12 poemas de Mário de Andrade (com explicação)


Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual

Figura essencial do modernismo brasileiro, Mário de Andrade (1893-1945) é conhecido como um dos mais relevantes escritores do país.

O intelectual, além de poeta e romancista, foi um estudioso da música e do folclore brasileiro, crítico literário e ativista cultural.

A poesia de Mário de Andrade foi desenvolvida, assim como seus contos e romances, em duas vertentes: a urbana em um primeiro momento, e a folclórica, posteriormente.

Através de seus poemas é possível entender o contexto social que o Brasil atravessava e compreender um pouco a história dessa personalidade essencial para a construção da identidade nacional.

1. Na rua Aurora eu nasci

Na rua Aurora eu nasci
na aurora de minha vida
E numa aurora cresci.

no largo do Paiçandu
Sonhei, foi luta renhida,
Fiquei pobre e me vi nu.

nesta rua Lopes Chaves
Envelheço, e envergonhado
nem sei quem foi Lopes Chaves.

Mamãe! me dá essa lua,
Ser esquecido e ignorado
Como esses nomes da rua.

Nesse poema, presente em Lira Paulistana (1945), Mário de Andrade retoma suas origens e faz uma reflexão sobre sua trajetória de vida.

O escritor, batizado de Mário Raul de Moraes Andrade, de fato nasceu na Rua Aurora, em São Paulo, em 9 de outubro de 1893.

Teve uma infância tranquila nesse local e na juventude mudou-se para Rua Paissandu. Mais tarde reside na Lopes Chaves, onde permanece até sua morte. Atualmente, nesse endereço existe a Casa Mário de Andrade, espaço cultural dedicado ao escritor.

Mário de Andrade nunca chegou a se casar, morando por toda a vida com sua mãe, que é citada no texto com ternura e proximidade.

2. Inspiração

São paulo! comoção de minha vida...
Os meus amores são flores feitas de original...
Arlequinal!...Traje de losangos...Cinza e ouro...
Luz e bruma...Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes...
Perfume de Paris...Arys!
Bofetadas líricas no Trianon...Algodoal!...

São Paulo! comoção de minha vida...
Galicismo a berrar nos desertos da América!

Esse é o poema que inaugura Pauliceia Desvairada, segundo livro de poemas de Mário de Andrade, publicado em 1922.

A obra faz parte da primeira geração modernista, sendo lançada no mesmo ano da Semana de Arte Moderna, evento marcante na história cultural brasileira e que o escritor ajudou a tornar possível.

Em Inspiração, Mário nos apresenta uma São Paulo dinâmica, urbana e inquieta.

O período foi marcado pelo crescimento acelerado das cidades, sobretudo da capital paulista. Através de jogos de palavras, o autor inova na escrita, trazendo sobreposições de imagens e de ideias, refletindo a agitação de seu tempo.

A comparação da cidade de São Paulo com grandes metrópoles fica evidente no verso “Perfume de Paris...Arys!”. Há também a noção de dinamismo e contrastes nas palavras “Cinza e ouro...Luz e bruma...Forno e inverno morno…”, como se no mesmo local houvesse enorme variação, tanto de temperatura, quanto de comportamento e estado de espírito dos habitantes.

Outro ponto interessante é o uso de reticências no texto, sinalizando que o eu lírico não finaliza seus pensamentos, como se a profusão da vida entrasse em contato com suas ideias e o deixasse sem palavras.

3. O trovador

Sentimentos em mim do asperamente
dos homens das primeiras eras…
As primaveras de sarcasmo
intermitentemente no meu coração arlequinal…
Intermitentemente…
Outras vezes é um doente, um frio
na minha alma doente como um longo som redondo…
Cantabona! Cantabona!
Dlorom…

Sou um tupi tangendo um alaúde!

Trovador também integra Pauliceia Desvairada. Aqui, o poeta resgata a ideia do trovadorismo, estilo literário e poético medieval.

O eu lírico revela-se um trovador, como se fosse um poeta antigo entoando cantigas com seu instrumento de corda.

O texto pode ser lido como versos musicais que se sobrepõem. Há o uso de onomatopéias, ou seja, palavras que imitam sons, como se observa em “Cantabona!”, sugerindo o som de tambores indígenas, e “Dlorom”, evocando a sonoridade de um alaúde.

Ao dizer “Sou um tupi tangendo alúde!”, Mário faz um conexão entre a cultura indígena e a europeia, pois o alaúde era um instrumento árabe usado por trovadores medievais na Europa.

Dessa forma, o autor provoca a sensação de que o Brasil é um lugar onde a mistura cultural ocorre intensamente.

Nota-se o caráter inovador de Mário de Andrade, que buscava entender as grandes transformações que ocorriam no Brasil, sem deixar de lado a origem indígena do povo.

Pode-se dizer que nesse texto poético temos um prenúncio do que seu grande romance Macunaíma, de 1928.

4. Ode ao Burguês

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"— Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...

Em Ode ao burguês, publicado em Pauliceia Desvairada, o autor faz uma crítica em tom de sátira à classe burguesa e seus valores.

O poema tem relevância na obra de Mário, pois, além de ser um ícone modernista, foi recitado na Semana de Arte Moderna de 22, evento que foi realizado no Theatro Municipal de São Paulo e que contribuiria grandemente para a renovação cultural do país.

Na ocasião, quando foi declamado, o público ficou indignado e sentiu-se ofendido, pois grande parte das pessoas que estiveram na Semana integravam justamente a burguesia, e alguns inclusive contribuíram financeiramente para a realização do evento.

Entretanto, Mário não se intimidou e leu o texto em que defende seu ponto de vista contrário às futilidades e caráter mesquinho da aristocracia brasileira.

Note que o título “Ode ao” tem uma sonoridade que sugere a palavra “ódio”. Ode, em literatura, é um estilo poético - geralmente entusiasmado - em que as estrofes são simétricas.

Aqui, fica explícita a posição política do escritor. Mário aproximou-se do movimento comunista e chegou a declarar:

Minha maior esperança é que se consiga um dia realizar no mundo o verdadeiro e ignorado Socialismo. Só então o homem terá o direito de pronunciar a palavra “civilização”.

5. Paisagem nº3

Chove?
Sorri uma garoa de cinza,
Muito triste, como um tristemente longo...
A Casa Kosmos não tem impermeáveis em liquidação...
Mas neste Largo do Arouche
Posso abrir o meu guarda-chuva paradoxal,
Este lírico plátano de rendas mar...

Ali em frente... - Mário, põe a máscara!
-Tens razão, minha Loucura, tens razão.
O rei de Tule jogou a taça ao mar...

Os homens passam encharcados...
Os reflexos dos vultos curtos
Mancham o petit-pavé...
As rolas da Normal
Esvoaçam entre os dedos da garoa...
(E si pusesse um verso de Crisfal
No De Profundis?...)
De repente
Um raio de Sol arisco
Risca o chuvisco ao meio.

O poema está presente em Pauliceia Desvairada.

Em Paisagem nº 3, Mário de Andrade descreve a cidade de São Paulo. A paisagem que evoca é de uma chuva fina e cinza, cor que sugere a já crescente poluição do centro urbano.

As contradições na cidade são expostas em “sorri uma garoa de cinza” e “um raio de sol arisco risca o chuvisco ao meio”, trazendo um lirismo próprio do autor, que consegue transmitir a harmonia caótica e contrastante da capital.

Nesse cenário, o poeta cita lugares - casa Kosmos, largo do Arouche - e exibe transeuntes encharcados e reflexos de vultos, o que transmite a ideia de beleza em meio aos caos urbano.

As frases têm cortes abruptos, evidenciando espontaneidade e uma estrutura poética livre e dissonante.

6. Moda do brigadeiro

O brigadeiro Jordão
Possuiu êstes latifundios
Dos quais o metro quadrado
Vale hoje uns nove milreis.
Puxa! Que homem felizardo
O brigadeiro Jordão!...
Tinha casa tinha pão,
Roupa lavada e engomada
E terras...Qual terras! mundos
De pastos e pinheirais!
Que troças em perspectiva...
Nem pensava em serrarias
Nem fundava sanatórios
Nem gado apascentaria!
Vendia tudo por oito
E com a bolada no bolso
Ia no largo do Arouche
Comprar aquelas pequenas
Que moram numa pensão!

Mas não são minhas as terras do brigadeiro Jordão...

No livro Clan do Jabuti (1927) foi publicado o poema Moda do brigadeiro. Nele, Mário de Andrade coloca uma inscrição “Campos do Jordão", o que nos leva a sugerir que o texto foi escrito nesse município.

Há ainda a possibilidade de o brigadeiro em questão ser o fundador da cidade de Campos do Jordão.

O fato é que o homem é retratado como um rico latifundiário, “felizardo” por possuir tantas terras, posses e conforto.

Mário, por conhecer e valorizar o território brasileiro, diz nos versos “E terras...Qual terras! mundos”, trazendo a noção de que o Brasil possui vários “mundos” e culturas em cada região distinta.

No poema, o brigadeiro acaba por vender toda sua riqueza em troca de “amores pagos” com meninas em prostíbulos no largo do Arouche (em São Paulo). Assim, o autor expõe a realidade da prostituição no país, além de mostrar possíveis perdas financeiras da elite da época.

O autor termina o poema fazendo uma conexão entre ele e o rico homem no verso: “Mas não são minhas as terras do brigadeiro Jordão…” Aqui, ele deixa implícita uma opinião de que se as terras fossem dele, faria melhor uso.

Deixa ainda a ideia de que, lamentavelmente, a riqueza do país está nas mãos de uma elite fútil.

7. Acalanto da Pensão Azul

Oh heticas maravilhos
Dos tempos quentes do Romantismo,
Maças coradas olhos de abismo,
Donas perversas e perigosas,
Oh heticas maravilhosas!
Não vos compreendo, sois de outras eras,
Fazei de pressa o pneumotorax
Mulheres de Anto e de Dumas Filho!
E então seremos bem mais felizes,
Eu sem receio do vosso brilho,
Vós sem bacilos nem hemoptises,
Oh heticas maravilhosas!

O poema em questão integra o livro Clan do Jabuti e faz menção a uma casa que recebia doentes de tuberculose de vários locais no início do século XX.

A casa se chamava Pensão Azul e ficava localizada em Campos do Jordão, lugar conhecido pelo bom clima para curar essa enfermidade.

Aqui, Mário de Andrade expressa a aura presente no romantismo. Ele descreve moças doentes com rara beleza, ao passo que diz que elas são de “outras eras”.

Recomenda o pneumotórax (procedimento comum aos tuberculosos) e aguarda que elas recuperem a saúde e o brilho para serem um dia felizes.

Vale destacar que a sexualidade de Mário de Andrade sempre permaneceu uma incógnita. Há indícios de que o intelectual era homossexual ou bissexual.

8. Descobrimento

Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.

Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.

Esse homem é brasileiro que nem eu.

Descobrimento é um poema que também foi publicado em Clan do Jabuti. Nele, Mário de Andrade inicia a narrativa partindo do lugar onde se encontra, sentado em sua escrivaninha, na rua Lopes Chaves, na cidade de São Paulo.

Assim, afirma sua posição de escritor e intelectual. Reconhece seu lugar de privilégio na sociedade ao se “lembrar” que naquele mesmo instante há um homem vivendo uma realidade completamente distinta da dele.

Esse homem que Mario imagina vive no Norte do país, a muitos quilômetros de distância, e possui aparência sofrida devido às condições a que está exposto. Sabemos que é um seringueiro por conta do verso: “Depois de fazer uma pele com a borracha do dia”.

Mário de Andrade desenvolve nesse texto poético uma reflexão empática sobre as diferentes realidades do país.

Compara-se ao seringueiro, traçando uma conexão entre eles, e sabe que essas pessoas possuem necessidades, sentimentos e sonhos tanto quanto qualquer brasileiro.

9. Poema

Neste rio tem uma iara....
De primeiro o velho que tinha visto a iara
Contava que ela era feiosa, muito!
Preta gorda manquitola ver peixe-boi.
Felizmente velho já morreu faz tempo.
Duma feita, madrugada de neblina
Um moço que sofria de paixão
Por causa duma índia que não queria ceder pra ele,
Se levantou e desapareceu na água do rio.
Então principiaram falando que a iara cantava, era moça,
Cabelos de limo verde do rio...
Ontem o piá brincabrincando
Subiu na igara do pai abicada no porto,
Botou a mãozinha na água funda.
E vai, a piranha abocanhou a mãozinha do piá.
Neste rio tem uma iara...

Poema traz a narrativa de um mito muito conhecido no Brasil: a história da sereia Iara.

O texto encontra-se na obra Clan do Jabuti, de 1927. Aqui o autor adota uma atitude de contador de histórias, como se fosse um personagem tipicamente brasileiro que narra um causo folclórico.

Vale a pena destacar que Mário de Andrade era um profundo conhecedor da mitologia e costumes do país, sendo um importante folclorista e tendo viajado para as mais remotas regiões do território brasileiro.

Mário apresenta Iara de três maneiras distintas: “feiosa, preta gorda maquitola”, “moça, cabelos de limo verde rio”, e na forma de “piranha”.

Ao fazer isso, e ainda incluir um personagem velho, um moço e um “piá” (criança), o autor exibe um mito que sofre todas as alterações ao longo do tempo, adquirindo formas e valores diversos, como é próprio da cultura popular que é passada de geração em geração.

10. A menina e a cantiga

… trarilarára… traríla…

A meninota esganiçada magriça com a saia voejando por cima dos joelhos em nó vinha meia dançando cantando no crepúsculo escuro. Batia compasso com a varinha na poeira da calçada.

… trarilarára… traríla…

De repente voltou-se pra negra velha que vinha trôpega atrás, enorme trouxa de roupas na cabeça:
– Qué mi dá, vó?
– Naão.

… trarilarára… traríla…

A menina e a cantiga faz parte do livro Losango Caqui, de 1926. Nesse texto, vemos o contrastes entre as duas personagens retratas: a menina e a avó.

A menina é exibida com uma aura alegre e saltitante, bailando e cantando ao cair da noite. A palavra “trarilarára” aparece como a sonoridade de seus gracejos e cantorias.

Já a velha é mostrada como uma senhora trôpega que leva roupas na cabeça (costume das lavadeiras). Aqui, nota-se a relação que Mário faz entre o trabalho e a condição da mulher negra, que provavelmente labutou a vida inteira e chega à velhice cansada e manca.

As palavras que o autor escolhe para retratar a senhora no verso “De repente voltou-se pra negra velha que vinha trôpega atrás, enorme trouxa de roupas na cabeça” formam um som que também “tropeça em nossa língua”, com a junção de consoantes com a letra “r”.

Na frase: “Qué mi dá, vó?”, as palavras são cortadas, colocadas no texto de maneira coloquial, e que, além de tudo, ressoam como notas musicais.

Mário de Andrade tinha a preocupação de retratar o povo brasileiro em suas diversas especificidades regionais, pensando uma construção da cultura do país.

11. Moça linda bem tratada

Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.

Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.

Mulher gordaça, filó,
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...

Plutocrata sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba.

Esse poema está presente na obra Lira Paulistana, publicada em 1945, ano da morte do autor. O livro é visto como a conclusão da poesia de Mário de Andrade, apresentando uma obra política de um indivíduo preocupado com a representação da identidade do povo e a reflexão do mundo ao seu redor.

Aqui, Mário faz uma severa crítica à elite brasileira, trazendo a descrição de uma família de posses tradicional.

A filha é mostrada como uma bela moça, “bem tratada”, mas burra e fútil. O rapaz, o outro filho, é descrito como um homem despudorado e ignorante, que só pensa em esporte e sexo e é um “coió”, ou seja, um palerma ridículo.

A mãe é uma figura gorda que só valoriza o dinheiro, joias e é “burra como uma porta”. Já o patriarca é um homem vil, sem consciência, mas nada burro, que explora a gente humilde de seu país.

Essa foi uma das maneiras que o escritor encontrou de questionar os valores da sociedade burguesa tradicional, apresentada como superficial, arrogante, fútil e exploradora.

Aqui fica explícito o caráter contestador e crítico de Mário de Andrade.

12. Quando eu morrer

Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paissandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade...

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade...

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.

Quando eu morrer foi publicado em Lira Paulistana (1945), já no fim de sua vida. Aqui, o poeta faz um balanço de sua existência, ao recomendar que seu corpo seja fragmentado e atirado cada parte em um local de São Paulo que lhe foi importante na vida.

Mário mais uma vez faz uma homenagem a sua cidade, citando lugares estratégicos da capital e revelando um pouco sobre si e seus anseios.

O autor traça ainda um paralelo nesse texto com a poesia romântica, que tinha o tema da morte muito presente.

O falecimento de Mário de Andrade ocorreu no dia 25 de fevereiro de 1945. O intelectual morreu de ataque cardíaco aos 51 anos.

Obras principais de Mário de Andrade

Mário de Andrade foi um homem com múltiplos talentos e deixou como legado uma extensa obra literária. Seus livros de maior importância são:

  • Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917)
  • Pauliceia Desvairada (1922)
  • Losango Caqui (1926)
  • Clan do Jabuti (1927)
  • Amar, Verbo Intransitivo (1927)
  • Ensaios Sobra a Música Brasileira (1928)
  • Macunaíma (1928)
  • Remate de Males (1930)
  • Os Contos de Belasarte (1934)
  • O Aleijadinho de Álvares De Azevedo (1935)
  • Música do Brasil (1941)
  • Poesias (1941)
  • O Movimento Modernista (1942)
  • O Empalhador de Passarinhos (1944)
  • Lira Paulistana (1945)
  • O Carro da Miséria (1947)
  • Contos Novos (1947)
  • O Banquete (1978)

Para saber mais sobre a obra dessa grande autor, leia:

Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.