Resumo do livro O Cortiço, de Aluísio Azevedo (com análise)


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

O Cortiço é um romance naturalista escrito pelo brasileiro Aluísio Azevedo em 1890. Focada numa habitação coletiva, o cortiço São Romão, a obra retrata o cotidiano dos moradores e suas lutas diárias pela sobrevivência.

Centra-se também na ascensão social de João Romão, o proprietário, um imigrante português disposto a tudo para enriquecer.

Resumo da obra

João Romão é um homem do povo que emigrou para o Brasil em busca de uma vida melhor. Dono de uma pedreira e de uma venda, ele consegue comprar algumas casas: primeiro são três e depois passam a ser noventa.

Para isso ele conta com a ajuda de Bertoleza, a sua companheira, uma antiga escrava que conseguiu se libertar. Através de pequenos furtos de materiais de construção, eles conseguem ir aumentando as dimensões do cortiço.

Miranda também é um emigrante português que vive num sobrado do lado do cortiço São Romão. Pelo seu estatuto social burguês, ele desperta a inveja do protagonista e eles entram numa disputa por um pedaço de terra.

Mais tarde, quando Miranda se torna barão, Romão decide se aliar a ele, pedindo sua filha Zulmira em casamento. Para se livrar de Bertoleza, quer seria um obstáculo à união, ele resolve denunciar a companheira como escrava fugida. Em desespero, a mulher acaba cometendo o suicídio para não ter que voltar à vida de escravatura.

Enquanto tudo isso acontece, também vamos assistindo à rotina das pessoas que habitam aquele local e percebendo melhor a vida que levam e aquilo que as condiciona. É o caso de personagens como Rita Baiana e Firmo, entre outros.

Personagens principais

Antes de explorarmos as características das principais figuras da obra, é importante salientar que elas não têm uma grande profundidade emocional. Pelo contrário, funcionam como personagens-tipo que pretendem representar imagens estereotipadas da sociedade brasileira.

João Romão

João ilustra a ambição, a ganância e os indivíduos capazes de tudo para enriquecer. Após ter trabalhado, dos treze aos vinte e cinco anos, para um vendeiro, ele conseguiu reunir algumas economias.

Depois conheceu Bertoleza, sua vizinha, com quem começou um romance e passou a morar. A mulher, que foi escrava e escapou, consegue juntar o dinheiro necessário para comprar a sua alforria e pede para Romão guardá-lo.

Interesseiro e sem escrúpulos, ele rouba a companheira e usa esse valor para investir nos seus negócios e comprar o cortiço.

Miranda

Miranda é um negociante português, com trinta e cinco anos, dono de uma loja de fazendas por atacado. Ele é casado com Estela, mulher que já o traiu várias vezes, mas que ele não pode abandonar, por conta de seu dinheiro e estatuto social.

O casal gerou uma filha, Zulmira, mas Miranda questiona se é, realmente, o seu pai.

Estela

Estela é esposa de Miranda há treze anos e já deu vários desgostos ao marido devido aos seus adultérios, que começaram no segundo ano do casamento. Mãe de Zulmira, ela jura que Miranda é o pai.

Bertoleza

Bertoleza trabalhava como quitandeira e tinha sido escrava, mas se libertou. Vizinha de João Romão, começou um relacionamento com ele, mas era explorada, trabalhando nos seus negócios de sol a sol.

Para fundar o cortiço São Romão, ele usou o dinheiro que ela tinha poupado para a sua carta de alforria, roubando e mentindo para a companheira. Traída e "descartada" por Romão, ela comete o suicídio.

Firmo

Firmo é um capoeira delgado e ágil, representante da malandragem carioca, que usava sempre um chapéu de palha. Ele era apaixonado por Rita Baiana, com quem chegou a viver um romance passageiro.

Rita Baiana

Lavadeira e mulher de bom coração, Rita Baiana é pretende simbolizar um estereotipo de mulher brasileira, alegre e sensual, que desperta amores e invejas no cortiço.

Piedade e Jerônimo

O casal de portugueses parece ter sido “contagiado” pelos costumes do cortiço e cai em desgraça. Jerônimo se envolve com Rita e acaba destruindo o seu casamento. Piedade, após ser abandonada, sucumbe ao alcoolismo. Quando se descobre o caso entre os dois, Firmo desafia o rival para uma luta e acaba sendo assassinado.

Análise e principais características da obra

O Cortiço é uma obra de grande importância para a literatura nacional, já que representa um marco do Naturalismo no Brasil. Ela também acabou se tornando um documento que nos ajuda a compreender os quadros mentais da sua época.

O Naturalismo e os romances de tese

Idealizado por Émile Zola, o Naturalismo procurava mostrar os instintos humanos, suas fraquezas, vícios e defeitos.

Assim, os romances naturalistas eram classificados como romances de tese. Eles pretendiam provar uma teoria: o indivíduo é produto da sua hereditariedade, do meio e do momento histórico em que vive, sendo determinado por esses fatores e se esgotando neles.

Um olhar atual classificaria esses determinismos, presentes na obra, como formas de tentar justificar, através de supostos argumentos científicos, vários preconceitos raciais e de classe.

Conheça mais sobre o Naturalismo, suas características e principais obras.

Influências e técnicas naturalistas na obra

Como é comum na escola naturalista, aqui o narrador surge na terceira pessoa, sendo onisciente. Com acesso às ações e pensamentos de todos os personagens, ele pode julgar e analisar os mesmos para comprovar a sua tese.

Ao nível da linguagem, Aluísio Azevedo segue os ensinamentos de Zola, com descrições muitas vezes escatológicas, comparando, por exemplo, os moradores do cortiço a vermes se mexendo no meio de dejetos. O cortiço surge também comparado a uma floresta, transbordando de movimento e cor, quase como um ser vivo que respira e existe em si mesmo.

Muitos estudiosos referem que o personagem principal é precisamente o cortiço, uma entidade coletiva, o que faz sentido à luz do Naturalismo, que valoriza mais o coletivo que o individual.

Espaços da ação e suas simbologias

A ação decorre em dois locais próximos, mas fundamentalmente opostos. O cortiço São Romão é habitado pelas classes mais baixas e marginalizadas: operários, imigrantes recém chegados, lavadeiras, etc.

Ele representa os comportamentos que, na época, eram encarados como viciosos e próprios desses cidadãos, através de uma perspectiva determinista.

Já no sobrado do Miranda, típico da burguesia em ascensão, a rotina é sossegada e superficial, com tempo para cultura e lazer, representando o estilo de vida das classes mais altas e privilegiadas.

Contexto histórico da produção

Cortiço do Rio de Janeiro

O período em que a ação acontece não está definido, mas sabemos que ocorre no Rio de Janeiro do século XIX. Este dado é fundamental, já que durante esse tempo, aquela era sede do império, se tornando a primeira cidade modernizada.

O romance reflete sobre o crescimento urbano e o nascimento de uma nova burguesia que convivia, lado a lado, com a pobreza absoluta.

Interpretação e importância da obra

O Cortiço tem como base as duras condições de vida a que os personagens estão sujeitos. Uma obra muito célebre, ela continua tendo relevância atualmente, já mostra os desequilíbrios e contrastes sociais que convivem no mesmo espaço urbano.

Espelhando o espírito da época, este é um retrato fiel do capitalismo emergente no século XIX e da consequente exploração das camadas mais frágeis da população. Aliás, em toda a narrativa, fica evidente a exploração do pobre pelo rico e do negro pelo branco.

Com uma forte inclinação sociológica, e envolto nos determinismos provocados pela disseminação das práticas científicas do seu tempo, o autor pretende demonstrar que o ambiente onde o indivíduo vive influencia diretamente o seu comportamento e prescreve o seu futuro.

O maior exemplo disso é a transformação que Jerônimo sofre durante a sua estadia no cortiço. Sendo primeiro descrito como um trabalhador esforçado e homem cumpridor dos seus deveres, ele vai começando a ficar preguiçoso com o calor, a comida e a bebida do Rio de Janeiro.

Também se corrompe moralmente quando se envolve com Rita Baiana e comete adultério. Seu destino é traçado quando mata Firmino, estando já contagiado pela violência do local.

Durante a confusão, o cortiço arde, sendo posteriormente transformado no edifício Avenida São Romão, que passa a ser habitado por uma população de melhor condição financeira. É curioso notar que quando Romão escala a pirâmide social, o próprio cortiço parece subir de classe.

No entanto, os moradores mais pobres se mudam para outra moradia coletiva, o Cabeça de Gato. Desta forma, Aluísio Azevedo encerra o romance demonstrando que sempre existirão lugares “corruptores” e que as desigualdades sociais e econômicas serão sempre perpetuadas por esse círculo vicioso.

Adaptações para o cinema

Em 1945, Luiz de Barros dirigiu a primeira adaptação da obra para o cinema, ainda em preto e branco. Anos mais tarde, Francisco Ramalho Jr. foi o responsável pela direção do filme O Cortiço (1978), com a participação de Mário Gomes e Betty Faria.

Aluísio de Azevedo, o autor

Aluísio Azevedo (1857-1913) foi um escritor, jornalista, caricaturista e diplomata brasileiro. Em 1879, ele publicou Uma lágrima de mulher, que mostrava ainda todas as influências do estilo romântico.

Três anos depois, no entanto, o autor entrou para a história da literatura nacional com a publicação de O Mulato, livro que marcou o início do movimento naturalista no Brasil. Na obra, eram evidentes as questões raciais e a postura abolicionista de Aluísio Azevedo.

O seu trabalho de influências naturalistas conquistou a atenção de seus leitores e pares; ele também foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras.

Contudo, a partir de 1895 se focou na carreira de diplomata, tendo sido cônsul do Brasil em diversos países: Japão, Espanha, Itália, Uruguai e Argentina. No dia 21 de janeiro de 1913, com cinquenta e cinco anos, Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo morreu em Buenos Aires, Argentina.

Todas as obras

  • Uma Lágrima de Mulher, romance, 1879
  • Os Doidos, teatro, 1879
  • O Mulato, romance, 1881
  • Memórias de um Condenado, romance, 1882
  • Mistérios da Tijuca, romance, 1882
  • A Flor de Lis, teatro, 1882
  • A Casa de Orates, teatro, 1882
  • Casa de Pensão, romance, 1884
  • Filomena Borges, romance, 1884
  • O Coruja, romance, 1885
  • Venenos que Curam, teatro, 1886
  • O Caboclo, teatro, 1886
  • O Homem, romance, 1887
  • O Cortiço, romance, 1890
  • A República, teatro, 1890
  • Um Caso de Adultério, teatro, 1891
  • Em Flagrante, teatro, 1891
  • Demônios, contos, 1893
  • A Mortalha de Alzira, romance, 1894
  • O Livro de uma Sogra, romance, 1895
  • Pegadas, contos, 1897
  • O Touro Negro, teatro, 1898

Conheça também:

Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.