Tudo sobre a Semana de Arte Moderna


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

A Semana de Arte Moderna foi um marco para a independência cultural do nosso país e serviu também de pontapé inicial do modernismo.

Os artistas de vanguarda - influenciados pelas então recentes experimentações estéticas europeias - pretendiam mostrar o Brasil como verdadeiramente era: uma mistura de culturas e estilos.

Saiba mais sobre o evento que aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo e reuniu escritores, artistas plásticos e músicos.

Sobre a Semana de Arte Moderna

A Semana de Arte Moderna aconteceu em São Paulo, no Theatro Municipal.

Apesar de se chamar Semana, na verdade os eventos aconteceram nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922.

O Theatro Municipal de São Paulo foi palco para a Semana de Arte Moderna
O Theatro Municipal de São Paulo foi palco para a Semana de Arte Moderna.

Repare que a escolha do ano não foi por acaso: 100 anos antes o Brasil passava por um processo de independência. A escolha feita pelos modernistas de dar vida ao evento 100 anos depois dessa ocasião marcante foi, portanto, altamente simbólica.

O evento, financiado pela elite cafeeira do Estado de São Paulo, reuniu a nata da intelectualidade artística brasileira que procurava pensar em novas formas de se produzir cultura.

Durante os três dias foram exibidas exposições, feitas leituras, realizadas palestras e recitais de música. O evento englobava várias modalidades artísticas: pintura, escultura, música e literatura.

Capa do catálogo da exposição feita por Di Cavalcanti
Capa do catálogo da exposição feita por Di Cavalcanti.

Participantes

Os principais artistas que participaram da a Semana de Arte Moderna foram:

  • Graça Aranha (literatura)
  • Oswald de Andrade (literatura)
  • Mário de Andrade (literatura)
  • Anita Malfatti (pintura)
  • Di Cavalcanti (pintura)
  • Villa-Lobos (música)
  • Menotti del Picchia (literatura)
  • Victor Brecheret (escultura)
Grupo de modernistas na escadaria liderado por Oswald de Andrade (sentado a frente)
Parte do grupo de modernistas, na escadaria, liderado por Oswald de Andrade (sentado a frente)

Primeira noite (13 de fevereiro de 1922)

Graça Aranha (autor do célebre romance Canaã) abriu a Semana de Arte Moderna (a noite do dia 13) lendo um texto chamado A emoção estética na arte moderna.

Já considerado um grande nome da cultura nacional - e também um artista mais consolidado - seu nome deu peso ao grupo.

Concorrida, a primeira noite contou com apresentações e exposições. Um dos destaques do encontro foi o quadro A estudante russa, pintado por Anita Malfatti.

Quadro A estudante russa, de Anita Malfatti.
Quadro A estudante russa, de Anita Malfatti.

Segunda noite (15 de fevereiro de 1922)

Apesar das divergências estéticas entre os artistas, um elemento comum reunia o grupo de modernistas: era um ódio voraz contra o Parnasianismo. Os parnasianos, sob a perspectiva dos modernistas, produziam uma poesia hermética, metrificada e, em última instância, vazia.

Cansados de assistirem a produção no Brasil de uma arte antiquada e embotada, os artistas colocaram a mão na massa e fizeram uma série de experiências a procura de uma nova forma de arte.

Convém lembrar que o destaque da segunda noite da Semana de Arte Moderna foi a leitura do poema Os sapos, de Manuel Bandeira. Doente, o poeta não pode comparecer no evento, apesar de ter enviado a sua contribuição. A criação promove uma clara sátira ao movimento Parnasiano e foi declamada por Ronald de Carvalho:

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

Já pelo tom do poema se percebe o ar de desprezo artístico que Manuel Bandeira - e os modernistas em geral - destilavam em relação aos seus antecessores artísticos.

A leitura dos versos polêmicos mobilizou paixões e Ronald de Carvalho acabou por ser vaiado.

Terceira noite (17 de fevereiro de 1922)

Na terceira e última noite da Semana de Arte Moderna a estrela foi o compositor Heitor Villa-Lobos, que trazia uma peça original mesclando uma série de instrumentos.

Ele já havia se apresentado nas noites anteriores, mas deixou para o encerramento seu trabalho mais especial.

O músico se apresentou no palco vestindo um casaco e chinelos. O público, se sentindo ultrajado pela indumentária inusitada, vaiou o compositor (apesar de mais tarde ter vindo a tona que os chinelos eram culpa de um calo e não tinham qualquer intenção provocadora).

Cartaz da última noite
Cartaz da última noite (17 de fevereiro) da Semana de Arte Moderna.

Objetivos dos artistas

O modernistas que participaram da Semana de Arte Moderna pretendiam criar uma identidade nacional tirando a cultura brasileira do tempo passado.

Eles desejavam influenciar os artistas contemporâneos a olharem para frente (instaurando o novo) e a experimentarem formas inovadoras de se produzir artisticamente.

A ideia era renovar a estética brasileira e pensar em uma arte de vanguarda.

O evento serviu sobretudo para trocar experiências com outros criadores e aproximar essa nova geração que queria produzir o novo em áreas culturais tão distintas.

Pós evento

O evento repercutiu para além das três noites e alcançou um público muito mais amplo do que aquele que teve o privilégio de estar no Theatro Municipal.

Três revistas foram lançadas durante a Semana de Arte Moderna e posteriormente divulgadas, foram elas: Klaxon (São Paulo, 1922), A Revista (Belo Horizonte, 1925) e Estética (Rio de Janeiro, 1924).

Capa da Revista Klaxon.
Capa da Revista Klaxon lançada em maio de 1922.

Idealistas e incansáveis, os modernistas também redigiram quatro manifestos-chave que nos ajudaram a compreender melhor os anseios dessa geração. Foram eles:

Contexto histórico no país

Anos antes da Semana de Arte Moderna a burguesia industrial ganhava força no país, especialmente no Estado de São Paulo. Com o desenvolvimento o país estava atraindo cada vez mais imigrantes europeus (especialmente italianos), o que proporcionava uma rica fusão na nossa já tão misturada cultura.

Os artistas foram se reunindo anos antes do evento, influenciados pelas vanguardas europeias. Em comum eles partilhavam o desejo de mudança e a ânsia por ajudar a fundar uma nova cultura.

O próprio Oswald de Andrade - um dos grandes nomes do movimento - retornou da Europa com os olhos contaminados pelas artes cubistas e futuristas. Constatou ele após regressar à sua terra natal:

Estamos atrasados cinquenta anos em cultura, chafurdados ainda em pleno Parnasianismo.

Eventos que culminaram na Semana de Arte Moderna

Ao contrário do que se costuma habitualmente crer, a Semana de Arte Moderna não foi um evento isolado, mas sim o desdobramento de uma série de movimentações artísticas que se deram anos anteriores.

Convém lembrar de pelo menos três revolucionários eventos precursores que culminaram na Semana de 22:

  • Exposição de Lasar Segall (1913)
  • Exposição de Anita Malfatti (1917)
  • Maquete do monumento as bandeiras de Victor Brecheret (1920)

Confira tudo sobre o Modernismo no Brasil.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).