia mesmo que era mesmo diferente” marca a intensidade e reforça a ideia de que para João era evidente que não era parecido em nada com aqueles que o rodeavam, não pertencia àquele lugar.

Um menino pobre, do nordeste, cedo criou o desejo de superar a sua condição, cultivando a sua ambição e sonhando ter o que via na TV. João “queria sair para ver o mar” que, para alguém nascido e criado no sertão, pode ser encarado como símbolo de libertação, daquilo que é vasto, do resto do mundo para descobrir.

Antes de partir na sua aventura, teve que trabalhar e juntar dinheiro para ir embora. Sua luta não começa na viagem, João lutou para poder ir embora, teve que batalhar desde cedo para poder decidir o seu futuro.

No último verso da estrofe, temos a repetição de “escolha” e “escolheu” – sublinhando que se tratou de uma decisão do protagonista, que preferiu ficar sozinho e arriscar tudo para ter uma vida melhor ou diferente da que conhecia.

Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico aos doze era professor
Aos quinze foi mandado pro reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror
Não entendia como a vida funcionava
Descriminação por causa da sua classe e sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem foi direto a Salvador

A passagem pelo reformatório, aos quinze anos, apenas “aumentou seu ódio”, despertando a sua consciência para a falta de justiça e o impacto negativo dos preconceitos “por causa da sua classe e sua cor”. É aí que decide ir embora e parte para Salvador.

Chegada a Brasília: trabalho, lazer e ganância

E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem
Ia perder a viagem mas João foi lhe salvar
Dizia ele ''Estou indo pra Brasília
Nesse país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar''

Por mero acaso, ou talvez por estar predestinado, encontra um homem que lhe entrega uma passagem para Brasília, dizendo que “lugar melhor não há”. Assim, João Santo Cristo vai parar na capital.

E João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de natal
Meu Deus, mas que cidade linda!
No Ano Novo eu começo a trabalhar
Cortar madeira aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga

A grandiosidade da cidade encanta João, que fica “bestificado”. A presença das luzes de natal em Brasília nos indicam que o protagonista chega durante a época natalícia. A data revela uma carga simbólica, uma vez que se trata do nascimento de Cristo.

Como se ganhasse uma segunda oportunidade, Santo Cristo renascia metaforicamente na metrópole, como se sua vida começasse ali. Seu primeiro trabalho, como aprendiz de carpinteiro, também o aproxima da narrativa religiosa, pois se trata da profissão de José, pai de Jesus.

Na sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô

Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar
E Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que seu ministro ia ajudar

Sozinho na cidade, gastava o seu dinheiro e o seu tempo livre em locais de prostituição e diversão noturna, onde se cruza com diversas pessoas. Assim, conhece Pablo, que comandava um negócio de entorpecentes na Bolívia.

A escolha do nome não parece ser aleatória, mas uma referência a Pablo Escobar, nome mais conhecido do tráfico de drogas na América Latina. O criminoso se tornou, assim, um símbolo de sucesso para aqueles que querem enriquecer às margens da lei.

A nova amizade, combinada com a insatisfação de Santo Cristo que continuava pobre apesar de trabalhar muito, contribuem para a sua entrada no mundo do crime.

Tráfico de drogas, crime e prisão

Mas ele não queria mais conversa
E decidiu que, como Pablo, ele iria se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E sem ser crucificado a plantação foi começar
Logo, logo os maluco da cidade
Souberam da novidade
''Tem bagulho bom aí!''

Na estrofe anterior, são referidas as mentiras do ministro nos noticiários, prometendo que a vida dos pobres iria melhorar. Revoltado, cansado de demagogia, “não queria mais conversa”. A ambição, aliada à descrença nas leis e no governo, levam João a plantar e vender drogas.

E o João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali
Fez amigos, frequentava a Asa Norte
Ia pra festa de rock pra se libertar

Rapidamente o negócio tem sucesso e o traficante enriquece e a sua vida melhora consideravelmente. João se torna poderoso e popular, devido à sua ocupação e ao dinheiro que ganha.

Mas de repente
Sob uma má influência dos boyzinhos da cidade
Começou a roubar
Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
''Vocês vão ver, eu vou pegar vocês!''

Depois de entrar no tráfico por influência de Pablo, resolve fazer um roubo, convencido por más companhias. Na prisão, conhece a realidade grotesca dos reclusos em condições sub-humanas, sofrendo “violências e estupro do seu copo”.

Ao comparar a passagem pela prisão a uma descida aos infernos, o narrador (ou trovador) mostra o carater definitivo da experiência, que aumenta o ódio de João e o seu desejo de vingança.

Amor como tentativa de salvação

Agora Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general
Foi quando conheceu uma menina
E de todos os seus pecados ele se arrependeu
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu

Novamente em liberdade, o protagonista, endurecido pelo tempo na prisão, se torna um verdadeiro criminoso. Com o verso “Agora Santo Cristo era bandido”, é quase inevitável lembrarmos a figura religiosa, nos levando a questionar se o próprio Jesus não teria sido corrompido no sistema prisional brasileiro.

Esse caminho, aparentemente sem volta, é interrompido de repente pela chegada de Maria Lúcia. Além do nome Maria e a sua simbologia cristã, a figura feminina surge como a salvação de João, fazendo com que se arrependa dos seus pecados.

Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
Maria Lúcia pra sempre vou te amar
E um filho com você eu quero ter

Decide mudar de vida por amor. Para casar com a amada e constituir família, retorna ao trabalho como carpinteiro (regressa ao lado do bem, da luz).

O tempo passa
E um dia vem na porta um senhor de alta classe
Com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa
E diz que espera uma resposta, uma resposta de João
''Não boto bomba em banca de jornal
Nem em colégio de criança
Isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas
Que fica atrás da mesa com o cu na mão
E é melhor o senhor sair da minha casa
E nunca brinque com um peixes de ascendente escorpião''

A tentação chega, na forma de um homem rico que pretende aliciá-lo a voltar a crime. A proposta parece ser a de forjar atentados em locais públicos para culpar os militantes da esquerda brasileira. João o destrata e recusa a oferta, demonstrando que mesmo os bandidos podem manter princípios éticos.

Mas antes de sair com ódio no olhar
O velho disse:
Você perdeu a sua vida, meu irmão!
Você perdeu a sua vida, meu irmão!
Você perdeu a sua vida, meu irmão!
Essas palavras vão entrar no coração
Eu vou sofrer as consequências como um cão

No entanto, o homem, também “com ódio no olhar”, o ameaça, lançando uma espécie de maldição. João acredita nela e sabe que sofrerá as consequências, anunciando a sua própria condenação.

Não é que o Santo Cristo estava certo
Seu futuro era incerto
E ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira
Descobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar

Falou com Pablo que queria um parceiro
Que também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia
E Santo Cristo revendia em Planaltina

A partir desse episódio, perde as rédeas da sua vida. Como “seu futuro era incerto", não vai trabalhar, se embebeda e é substituído. Assim, basta um pequeno deslize para abandonar o caminho do bem e regressar ao crime.

O contrabando de armas com Pablo afasta João dos braços de Maria Lúcia e da sua tentativa de viver segundos as leis dos Homens e de Deus.

O rival Jeremias e o duelo público

Mas acontece que um tal de Jeremias
Traficante de renome apareceu por lá
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabar

Mas Pablo trouxe uma Winchester 22
E Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que Jeremias começasse a brigar

Jeremias maconheiro sem vergonha
Organizou a Rockonha e fez todo mundo dançar
Desvirginava mocinhas inocentes
E dizia que era crente, mas não sabia rezar
E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar

Nesta passagem surge Jeremias, o bandido rival que conduzirá Santo Cristo à morte. É apresentado o seu carater duvidoso, abusivo com as mulheres, hipócrita e falso religioso. João, por outro lado, apenas sentia falta da vida que deixara para trás.

Eu vou me embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já está em tempo de a gente se casar
Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia Jeremias se casou
E um filho nela ele fez

Santo Cristo era só ódio por dentro
E então o Jeremias pra um duelo ele chamou
Amanhã as duas horas na Ceilândia
Em frente ao lote catorze é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas
Que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia
Aquela menina boçal pra quem jurei o meu amor

Quando volta, descobre que a amada tinha casado com Jeremias e estava grávida dele. Tal como a prisão, este ponto da fase de João é descrito como uma descida ao Inferno. Embora chore, em notório desgosto, é dominado pela sua raiva, que foi aumentando gradualmente. e parece explodir neste momento.

Nessa disposição destrutiva, insulta Maria Lúcia e Jeremias, ameaçando a vida dos dois e desafiando o inimigo para um duelo até à morte.

E Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na Tv
Dizendo a hora, o local e a razão

No sábado, então as duas horas
Todo o povo sem demora
Foi lá só pra assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo
E começou a sorrir

O duelo virou notícia, se tornando entretenimento para o povo. Diante de todos, João é atraiçoado por Jeremias, que não respeita as regras de um duelo e atinge o rival pelas costas, de sorriso nos lábios.

Morte de Santo Cristo e a crucificação de Jesus

Sentindo o sangue na garganta
João olhou pras bandeirinhas
E pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro
E pras câmeras e a gente da Tv filmava tudo ali

E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
Se a Via-Crucis virou circo, estou aqui

Traído por Jeremias, que poderia ser Judas, o sofrimento e a morte de João são públicos, viram espetáculo para quem assiste em volta. Nesse sentido, existe uma aproximação entre a cena descrita por Renato Russo e a crucificação de Jesus.

Sangrando, pensa na sua infância e no seu percurso difícil, em toda a raiva que foi acumulando ao longo dos anos e decide revidar.

O último verso da estrofe confirma a relação entre a morte do protagonista e a passagem bíblica. “Via-Crucis” é o caminho que Jesus faz carregando a cruz nas costas, em direção à sua morte. Já que estava ali, morrendo diante de todos, já que sua crucificação “virou circo”, resolve agir também.

E nisso o sol cegou seus olhos
E então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester 22
A arma que seu primo Pablo lhe deu

Jeremias, eu sou homem
Coisa que você não é
E não atiro pelas costas, não
Olha prá cá filho-da-puta sem vergonha
Dá uma olhada no meu sangue
E vem sentir o teu perdão

Enquanto segura na arma que Maria lhe estende, João se dirige ao traidor, reagindo à sua covardia em atirar pelas costas.

João é novamente comparado a Jesus durante a sua fala: “dá uma olhada no meu sangue” seria a sua versão da célebre frase “bebei: este é o meu sangue”. No entanto, aqui João não transformara o sangue em vinho para dar de beber a alguém, apenas mostrava seu sofrimento, sua morte iminente.

Assim, o verso “Vem sentir o teu perdão" assume um tom irônico. Ao contrário de Jesus, João não dá a outra face, não perdoa. Pelo contrário, se vinga, paga na mesma moeda.

E Santo Cristo com a Winchester 22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor

O desfecho do confronto é trágico, com os três mortos na rua, diante de todos os olhares curiosos. Na hora derradeira, Maria demonstra o seu amor por João, morrendo junto a ele.

Santificação de João Santo Cristo pelo povo

O povo declarava que João de Santo Cristo
Era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade não acreditou na história
Que eles viram da Tv

O ato de João na hora da sua morte impressiona aqueles que assistem. Para o povo, ele “era santo porque sabia morrer”, porque deixou a vida lutando até o final, com honra, apesar de suas inúmeras falhas.

A alta burguesia, que não conhecia a realidade da miséria e da revolta, incrédula, não conseguia entender o porquê de João ser uma espécie de herói ou santo para aquelas pessoas.

Conclusão

E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília com o diabo ter
Ele queria era falar com o presidente
Pra ajudar toda essa gente que só faz
Sofrer

A última estrofe vem revelar as verdadeiras intenções do protagonista, as suas ilusões de mudança social que foram totalmente frustradas. Quando refere que João "veio para Brasília com o Diabo ter", aponta a capital como o lugar onde ele se desgraçou. Embora quisesse ajudar o povo, foi totalmente corrompido na cidade do crime e da política.

Significado e interpretação da música

Podemos dizer que João Santo Cristo é um anti-herói brasileiro, nordestino, de origem humilde, que abandona sua terra e parte para Brasília em busca de uma vida melhor. Chegando à cidade, é corrompido aos poucos: tráfico, roubos. É preso e se torna um grande bandido.

Dividido entre a sua vida de bandido e o amor que sente por Maria, acaba por perder a namorada para o rival. Quando é baleado pelas costas no duelo com Jeremias,é comparado a Jesus, atraiçoado e crucificado.

João, no entanto, não implora a Deus perdão para o seu inimigo. Pelo contrário, faz justiça pelas próprias mãos. Por isso, vira uma espécie de santo para o povo que se revê no seu sofrimento e também na sua raiva, na sua sede de vingança.

Apesar da sua conduta, de todas as escolhas que fez e o condenaram, assim como Jesus, João queria libertar e ajudar o seu povo. Embora Brasília e o mundo do crime o tenham "engolido", o seu verdadeiro desejo era a transformação social.

Filme Faroeste Caboclo

Em 2013, René Sampaio dirigiu o filme brasileiro "Faroeste Caboclo", inspirado na música dos Legião Urbana. O filme retrata as aventuras e desventuras de João Santo Cristo (Fabrício Boliveira) e o seu triângulo amoroso com Maria Lúcia (Ísis Valverde) e Jeremias (Felipe Abib).

O filme foi bem recebido pela crítica e um sucesso nas bilheterias.

Cartaz do filme Faroeste Caboclo, 2013

Renato Russo, autor de "Faroeste Caboclo"

Renato Russo, líder, vocalista e compositor da banda Legião Urbana, nasceu em 20 de março de 1960 e morreu em 11 de outubro de 1996. Apesar do tempo curto de vida, Russo é considerado um dos maiores compositores e cantores do rock brasileiro, deixando um legado musical com inúmeros sucessos.

Entre eles está "Faroeste Caboclo", que Russo comparava a "Hurricane" de Bob Dylan, tema que narra as desventuras de um homem condenado por um crime que não cometeu. Quando questionado acerca do seu processo criativo, o autor contou que escreveu a letra inteira num impulso, querendo dar voz à história de um bandido, um "rebelde sem causa", ao estilo de James Dean.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.