Livro Claro Enigma de Carlos Drummond de Andrade (resumo e contexto histórico)


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Claro enigma é o quinto livro de poesias do escritor Carlos Drummond de Andrade e foi lançado em 1951 pela editora José Olympio. A publicação reúne 42 poemas dos mais variados temas.

A célebre composição A máquina do mundo - eleito o melhor poema do século XX da literatura brasileira - é a penúltima criação presente no livro.

Resumo

Pode-se dizer que Claro enigma é um livro marcado por um certo desencanto, Drummond dava sinais, ao longo dos versos, da exaustão do seu engajamento político e do cansaço após os anos de militância.

Ao longo dos poemas, que tratam dos mais diversos temas, fica evidente, por exemplo, a dissolução de uma ideologia motivadora. As linhas iniciais de Dissolução, poema que inaugura a antologia, já marcam o tom do livro:

Escurecem e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

E com ela aceito que brote
uma ordem outra de seres
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.

Por outro lado, se o lado social do poeta perde fôlego, o aspecto introspectivo, melancólico e filosófico ganha força total. Drummond propõe um mergulho em seu interior e vai vasculhar assuntos preciosos como a sua origem, a força do amor e o poder da memória.

Muitos críticos, como Viviana Bosi (da USP), consideram que Claro enigma é o mais importante livro de poesia escrito em língua portuguesa do século 20.

Nessa publicação, Drummond volta a investir em formatos clássicos - assim como a sua Geração de 45 - como, por exemplo, o soneto. Alguns dos trabalhos reunidos no livro são composições formais que obedecem a rima e a métrica.

O poema Oficina irritada é um exemplar desse retorno as formas fixas:

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrara: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

Em pesquisa encomendada pelo jornal Folha de S.Paulo entre escritores e críticos literários, o poema A máquina do mundo, o penúltimo presente em Claro enigma, foi eleito o melhor poema brasileiro do século XX.

Contexto histórico

Dois eventos históricos importantes marcam especialmente o período de composição de Claro Enigma.

O mundo assistia a Guerra Fria, que teve início em 1947 (com o fim da segunda guerra mundial) e só veio a terminar em 1991 (com o fim da União Soviética).

Foi também um período marcado pelas consequências da bomba atômica, atirada em Hiroshima no dia 6 de agosto de 1945.

Sobre a estrutura do livro

Lançado em 1951 pela editora José Olympio, o livro de Drummond é dividido em seis capítulos que carregam números variáveis de poemas, são eles:

I - Entre lobo e cão (18 poemas)

II - Notícias amorosas (7 poemas)

III - O menino e os homens (4 poemas)

IV - Selo de minas (5 poemas)

V - Os lábios cerrados (6 poemas)

VI - A máquina do mundo (2 poemas)

Primeira edição de Claro enigma.
Primeira edição de Claro enigma.

A epígrafe inicial do livro é a seguinte frase atribuída ao filósofo francês Paul Valéry:

Les événements m'ennuient.

A tradução para o português seria: Os acontecimentos me entediam.

A frase que é utilizada como abertura do livro já denuncia o sentimento de desengano, melancolia e desencanto que prevalece ao longo das poesias apresentadas. Parece que neste livro Drummond percebe a sua pequenez e a sua incapacidade de intervir no mundo, o avesso da atitude que apresentava em outros livros (como o profundamente engajado A rosa do povo, de 1945, que tematizava a guerra na Europa e a ditadura brasileira).

Claro enigma é caracterizado por uma apatia social e histórica, nele vemos um poema mais amargo do que o habitual na lírica de Drummond.

Descubra Carlos Drummond de Andrade

No dia 31 de outubro de 1902, nasceu na cidade de Itabira (interior de Minas Gerais), o menino Carlos Drummond de Andrade. Era o nono filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e da dona de casa Julieta Augusta Drummond de Andrade.

Cursou os primeiros anos escolares em Itabira, mas aos catorze foi colocado em um colégio interno em Belo Horizonte. Mais tarde veio a estudar também em um colégio interno em Nova Friburgo.

O poeta publicou seus primeiros versos no Diário de Minas, onde veio a trabalhar no futuro como redator. Também ocupou o cargo de redator no Diário da tarde, no Estado de Minas e em A tribuna.

Drummond

Em 1925, casou-se com Dolores Dutra de Morais. Com ela teve dois filhos: Carlos Flávio (que morreu logo após o nascimento) e Maria Julieta.

Em 1930, publicou o seu primeiro livro, Alguma poesia, impresso em uma tiragem pequena, com apenas 500 exemplares. Foi a primeira de uma série de coletâneas que viria a lançar.

Em 1982, recebeu o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Morreu aos oitenta e cinco anos no dia 17 de agosto de 1987, doze dias após o falecimento da única filha, Maria Julieta.

Assinatura

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).