Poema Congresso Internacional do Medo, de Carlos Drummond de Andrade


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Carlos Drummond de Andrade, considerado um dos maiores nomes da poesia nacional, foi um autor atento às lutas e dificuldades do seu tempo.

Publicado em Sentimento do Mundo (1940), o poema "Congresso Internacional do Medo" é uma das suas composições mais famosas, simbolizando um retrato dolorido da época.

Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Análise e contexto histórico do poema

Começando pelo próprio título, podemos perceber que a composição fala de uma mesma sensação que atravessa os indivíduos do mundo inteiro: o medo.

Para compreendermos a mensagem que estes versos carregam é necessário percebermos o contexto da sua publicação. O livro Sentimento do Mundo foi escrito em plena Segunda Guerra Mundial, o grande conflito internacional que ocorreu entre 1939 e 1945.

Este poema faz parte da produção lírica de Drummond que refletia sobre várias questões sociopolíticas, pensando as relações do sujeito com aquilo que existia ao seu redor.

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

Desde o primeiro verso, temos a impressão de que tudo está em suspenso, como se estivesse parado, petrificado. As emoções mais fortes, como o amor e o ódio, e até os gestos cotidianos de carinho foram substituídos por esse medo absoluto, uma força que invadiu todos os cantos da vida comum.

A angústia passa a estar presente em todos os momentos e a acompanhar os indivíduos, falando mais alto do que qualquer sentimento ou laço, e promovendo o isolamento e a desunião.

Enquanto isso, os artistas e escritores enfrentavam um momento de crise, verificando que o poder da criação parecia insuficiente perante um cenário brutal de violência, morte e perigo iminente.

Deste modo, o eu-lírico declara que cantará o medo, pois ele é tudo o que existe, e nenhum outro tema seria possível nem faria sentido. Isso também é evidenciado pelo uso constante e transversal de repetições.

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

O pavor que consome os seres humanos está espalhado por todos os lugares: nas paisagens, na natureza, e nos edifícios, até os sagrados.

A desconfiança e o estado de alerta permanente fazem com que cada um se torne mais solitário, temendo até mesmo aqueles que amava, e temendo por eles também.

Contudo, acima de qualquer outro, está o medo dos soldados e dos ditadores, o pânico das batalhas sangrentas e também das decisões e movimentações políticas que conduziram a elas.

Perante tudo isto, temos gerações inteiras de cidadãos que estão paralisados, como se uma enorme nuvem cinzenta pairasse em cima das suas cabeças.

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Submersos nessa atmosfera de desespero generalizado, eles têm tanto medo da morte e do que haverá além dela, que deixam de viver.

O tom disfórico do poema não desaparece nem no último verso com a presença das "flores amarelas", imagem que poderia ser interpretada como um símbolo solar de renovação.

Pelo contrário, elas lembram o caráter frágil e breve da vida, convocando a ideia de que todos os seres humanos morrem e acabam "virando flor". E alguns partem sem ter sequer desfrutado o tempo que passaram no nosso planeta.

Significado e importância do poema

Carregando uma forte e pesada reflexão crítica, a composição vem dar voz à falta de esperança que invadia os indivíduos durante a década de 40 e também nos tempos que se seguiram.

Na verdade, os traumas daquele período histórico e as mazelas que ele deixou nos indivíduos acabaram se perpetuando através do tempo e permanecem na nossa história coletiva.

Assim, décadas mais tarde, continuamos sendo assombrados pelo terror e a crueldade do conflito que abalou o mundo. Mais do que uma composição poética, trata-se do desabafo de um sujeito que precisa sobreviver numa época de mudanças bruscas e violentas.

Face ao estado desolador da realidade, é notória a sua sensação de pequenez e insignificância, como se já não existisse redenção possível.

Sobre Carlos Drummond de Andrade

Nascido em Itabira, Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987) foi um escritor inesquecível que integrou a segunda geração do modernismo brasileiro.

Embora também tenha produzido contos e crônicas, o autor se destacou sobretudo no campo da poesia, marcando o seu nome de forma definitiva na história da nossa literatura.

Retrato de Drummond em 1970.

Como muitos dos seus contemporâneos, Drummond defendia uma poesia sem limitações formais ou temáticas, que se servia de assuntos do cotidiano, usando uma linguagem simples e acessível.

Além de assumirem um tom confessional, através do qual o eu-lírico podia expressar suas emoções, os seus poemas também revelavam uma grande consciência do momento presente, em termos sociais e políticos.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.