A Pele que Habito: resumo e explicação do filme


Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes

Dirigido por Pedro Almodóvar, o filme espanhol de drama e suspense psicológico foi lançado em 2011 e continua surpreendendo espectadores do mundo todo.

A trama foi inspirada num romance do francês Thierry Jonquet, lançado em 1995. Robert é um cirurgião plástico que está desenvolvendo um projeto sombrio e misterioso. Vera, a sua "cobaia", vive presa na casa dele, sob vigilância permanente.

Atenção: a partir deste ponto, você vai encontrar spoilers!

Resumo completo do filme

Ação que ocorre no presente

O filme começa com uma mulher que está presa num quarto e recebe comida através de um compartimento na parede. Robert, o cientista e cirurgião que é dono da casa, está fazendo experiências no laboratório.

Quando entra no quarto para visitar Vera, descobre que ela provocou ferimentos no próprio corpo. Enquanto ele cuida dos seus machucados, ela questiona quando tudo irá acabar.

Robert observando Vera

Numa palestra para os colegas de profissão, Robert apresenta o seu projeto revolucionário: uma pele artificial muito resistente que se chama "GAL", em homenagem à esposa que já morreu. Um cientista mais velho o aborda no final da apresentação, lembrando os princípios morais e éticos do procedimento.

O médico afirma que usou células de porco, não células humanas, para obter o resultado. Logo percebemos que ele mentiu: a pele foi criada a partir do material genético de Vera, a sua prisioneira, e aplicada em todo o seu corpo. Como medida desesperada para fugir, ela procura seduzi-lo, mas o homem se afasta. Numa conversa com Marília, a empregada, descobrimos que o rosto de Vera é igual ao da antiga esposa de Robert.

Enquanto o dono da casa está fora, Marilia é visitada pelo filho. Zeca é um criminoso violento que está fugindo da polícia e quer alterar a sua fisionomia. No entanto, quando consegue entrar no local, ele vê as imagens de Vera através das câmeras de vigilância e vai atrás dela.

Zeca vê a imagem de Vera

Quando consegue abrir a porta, ele a confunde com Gal e avança para cima dela, abusando da prisioneira. Robert chega na hora e mata Zeca com tiro, abraçando Vera em seguida. Nessa noite, os dois dormem juntos e ele a chama de "meu amor".

Marilia limpa a cena do crime e conta para Vera que Zeca e Robert eram irmãos, já que o médico nasceu da sua relação extraconjugal com o antigo patrão. Anos antes, Gal e Zeca se apaixonaram e fugiram, mas sofreram um acidente de carro e a mulher ficou com o corpo totalmente queimado. Apesar dos esforços do marido para a sua recuperação, ela acabou cometendo suicídio.

Passado: o que aconteceu 6 anos antes

Aproximadamente no meio do filme, a narrativa viaja até ao passado e mostra aquilo que conduziu os acontecimentos. Robert vai a uma festa de casamento com Norma, a sua filha adolescente, que se encontrava em tratamento. A moça troca olhares com um jovem, Vicente, que a convida para um passeio no jardim. Os dois se envolvem, mas ele ignora os seus pedidos para parar e bate nela, que fica inconsciente.

Robert encontra Norma desmaiada

Robert encontra Norma desmaiada no jardim e procura ajudá-la, mas quando desperta, ela tem um surto psiquiátrico. Logo em seguida, ele vê um homem fugindo de moto. De volta ao hospital, a jovem que piorou muito e tem pânico de homens, acaba por pular da janela.

O estuprador, Vicente, trabalha como estilista na loja de roupas da mãe. Antes de sair do local, ele comenta com uma amiga que está pensando em ir embora. Depois, quando viaja de moto, é perseguido e sequestrado por Robert, despertando acorrentado, numa caverna escura. O sequestrador vai visitá-lo e faz a sua barba, dando clorofórmio para ele cheirar, em seguida.

Vários médicos surgem numa sala de operação, onde realizam uma cirurgia de redesignação sexual em Vicente. Quando acorda e descobre o que aconteceu, ele se aterroriza, mas o cirurgião fala que está apenas começando. Revelando que é pai de Norma, confronta o jovem, que fala que tinha consumido substâncias e não lembra direito.

A Pele que habito

Algum tempo depois, Robert realiza novas cirurgias no corpo e no rosto de Vicente, implantando nele a pele artificial que estava criando. Ao tirar os curativos da sua cara, fala que agora o seu nome passará a ser Vera.

Com revolta, a sua vítima rasga todos os vestidos que o sequestrador lhe deu. Para conseguir lidar com o cativeiro, começa a praticar yôga e usa a maquiagem que recebeu para desenhar e escrever nas paredes do quarto.

Final do filme: de volta ao presente

De volta ao presente, percebemos que Vera e Robert estão vivendo um aparente relacionamento e ela já conseguiu alguma liberdade, indo até às compras com Marilia. Enquanto estão fora, o médico é visitado por um antigo colega, que esteve presente na operação de Vicente.

O homem mostra uma notícia no jornal sobre o desaparecimento do jovem e o confronta com os seus crimes. Ele o ameaça com uma arma, mas Vera entra no escritório e fala que é tudo mentira: foi operada porque quis. Nesse momento, consegue ver o texto no jornal e o antigo retrato.

Vera e Robert

Com esse gesto, passa a obter a confiança do captor. Na mesma noite, quando ele se distrai, Vera pega uma arma que estava escondida na bolsa e mata Robert. Em seguida, dá um tiro em Marilia e foge do local.

Regressando à loja da mãe, começa a chorar e não sabe o que dizer. Sem que ninguém reconheça sua nova aparência, declara: "Eu sou o Vicente".

A Pele que Habito: explicação e interpretação

Uma narrativa de suspense capaz de despertar ansiedade e medo nos espectadores, A Pele que Habito também aborda questões profundas acerca da humanidade, seus comportamentos e emoções. Chocante e controverso para muitos, pela violência de suas imagens e temáticas, o longa-metragem merece uma reflexão atenta acerca das mensagens que carrega.

Entre a vingança, a ciência e a ética

O enredo é, antes de mais, uma narrativa de vingança com várias dimensões. Robert é um homem cuja vida desmoronou depois da morte da esposa e da filha. De luto, ele decidiu encerrar a sua clínica de procedimentos estéticos e precisava encontrar uma forma de lidar com toda a dor que sentia.

Gal, a antiga esposa, tinha fugido com Zeca e ficou com o corpo todo queimado depois de um acidente. O marido cuidou dela e, na intenção de ajudá-la, idealizou a criação de uma pele artificial. No entanto, não foi a tempo de concluí-la e a mulher tirou a própria vida, algo que se repetiu com Norma, a filha de ambos.

Após ter perdido a sua família, decidiu ir atrás do agressor de Norma e, através dele, concluir o projeto. Como percebemos depois da palestra que dá para os colegas, trata-se de um assunto polêmico que desafia a sua conduta moral e ética enquanto médico e cientista. GAL, a pele artificial criada por Robert, combina o DNA de um ser humano com o de outra espécie, algo altamente proibido.

Disposto a punir o homem que atacou a filha, ele realiza suas experiências sem nenhum tipo de culpa, ou seja: o ódio conduz à desumanização daquele indivíduo, que passa a ser apenas encarado como um objeto para fins científicos. Por outro lado, todas as cirurgias que realiza no refém contra a sua vontade, principalmente no rosto, pretendem aproximá-lo da imagem da antiga esposa.

É como se a transformação de Vicente em Vera fosse uma tentativa desesperada de ter Gal de volta e reescrever sua história. Na sequência disso, ele também pode "acertar as contas" com Zeca, o meio-irmão com o qual era traído. Depois de interromper a cena de estupro e resgatar a "cobaia", é como se o processo de vingança estivesse concluído. A partir daí, Robert deseja viver uma relação amorosa com a "mulher que criou".

Criação artística como forma de sobreviver

Algo que podemos perceber desde o começo do filme é a presença de obras de arte em praticamente todas as cenas. Robert, o dono da casa, é um evidente apreciador de pintura e coleciona grandes quadros por todos os cômodos. Contudo, podemos afirmar que estas imagens apontam uma possível interpretação sobre o significado de A Pele que Habito.

Deste modo, os processos de criação artística parece ser apontados como formas dos indivíduos seguirem suas vidas e processarem emoções e sentimentos mais sombrios, obtendo algum modo de alívio ou catarse.

Vera escreve nas paredes

A postura de Vicente / Vera durante o cativeiro se altera no momento em que, usando um lápis para maquiar os olhos, começa a escrever compulsivamente nas paredes. A partir daí, vão se multiplicando os desenhos, as estátuas e até os vestidos que vai criando, dentro da sua prisão.

Estas obras surgem como modos de lidar com a nova identidade e as várias violências que lhe foram impostas. Apesar de todos os obstáculos, a criação relembra que ainda tem a sua existência, que continua vivendo, algo que confirmamos pela repetição da palavra "respiro" nas paredes do quarto.

Já Robert se vê como um grande criador porque é responsável pela transformação de Vera, que admira repetidamente e considera sua obra-prima.

Identidade, gênero e enclausuramento

Ainda que possa gerar alguma confusão nos espectadores, importa salientar que o enredo de A Pele que Habito não gira em torno de uma mulher trans. Pelo contrário, as várias cirurgias que o personagem enfrenta, incluindo a redesignação sexual, foram feitas contra a sua vontade, pelo sequestrador.

Deste modo, seu corpo passa a representar uma prisão dentro de outra prisão. Além de todas as alterações físicas que nunca desejou e com as quais tem que lidar, Vicente passa a ser chamado de Vera e seu abusador espera que mude radicalmente a sua forma de agir. A princípio, é visível a sua rejeição a esta feminilidade, simbolizada pelo momento em que rasga todos os vestidos.

Vera olhando no espelho

Nesta nova condição, vive na pele as violências experienciadas pelas mulheres numa sociedade machista, passando de agressor a vítima. Percebe, então, que a única forma de deixar aquele lugar é colaborar com a fantasia de Robert e ganhar a sua confiança.

Assim, a sua performance de gênero vai se alterando: começa a usar maquiagem, saltos altos, vestidos e outros acessórios habitualmente associados ao feminino. Simula também manter sentimentos amorosos pelo homem que arruinou os últimos anos da sua vida e chega até a defendê-lo, quando é confrontado pelo antigo colega.

Trata-se de uma estratégia de fuga e sobrevivência, algo que confirma quando finalmente mata os seus captores e se liberta. Quando o personagem principal reencontra a mãe, temos a certeza que a sua identidade não se alterou, pelas palavras que profere: "Sou Vicente, acabei de escapar".

Deste modo, o final da narrativa vem sublinhar que a identidade de gênero de um indivíduo não se prende, necessariamente, à aparência do seu corpo ou ao seu comportamento, mas sim à forma como se reconhece.

Outros aspectos e características do filme

O suspense da narrativa se deve, em grande parte, às duas linhas temporais que se cruzam. O grande plot twist acontece, aproximadamente, no meio do filme, quando percebemos que Vicente e Vera são a mesma pessoa. Também são várias as cenas de tensão que aceleram nossos batimentos cardíacos: ataques violentos e perseguições, acompanhados por uma trilha sonora eletrizante.

Por outro lado, o enredo aborda outras temáticas que não mencionamos acima, como a solidão e a infidelidade. Existe, ainda, um destaque para as questões relacionadas com a saúde mental que atormentam várias personagens da trama e até determinam seus destinos trágicos.

Finalmente, vale referir que A Pele que Habito tem sido comparado a um antigo e célebre filme de terror francês, que parece ter servido de inspiração. O longa-metragem Os Olhos sem Rosto, lançado por Georges Franju em 1960, fala de um cirurgião que comete vários sequestros para tentar criar uma pele artificial para a filha, que tinha ficado gravemente ferida num acidente.

Personagens principais e elenco

Robert (Antonio Banderas)

O cirurgião e cientista é um homem marcado pelas perdas que sofreu. Após a morte da esposa e da filha, ele começa a trabalhar no projeto GAL, a criação de uma pele artificial que desafia os princípios éticos da sua profissão.

Vera (Elena Anaya)

Prisioneira na casa de Robert, Vera vive trancada num quarto, sendo observada pelo seu captor. Depois de ser submetida a várias cirurgias, ela se torna "cobaia" do cientista, que a força a dezenas de testes e utiliza o seu corpo para experimentar a pele sintética.

Vicente (Jan Cornet)

O jovem estilista trabalha na loja de roupa da mãe, mas sua vida se altera quando comete um crime. Durante uma festa de casamento, ele violenta Norma, a filha de Robert. A partir daí, é sequestrado pelo médico e desaparece sem deixar rastro.

Marilia (Marisa Paredes)

Funcionária na casa de Robert, a mulher é a sua grande cúmplice ao longo da trama, ajudando a encobrir os crimes. Durante uma conversa com Vera, ela confessa que viveu uma paixão ilícita com o pai do cirurgião e que ele é, na verdade, seu filho.

Norma (Blanca Suárez)

Filha de Gal e Robert, Norma ficou profundamente traumatizada durante a infância, quando assistiu à morte trágica da mãe. Mais tarde, depois de ser agredida por Vicente, ela piora e acaba tirando a própria vida.

Zeca (Roberto Álamo)

Filho de Marilia e meio-irmão de Robert, ele é um bandido que, no passado, fugiu com Gal e provocou o acidente que deixou o seu corpo queimado. Anos mais tarde, regressa ao local e ataca Vera enquanto ela está presa no quarto.

Poster e ficha técnica completa do filme

Cartaz do filme

Título La Piel que Habito (no original)
A Pele que Habito (no Brasil)
Ano 2011
Diretor Pedro Almodóvar
Gênero Thriller, Suspense
País de origem Espanha
Duração 120 minutos
Classificação Maiores de 16 anos
Lançamento setembro de 2011 Espanha)
novembro de 2011 (Brasil)
Prêmios BAFTA 2012: Melhor Filme de Língua Estrangeira
GOYA 2021: Melhor Atriz e Melhor Ator

Confira o trailer do filme abaixo:

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.