Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Manifesto Antropófago (ou Manifesto Antropofágico) foi escrito por Oswald de Andrade e publicado na primeira edição da Revista de Antropofagia, lançada em 1928.

O Manifesto é considerado até os dias de hoje o principal texto do movimento.

Objetivo do Manifesto

Para se conhecer propriamente o objetivo do Manifesto devemos olhar para trás e entender um pouco da história do nosso país. Antes do movimento que deu origem ao manifesto, a cultura brasileira reproduzia o que se passava no estrangeiro, isto é, os artistas basicamente faziam cópias daquilo que viam no exterior.

Imagem do Manifesto Antropófago escrito por Oswald de Andrade e publicado na Revista Antropofagia
Imagem do Manifesto Antropófago escrito por Oswald de Andrade e publicado na Revista Antropofagia.

O Manifesto Antropófago, brilhantemente desenvolvido por Oswald, clamava aos artistas brasileiros por originalidade e criatividade. Ele pretendia celebrar o nosso multiculturalismo, a miscigenação.

O desejo era devorar o que vinha de fora, assimilar a cultura alheia. Não negar a cultura estrangeira, pelo contrário: absorvê-la, degluti-la, processa-la e mistura-la para dar origem ao que é nosso. Podemos identificar nesse cenário um movimento centrípeto, de trazer o exterior para dentro de nós.

Esse processo tinha a ver com a pesquisa pela nossa identidade nacional, com o objetivo final de promover uma independência cultural. Através da intertextualidade e do movimento de se beber em várias fontes se procurava alcançar uma cultura própria autônoma.

Contexto de publicação

O Manifesto Antropófago foi escrito em 1928. Ele é considerado o principal texto do movimento tendo sido publicado na primeira edição da Revista de Antropofagia (lançada em 1928).

O movimento do grupo de artistas modernistas era o de mergulhar nas nossas raízes, recontar a nossa história, rever o nosso passado.

Sobre o título do Manifesto

Antropo vem de Anthropos que quer dizer homem. Fagia, por sua vez, vem de Phagein, que quer dizer comer.

Ao pé da letra a junção das duas palavras significa canibalismo, que aqui ganha um sentido metafórico, simbólico. O canibalismo do índio tinha como objetivo incorporar os dons do inimigo, as características positivas da vítima.

O que é um Manifesto?

Segundo definição retirada do dicionário, um manifesto é uma "Declaração pública em que o chefe de uma nação ou um partido político, um grupo de pessoas ou um único indivíduo esclarece determinadas posições ou decisões".

Outra definição possível é: "Declaração escrita veiculada pela diplomacia de um Estado a outra nação".

A escrita de um manifesto geralmente possui um tom de discurso, carregado por um viés político e ideológico, e almeja a persuasão.

Frases-chave do Manifesto Antropófago

O Manifesto Antropófago é composto por uma série de orações fortes, que convidam o leitor a refletir sobre as questões levantadas pelos modernistas. Vejamos abaixo três dessas afirmações categóricas:

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Se fosse necessário resumir o manifesto em um único trecho, provavelmente o acima seria escolhido. As breves palavras sintetizam com precisão a ideia que o manifesto deseja transmitir.

Já no título do documento se encontra uma variante da palavra antropofagia, um valor que serve de norte para a geração modernista. Aqui o conceito simbólico aparece expandido para uma série de setores: social, econômico, filosófico. O que reúne esses vários aspectos é um denominador comum modernista que nos ensina a deglutir a cultura do outro e incorporá-la na nossa.

Tupi, or not tupi that is the question.

A frase acima foi retirada da peça Hamlet, uma célebre criação de Shakespeare, e distorcida para caber no contexto proposto por Oswald de Andrade.

Trata-se, portanto, de um gesto de intertextualidade, de uma escancarada apropriação da cultura do outro para adaptação na realidade local. Esse movimento é ao mesmo tempo uma forma de homenagear o autor original e um exercício de criatividade ao se fazer a reinterpretação de uma oração clássica.

A nossa independência ainda não foi proclamada.

O trecho acima faz uma constatação polêmica uma vez que o país já havia proclamado a independência em setembro de 1822. Mais de cem anos depois do famoso anúncio, Oswald provoca os brasileiros sugerindo que nós afinal não havíamos conquistado a tão desejada autonomia.

O escritor aqui faz uma crítica ao fato de sermos profundamente dependentes da cultura que se produzia no estrangeiro e pretende convidar o leitor do manifesto a refletir sobre a nossa real independência.

Leia o Manifesto Antropófago na íntegra

O Manifesto Antropófago encontra-se disponível para leitura em formato pdf.

Ouça o Manifesto Antropófago

Quem foi Oswald de Andrade (1890-1954)

José Oswald de Sousa Andrade Nogueira, conhecido pelo grande público apenas como Oswald de Andrade, nasceu em São Paulo em janeiro de 1890.

Provocador, rebelde e polêmico, ele foi um dos líderes do modernismo ao lado de Anita Malfatti e de Mário de Andrade entre outros intelectuais.

Formado em Direito, Oswald nunca trabalhou na área tendo atuado sempre como jornalista e escritor.

Retrato de Oswald de Andrade
Retrato de Oswald de Andrade

Depois de regressar de uma temporada na Europa, Oswald ajudou a promover uma verdadeira revolução cultural no país e participou da Semana de Arte Moderna de 1922.

O Manifesto Antropófago foi provavelmente o seu texto mais famoso, embora também tenha escrito quatro anos antes o fundador Manifesto da Poesia Pau-Brasil (março de 1924).

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).