Poema No Meio do Caminho de Carlos Drummond de Andrade (análise e significado)


Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

O poema No Meio do Caminho é uma das obras-primas de autoria do escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade.

Os versos, publicados em 1928 na Revista de Antropofagia, abordam os obstáculos (pedras) que as pessoas encontram na vida.

No Meio do Caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Análise do poema No Meio do Caminho

As pedras mencionadas nesta poesia podem ser classificadas como obstáculos ou problemas que as pessoas encontram na vida, descrita neste caso como um "caminho". Essas pedras podem impedir a pessoa de seguir o seu percurso, ou seja, os problemas podem impedir de avançar na vida.

Os versos "nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas" transmitem uma sensação de cansaço por parte do autor, e do acontecimento que ficará sempre na memória do poeta. Assim, as pedras mencionadas também podem indicar um acontecimento relevante e marcante para a vida de uma pessoa.

As críticas ao poema

Assim que publicado, o poema No Meio do Caminho foi profundamente criticado pela sua simplicidade e repetição. Com o passar do tempo, os versos foram sendo compreendidos pelo público e pela crítica. Atualmente o poema é uma espécie de cartão postal da obra de Carlos Drummond de Andrade.

Para alguns, No Meio do Caminho é considerado como o produto de um gênio, para outros é descrito um poema monótono e sem sentido. É possível afirmar que as críticas e ofensas feitas ao autor foram pedras no meio do seu caminho.

Interpretação biográfica

Uma das teorias sobre a gênese do poema No Meio do Caminho remonta para a própria biografia de Carlos Drummond de Andrade.

Drummond se casou em 26 de fevereiro de 1926 com a amada Dolores Dutra de Morais. Um ano depois nasceu o primeiro filho do casal: Carlos Flávio. Por uma tragédia do destino, o menino sobreviveu apenas por meia hora.

Entre janeiro e fevereiro de 1927 foi encomendado ao escritor um poema para o primeiro número da Revista de Antropofagia. Drummond, imerso na sua tragédia pessoal, mandou então o tal polêmico poema No Meio do Caminho. A publicação da revista saiu no ano a seguir, em 1928, consagrando o trabalho poético do autor.

O teórico Gilberto Mendonça Teles sublinha o fato da palavra pedra conter as mesmas letras da palavra perda (trata-se da presença da hipértese, uma figura de linguagem). O poema teria sido então uma espécie de túmulo para o filho e também uma lição de como o Drummond escolheu processar esse triste acontecimento pessoal.

O poema se opõe ao parnasianismo

No Meio do Caminho é uma criação de Drummond que dialoga com o soneto Nel mezzo del camin..., escrito pelo poeta parnasiano Olavo Bilac (1865-1918).

O soneto de Olavo Bilac também usa o recurso da repetição, embora siga uma estética muito mais elaborada, com uma linguagem enfeitada e uma estrutura muito calculada.

A criação de Drummond é uma espécie de deboche a poesia parnasiana. O poeta modernista faz uso de uma linguagem simples, cotidiana, clara, através de uma estrutura sem rima, musicalidade ou métrica. O objetivo de Drummond é produzir uma poesia mais pura, mais voltada para a essência.

Muitos teóricos interpretam que a pedra no meio do caminho de Drummond eram os parnasianos, que impediam o desenvolvimento de uma arte acessível e inovadora.

Tanto Drummond quanto Olavo Bilac criaram os seus poemas inspirados na mais famosa criação do italiano Dante Alighieri (1265-1321). A frase “No meio do caminho” é um verso presente no canto I da importante Divina Comédia, escrita em 1317.

Sobre a publicação do poema

O poema No Meio do Caminho foi publicado pela primeira vez em julho de 1928, no número 3 da Revista de Antropofagia dirigida por Oswald de Andrade e causou polêmica tendo recebido duras críticas.

Muitas das críticas eram se deviam ao fato do poeta utilizar a redundância e repetição: a expressão "tinha uma pedra" é usada em 7 dos 10 versos do poema.

O poema, mais tarde, veio a integrar o livro Alguma poesia (1930), o primeiro publicado pelo poeta e já caracteristicamente drummoniano: com uma linguagem simples, coloquial, um discurso acessível e despojado.

Ouça o poema No Meio do Caminho

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Descubra Carlos Drummond de Andrade

Nascido em 31 de outubro 1902 em Itabira, interior de Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade foi um dos maiores nomes da poesia brasileira.

Sua primeira infância foi passada no interior, em Itabira, ao lado dos pais, os proprietários rurais Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond de Andrade. Muitos anos mais tarde, Drummond viria a dar o segundo nome da filha em homenagem a sua mãe.

Carlos Drummond de Andrade e a filha única, Maria Julieta.
Carlos Drummond de Andrade e a filha, Maria Julieta Drummond de Andrade.

Aos 14 anos, Drummond foi para Belo Horizonte onde ficou em um colégio interno. Quatro anos mais tarde foi a vez de se mudar para Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, em busca de melhores oportunidades de ensino.

O jovem poeta acabou por se formar no curso de Farmácia da Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte embora tenha desde 1921 investido na sua carreira jornalística e literária.

Lançou em 1925 A Revista, publicação essencial do modernismo mineiro. Publicou no Diário de Minas onde mais tarde veio a ser redator. Mais tarde veio a se tornar funcionário público.

No serviço público atuou, a princípio, como auxiliar de gabinete da Secretaria do Interior. Depois assumiu a chefia do gabinete do Ministério da Educação. Entre 1945 e 1962 atuou como funcionário do Serviço Histórico e Artístico Nacional.

Sendo um dos nomes mais conhecidos do modernismo brasileiro, Carlos Drummond de Andrade marcou a literatura brasileira por expressar de maneira inspiradora as profundas inquietações que atormentam o ser humano.

Na vida pessoal o poeta casou com Dolores Dutra de Morais e foi pai de Maria Julieta Drummond de Andrade e de Carlos Flávio Drummond de Andrade.

O poeta faleceu no Rio de Janeiro em 1987. Há quem diga que a sua morte tenha sido de alguma forma influenciada pelo falecimento da filha, que morreu apenas doze dias antes do pai.

Obras publicadas

  • No Meio do Caminho, 1928
  • Alguma Poesia, 1930
  • Poema da Sete Faces, 1930
  • Cidadezinha Qualquer e Quadrilha, 1930
  • Brejo das Almas, 1934
  • Sentimento do Mundo, 1940
  • Poesias e José, 1942
  • Confissões de Minas (ensaios e crônicas), 1942
  • A Rosa do Povo, 1945
  • Poesia até Agora, 1948
  • Claro Enigma, 1951
  • Contos de Aprendiz (prosa), 1951
  • Viola de Bolso, 1952
  • Passeios na Ilha (ensaios e crônicas), 1952
  • Fazendeiro do Ar, 1953
  • Ciclo, 1957
  • Fala, Amendoeira (prosa), 1957
  • Poemas, 1959
  • A Vida Passada a Limpo, 1959
  • Lições de Coisas, 1962
  • A Bolsa e a Vida, 1962
  • Boitempo, 1968
  • Cadeira de Balanço, 1970
  • Menino Antigo, 1973
  • As Impurezas do Branco, 1973
  • Discurso da Primavera e Outras Sombras, 1978
  • O Corpo, 1984
  • Amar se Aprende Amando, 1985
  • Elegia a Um Tucano Morto, 1987

Conheça também

Rebeca Fuks
Revisão por Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).